terça-feira, 16 de setembro de 2014


PUBLICADO EM LIVRO NA ANTOLOGIA DE CONTOS XEQUE MATE, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ.


O  ADEUS  ÀS ILUSÕES 

O ADEUS ÀS ILUSÕES  ( conto )


O rapaz da portaria estranhou, mas não  disse nada, ao vê-lo só a requisitar a chave do quarto. Raramente o usuário comparece sozinho, ainda mais  no meio da tarde, quando apenas freqüentadores apaixonados ali aparecem em busca de um ninho para seus momentos de intimidades. Acostumara a vê-los, o casal, geralmente após as 15 horas, ficando somente o período convencionado. Agora apenas um deles, talvez ficasse aguardando a chegada, já nas dependências, da companheira. Caso ela chegasse, diria que o esperava no 307, o local reservado.
Saiu da recepção e subiu um pequeno lance de escadas, adentrou o corredor e abriu a porta. Aguardaria ali por uma chegada imprevista, possivelmente ela não viria ao encontro. Incapaz de compreender, embora também já tivesse sido casada, que imprevistos acontecem, não sendo ele totalmente livre em seu tempo. Mesmo a espera tivesse tudo para ser inútil, ali estava, alimentado por uma esperança tênue, ou para relembrar naquela pequena suíte momentos vividos.
Sentou-se á beira da cama de casal, sem ânimo para tomar uma ducha, como faziam ansiosos quando lá se encontravam, às escondidas. Depois do expediente, ambos tinham meio turno de trabalho, o da manhã, restando a tarde para os clandestinos momentos, onde escondiam seus pudores e se entregavam às carícias.
Seria tão incapaz de entender que tinha uma vida regular, com mulher e filho ? Já o conhecera assim, aliás, nunca escondera nada. Aquilo parecia uma constatação tardia, cedo ou tarde  ficariam diante ao dilema, onde a “outra” têm que abrir mão em função das obrigações conjugais do amado. São os inconvenientes das paixões secretas.
Ela não o perdoara por algo tão previsível, o não comparecimento a um encontro, por razões óbvias e não dissimuladas. A vida dupla tem suas implicações, não sendo do humano o poder da ubiquidade, estando em mais de um lugar simultaneamente.
Parecia que o primaveril jardim florido conhecia os rigores impostergáveis do inverno. Passadas as euforias do namoro proibido colhiam as asperezas da realidade, a de não serem donos exclusivos de suas vidas, partilhadas com outros entes.
Ser a “outra” necessariamente impunha algumas restrições, não se reivindica prioridades em coração ocupado. Apostava-se numa relação arriscada, tentativas de se tornar a oficial, não saberia dizer se ela pretendida isso, apenas deduções. Na convivência como colegas de trabalho, almoçando diariamente juntos, trocando confidências de suas intimidades, perceberam-se envolvidos. A princípio uma brincadeira a dois, sem cobranças e nem futuro. Aliás, diante ao inusitado da paixão quem tem salvaguardas e receios ? Como crianças, correm para o doce da vida, o resto que venham ao seu tempo... E veio.
Ali estava, absorto em seu mundo, esperando alguém que, sabidamente, não viria. Conhecia o temperamento dela, sofreria, sim, mas não daria o braço a torcer, seria irredutível. Dera cordas à paixão, agora parecia puxá-lo, trazê-lo para si, agira como uma isca. Jamais poderia supor que fosse assim tão ardilosa, mas, caso fosse, seria compreensível, afinal, ninguém quer partilhar indefinidamente os carinhos de quem se gosta. Porém ela era a outra, sabia disso e embarcara naquela aventura certa dos prazeres e desprazeres da empreitada.
Recostara-se na cama, relembrando-a nua, intensa, amorosa, naqueles colóquios inesquecíveis, onde esqueciam-se de si mesmos, entregues um ao outro, distantes de qualquer problema. Era uma pausa na vida dos dois, de puros deleites. Ela na bagagem com um casamento falido, mal resolvido, e, por fim, divorciada. Quanto a ele começava a testemunhar o enfado da rotina matrimonial, as mesmices das rotinas que pulverizam sentimentos fazendo da vida a dois simples convivas em mesmo teto.
Todas as preocupações aparentemente longínquas, na verdade não são exclusivas de ninguém, pertencem a todos, experimentados por eles, como todo casal. Os dissabores do namorico e da transa tornavam-se amiúdes em cenas de cobranças e insuspeitáveis ciúmes. Se acreditaram no  ninguém ser de ninguém, enganaram-se. Na fase da sedução, onde tudo parece possível e encantado, esmaece no correr dos dias, no espaço que cada qual deseja na vida do escolhido. 
Tudo acontecia dentro do previsto, passada a lua de mel clandestina, surgiam já os tropeços. Não cogitava, e tampouco prometera,  desfazer-se do casamento, tinha certeza disso. Não regateava cortejá-la, aquilo fazia bem a ambos, contudo, manter a delicada relação tornava-se difícil, aonde entra sentimentos e não apenas o prazer do sexo as reivindicações aumentam e o gozo se esvai.
Curtiam as brincadeiras a dois, entregues nos abraços e no encontro de corpos sedentos de emoção e lascívias. Havia uma gostosa traquinagem,  a de se encontrarem clandestinamente, como adolescentes fugindo de pais severos, ocultando-se de olhos estranhos. Contudo, também com a esposa tivera momentos mágicos, namoraram muito tempo e casaram-se. Nada poderia assegurar a eterna felicidade se fosse com outro alguém, se no breve colóquio já manifestavam os velhos problemas da relação a dois.
Era surreal esperá-la sabendo que não viria, gastaria o tempo para refletir naquele espaço de já saudosas lembranças. A cortina colorida, transparecendo a luz do meio da tarde solarenta, nas frestas que iluminavam parte do leito, dando um tépido calor. Apenas  o aquecimento vindo da natureza, não mais do corpo dela, tão sensual e apaixonado.

 Amadurecera naquele processo, certo que não há relacionamento humano sem dor, experimentados na solidariedade e crescimento, onde as ilusões dos prazeres fugidios não sobrevivem.

Resignado, olhando ainda para os detalhes do pequeno aposento, como se despedindo, fechando a porta dos sonhos, caindo, por fim, nos fatos, tudo acabado entre eles...