sábado, 27 de fevereiro de 2010

ÚLTIMA CHAMADA


imagino o apuro
se a mim fosse dado
um breve chamado

reunisse todas as coisas
pertences essenciais
uma viagem inesperada

tão pouco tenho de essencial
aturdido ficaria no ultimato
deixaria tantos trastes

e me apresentaria
de meias trocadas
camisa amassada

se não descalço
de cadarços soltos
cabelos em desalinho

se urgente fosse
às pressas
de inopino, inusitado

pobre de mim
me apresentando
desnudo, aparvalhado

nestas horas sentidas,
alheias mãos queridas,
cuida-nos na despedida...



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

PASSOS...

minudências
composição de um vitral
mosaicos de experiências

almagadas, construídas
pelas convicções,
a comporem um Todo

certezas e observações
de nossas vivências
contextos de reflexões

cimentadas nas provas
passos seguros
produtos da sabedoria

forjada em pedra bruta
nas lidas, vividas,
experimentadas, sofridas...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

MEUS EUS

em meus passos
há dois eus
atrevido, infantil
adulto em conflitos

alguém que anseia
trava batalhas íntimas
se indigna
brada em sussurros

outro em mim
releva
apascenta a ira
sublima a dor

se digladiam
se desgastam
impotentes aos fatos
anulam-se no equilíbrio

um se tortura
na incerteza
outro aquieta
nos contrastes

não se conciliam
se aturam,
dão tréguas,
acorrentados, caminham...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

ENCANTADO


vou na inocência
acalentada
de um menino


desconhecendo
em dores
tantas avarezas

desdenhando
a fome em muitos
desperdícios em tantos

injustiças estabelecidas
normais, culturais,

suportadas

refugio na crença
que tudo vê
em encantos

os homens sendo irmãos
os maus em enganos
os bons na maioria

os ventos benfazejos
levando todo mal
trazendo boas novas

estradas floridas
despidas de espinhos
o clarão das esperanças

o resto, minha criança,
esqueça,
é a verdade, descrença...


Escolhido para figurar na coletânea Poetas Brasileiros Contemporâneos, editora CBJE, edição Março/2010

DESNUDO

desamparado
certezas
em dúvidas

crenças ao vento
desalentos
balanço capenga

das convicções
arrimos bambos
castelos de cartas

refutar o embate
falsas verdades
por-se à prova

de seus dogmas
estilhaços
alicerces pífios

nada restava
estradas desertas
caminhos turvos

recomeços
claudicantes passos
que feneciam...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A DESPEDIDA ( CONTO)*




Em frente ao espelho da penteadeira vislumbrava a sua beleza. O viço da juventude manifestava-se na tez canelada e nos cabelos de ébano escorridos sobre os ombros, no suave e enigmático par de sobrancelhas arqueados sobre os olhos graúdos e belos. Vez ou outra, traindo os pensamentos, num rito de sabor, mostrava os alvos e perfeitos dentes num sorriso velado, dissimulado.


O sobrado de n° 307 se destacava dentre os demais, ali esperava Izaura pelo amante, a visitá-la em dias determinados, nas escapulidas de seus compromissos de negócios e familiares.


As mãos, na escova dos cabelos, tornavam-se crispadas ao sabor das memórias, ora suaves, ora tristonhas...



A mente a levava de volta à fazenda, onde tudo começara. Filha de lavradores pobres, trabalhadores de seu amante, fora requisitada para os serviços domésticos, longe dos tormentos da vida roceira, castigada pelo sol inclemente e pelas más condições de trabalho. Trabalhar na casa grande era um privilégio desejado por todas as moças que lidavam com a terra. Estava entretida em sua lida quando sentiu a presença do patrão, montado em seu cavalo:



- E ai, moça, boa tarde...


( nervosa com a surpresa, a princípio sem saber o que dizer, cutucada pela mãe) - liga não , Patrão, ela é tímida...cumprimenta o dr., Izaura !



- Boa tarde ! ( respondendo avexada com a reprimenda materna)


- Izaura ? Bonito nome... quantos anos você tem ?


(a mãe tomando a frente, diante ao embaraço da filha) - Ela tá com 16 anos...


- Gostaria de ajudar na casa grande ? Precisamos de uma ajudante para os serviços de casa...


( a mãe, sempre cutucando a filha) - Responde ao dr., Izaura, que falta de modos !


- Sei não... a mãe que sabe, se ela quiser...


- Arre, claro que ela quer, dr !...



