domingo, 20 de julho de 2008

MINHA AVÓ CATARINA *


Vendo-a depauperada
vago alento no olhar
aos 94 anos cessava


extenuavam as fibras
aquele espírito audaz
débil corpo expirava

impotente assistia
últimos momentos
frente ao inevitável

se pudesse impedia
mas como retê-la
de vôos mais altos ?

assinalava o tempo
inexorável e fatídico
suga energias e vida

nas noites na fazenda
junto a mim protegia
tinha medo do escuro

senti-me distante isolado
amiga tantas lembranças
partia assim a companhia

gratas memórias vividas
sabores mangas colhidas
coração de boi e espadas

quando saíamos escolhia

charrete, trem, jardineira
o desejo meu uma ordem

cúmplice de meu primeiro gole
o martini tão doce e inebriante
sua bebida favorita partilhava

vitrines guloseimas
na bolsa surpresas
mimos e atenções

das revistinhas em quadrinhos
lidas relidas lentidão no relógio
salão de cabeleleiros e torturas

No ar aromas de tinturas
bobies, grampos e laquês

esmaltes odor de bananas

sempre jovial a Catarina
até um codinome adotou
como Nelly foi conhecida

Precoce para os estudos
alteraram documentos
a data do nascimento

pioneira em seu tempo
três alunas na turma
bacharel em farmácia

também foi professora
atuou em laboratórios
ativa a vida mantinha

vaidosa, elegante esguia
a tez do rosto maquiada

unhas pintadas e batom

inerte velada na despedida
rubro nos lábios cerrados
maçãs das faces retocadas

Foi-se a Nelly, a Catarina
com ela um pouco de mim
cicerone em tantas alegrias...

Um comentário:

Blog do Ediloy disse...

PUBLICADO NO RECANTO DAS LETRAS, EM 19/09/08