( Acertaram tudo e, dias depois, com os pertences em um pequena e simples maleta, mudou-se para a casa do patrão)



Logo se acostumou com os afazeres domésticos, sendo sempre requisitada pela patroa, pessoa fragilizada e constantemente doente. Havia no olhar daquela mulher uma certa condescendência com as atitudes do marido, mormente as que se referiam às suas conquistas amorosas, algo como resignada por não poder atendê-lo totalmente nos deveres conjugais em vista de seu estado de saúde. Homem gentil com a esposa, sempre a tratando bem, aquilo, de certa forma, a compensava, além do carinho e verdadeira paixão que ambos nutriam pelo Lauro, o único filho do casal, que vinha nas temporadas de férias escolares visitar os pais.



Izaura nutria respeito e dedicação à patroa, com quem aprendera muito, inclusive as letras, os bons modos, certo requinte aristocrático estranho à sua origem. Lauro a encantava particularmente pela beleza e humildade que transparecia tratando-a como a uma igual, apesar das diferenças sociais. Eram ambos jovens, confidenciavam-se, divertiam-se e de quem sentia saudades na ausência. Sempre recebia cartas do jovem patrão, a que respondia enternecida.



Hidalgo, o patrão. a cercava de cuidados e gentilezas, nunca forçou nenhuma situação, mas cedo ficou patente suas intenções para a jovem ama. Percebia seus olhares, a desejando, aquilo era curioso, pois não a fazia constrangida, mas desejada e querida, o que a envaidecia. Era um homem bonito, apesar da idade, tinha porte de cavalheiro, finos tratos. Era sim sedutor, amável, a cortejava em gestos, nunca se precipitando em atitudes menos confortáveis. Não se pode dizer que tenha sido enganada, gostava daquele jogo sutil de rata e gato, de certa forma, incentivava, mostrando-se mais bela e ousada nas vestes.




O tempo encarregou-se de patentear a relação extraconjugal, quase inevitável. E Izaura, como um flor desabrochada, mostrou-se uma mulher interesseira e calculista, distante daquela cabloca tímida de outrora. Sabendo-se amada, conquistou certa tranquilidade aos pais, com a doação de naco bom de terra para que trabalhassem por conta própria e tivessem melhores condições de vida. Alegando desconforto pela situação, pediu uma casa própria na cidade, para não ter que compartilhar a traição junto à esposa debilitada. Todos os seus desejos eram minuciosamente atendidos.



Mas nem tudo eram flores, ainda se sentia a outra, a amante. Queria mais, ser a dona absoluta do amante e de suas posses, mas a esposa, cada vez mais debilitada, era um empecilho. Além do que, Lauro se apresentava aos seus olhos como um homem lindo e desejado, o que a colocava em dilemas terríveis. Nutria sentimentos por Hidalgo, sempre solícito e gentil, excelente companheiro, mas o coração de jovem batia acelerado pelo enteado, quase da mesma idade, juventude excitante. E nisso era correspondida, pois o jovem também a desejava, sem conhecer a dupla vida de seu pai.



Hidalgo, o bom , o encantador, era agora algo que incomodava, que a impedia de ter sonhos maiores...por que o pai, ainda elegante, mas velho, se teria o filho, herdeiro único, belo e jovem ?



Aqueles pensamentos tumultuados vinham de forma frequentes , cobrando atitudes imediatas, tirando-lhe a paz.



Hidalgo chegaria a qualquer momento, o vinho estava pronto, as taças, tudo como ele sempre apreciava. Havia dito que passaria por breves momentos, pois estava com pressa, teria que retornar à fazenda, assuntos imediatos, acompanharia o médico para uma consulta com a esposa, que piorava dia a dia.



Ao adentrar a porta, Hidalgo, recebido efusivamente por Izaura, que era outra mulher, não mais dividida entre dois homens, mas inteira para ele, nisso não dissimulava, tinha imenso prazer com as furtivas visitas do homem que partilhava com a outra.



O brinde foi rápido,mas festivo, embora Hidalgo não escondesse suas preocupações com o agravamento do estado de saúde da esposa. Beberam alguns goles, se abraçaram, e seguiu viagem no compr0misso de retornar em breve, conforme o combinado entre eles.



Ao ficar só, Izaura tremia, em confusões mentais, em arrependimentos tardios.



Só voltou a ficar tranquila quando se anunciou Lauro, que vinha vê-la, enamorado.



Todo o desejo represado em tanto tempo, na etílica sugestão alcóolica estimulante, se entregaram em louca paixão.



No meio da noite, acordados por um emissário, levantaram-se aturdidos.



Hidalgo passara mal na fazenda, vindo a falecer. Acreditaram tratar-se de um infarto pelas atribulações com a saúde da esposa, também próxima da morte.



A sós, na pia do banheiro, Izaura esvaziava o litro contaminado com o veneno...






* texto escolhido para figurar na Antologia de Contos "Amor & Desamor" da editora CBJE, lançamento em abril 2010.






sábado, 13 de fevereiro de 2010

TUDO É CARNAVAL

no cordão do desespero
enfileram-se atormentados
choram riem-se de suas desditas

no bloco dos felizes ou ingênuos
navegantes em mares plácidos
crenças cegas e filosofias leves

de entremeio entre dois grupos
os anestesiados pela euforia
e os dementados pela realidade

oscilantes, entre eles.
buscas por tênues lucidez
seguem os analíticos

enebriados nas fantasias
dos eufóricos e identificados
nas angústias dos sofridos...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

MOMENTOS EM MIM


nada há que se compare
a estes momentos
em que me visito
em sentimentos

nada há de mais intenso
refletido, curtido, imerso
do que nestes instantes
desprovido e desnudo

de minhas máscaras
carantonhas risonhas
tão aceitas no trivial
das formalidades

nada há além
que se iguale
ao presente
destes toscos versos...

VERSOS NO AR

vez ou outra
me surpreendo
sendo lido

encontro meus rabiscos
enfeitados em sorrisos
por olhos generosos

espinhos adornados
por mãos carinhosas
a florearem jardins

e me visito
como um estranho
e me brotam águas

nas íris da emoção
são filhos da vida
de instantes

se transmitem
se identificam
cumprem a missão

de colherem
em outros íntimos
mensagens do coração...


* tenho sido publicado em diversos sites,alguns de outros países de língua portuguesa e, até, em inglês e alemão, colho com alegria e emoção esses carinhos, não necessitam das digitais do autor ( embora me registrem o crédito) são palavras ao vento
que encontram ecos em outras emoções...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

RASCUNHOS

há que se

falar em amor sem dizer "te amo"

sentimental sem ser piegas

de Deus sem dizer Seu nome

da dor sem comiseração

da luta árdua sem desencanto

do céu sem citar estrelas e lua

das lágrimas sem revelar razões

há que ser claro, sem ser óbvio

buscar ineditismo na mesmice

ter olhos enviesados na monotonia

mensagens desiguais sendo semelhantes

ter-se graça sem buscar o engraçado

belo sem rebuscar belezas

insinuar o não dito, mas compreendido

ver nuances de permeio,

o resto é recheio...





sábado, 6 de fevereiro de 2010

CÁRCERES


invisíveis aos olhos
presentes nos atos
limites impostos

hábitos
costumes
condicionamentos

estreitos, medíocres
asas atrofiadas
banidas de voos

visões limítrofes
a outros horizontes
restritas e contritas

comedidos passos
preconceitos
julgamentos

Seres perfeitos
em confeitos
desfeitos na massa...


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

TRÔPEGA LUCIDEZ


devaneios sugeridos
ao som de uma música
tomando cervejas
masgando amendoins

a mente solta
ambiente agitado
os olhos ao derredor
colhendo atrevido cenas

a compor um cenário
detalhes se avolumam
como protagonistas
superlativando miudezas

sufoco de mormaço
chuva leve lá fora
mesa repleta de garrafas
ócio curtido em divagações

malícias sensuais
nas ancas morenas
roliças, matreiras,
convites presumidos

alheio a mim,
deserto, perdido,
sortido como bala
em baleiro colorido

alternando goles
salivando sementes
devoradas ávido,
voraz , insaciável

multiforme, distante,
inconstante, insano,
incendiado e acalmado
nos 4% etílico dos 600ml...




terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

FÊNIX


nunca serão perdidas
as esperanças
renascidas, revividas,
acalentadas lembranças

ainda que marés bravias
invadam o continente
e as chagas sangrem abertas
renova-se a fé em novos dias

é a têmpera humana
desafios indomados
sofrimentos e risos
sua bagagem onde for

mal final, padecente,
crê-se eterno, vigoroso,
idealiza cenários lindos,
na crua realidade

é parte de sua história
a adversidade
aspirar voos altíssimos,
ter sonhos, mitigar a dor...


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

VOOS


impotentes
na inexorável
nua realidade

no culto
das palavras
asas libertas

pássaros
em voos
Seres ao acaso

cores em matizes
reverberam leves, suaves,

sonhos nossos, pintados...



ENERGIA


faíscas do atrito
entre pedras
fazendo fogo
assa e acalenta

tochas incendidas
iluminam caminhos
reconforta
e neutraliza medos

calor que acarinha
à beira da fogueira
primeiros convívios
humanos agrupados

estabelecida confraria
ao redor das labaredas
se aquece e se alimenta
primevas raízes das tribos

tempos imemoriais
avanços, descobertas,
eurecas de delírios !
humanidade passos largos

hoje, um acender,
rápido, habitual,
chamas, calor, luz
atos corriqueiros

acendem-se cigarros
no papo trivial
água na fervura pro café
e a conversa saboreada

buscas no conforto
da energia
clarões que aquecem
clareiam nossos passos...