quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

RESSACA

vejo o quanto o sentir
sublime em elevações sutis
refém encontra-se na matéria
de carne, ossos, nervos e cartilagens

quão frágil organismo
me abriga a mente
mesmo liberta em devaneios
presa está nos seus limites

basta um apetite aguçado
um beber mais ousado
eis-me em desconfortos
abatido, extenuado...

e no pensar obnubilado
por uma fugaz alegria
em ressaca apagado
custo de efêmera euforia...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

VERSÕES DO SILÊNCIO


emblemático silêncio
múltiplas versões
ao sabor do contexto

aquiescendo no erro,
muda confissão
na omissão da defesa

sublime
ao perdoar no mutismo
ou vil, sarcástico, ferindo esnobe

atos subentendidos
na compreensão de mãos estendidas
ou do desprezo, no faiscar dos olhos...


* texto selecionado para figurar na Antologia Livro de Ouro da Poesia Brasileira Contemporânea,editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, edição junho/2011

domingo, 13 de fevereiro de 2011

TRANSITORIEDADE

nada perdura para sempre
nem a dor deste momento
ou a alegria deste instante


tudo transmuta
em experiências
acrescenta


nas marcas do tempo
no corpo perecível
signos assinalados


nada é perene
tudo transforma
mudamos, renascemos...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

VÍTIMAS PASSIONAIS (CONTO)


O estampido da arma, à queima roupa, breve, fatídico, não o livrou da dor, antes iniciou um outro processo, sem falarmos da questão legal do assassinato.

Se a ilusão de que os problemas resolver-se-iam com aquele gesto tresloucado, sentia-se malogrado, a sensação de insatisfação agigantara-se de forma cruel e imensurável.

Debalde as tentativas da namorada pelo fim do relacionamento, ele não queria ouvir, jamais a deixaria. Vê-la só, independente, era insuportável, a possibilidade de ser de outro o asfixiava. Assim passara a ser a sua rotina, diuturnamente visitado pelos sentimentos da traição, real ou imaginária.

Taciturno, vivia alheado, como se num convívio íntimo inacessível ao mundo exterior, A idéia do abandono o perseguia. Ela não o deixaria enquanto não tivesse outro, assim pensava e em tudo agia para não dar chances de ela sentir-se independente. Tudo era motivo e razão para estar presente, mesmo percebendo que trazia incômodos, de que já não era bem vindo.

As noites de sonos breves, de suores noturnos, da obsessão a assombrá-lo,debatia-se no seu universo atormentado. A paz o deixara e a vida perdera suas luzes e cores, os pensamentos o crucificavam ao mesmo tema, ela o deixaria, seria traído.

Como imaginar outro a beijando, a possuindo ? Pior, bem pior que tudo, era sentir-se preterido, expulso do coração dela. Ela lhe pertencia, não admitia a hipótese de perdê-la, embora já a soubesse distante de si. Era tolerado pela insistência, ela cada vez mais arisca, menos afável. Sentia-se um mísero, um pedinte de esmolas em raros momentos de afeto, implorados.

A traição não se consumara, mas a idéia de ser desprezado, expulso de seus sentimentos, era o bastante para exilar-se em si e viver o fel das desilusões, como se tivesse sido traído pelo abandono. Cada aguilhão da dor reputava a ela como causadora, num misto de sensação de perda e mágoa por fazê-lo penar naquelas angústias. Já não discernia com clareza entre esses dois sentimentos intensos, o amor e o ódio. Nascidos no fértil solo das desconfianças, onde o orgulho duela com os bons sentimentos, exigindo desforras.

Crescia em si um monstro a reivindicar satisfações, cobranças da auto estima abalada, pelas dores vividas sem tréguas, do pensamento fixo e atormentado de cada momento, da paz que já não conhecia.

A custo mantinha-e sob controle, não demonstrando o vulcão prestes a eclodir, não fora a esperança de mantê-la junto a si, teria transbordado seus azedumes e iras, como lavas incandescentes. Agia mansamente, como um apaixonado querendo recuperar a amada. Onde a precaução imperava sobre os ímpetos refreados.

Era um trapo em vida, arrastando-se para parecer natural, arrasado no íntimo, fera acuada querendo o momento para o golpe certeiro. Duas questões se lhe impunham como definitivas. A reconquistaria e superariam a crise ou a eliminaria para livrar-se daquela sensação humilhante e aterradora de perda.

A idéia de libertá-la, de consentir com a separação, não encontrava guarida em suas cogitações...talvez depois de reconquistá-la, a deixasse, como reverso da moeda pelas aflições sentidas, na satisfação de seu ego aviltado, mas agora era a parte ofendida, desprezada, esperando reverter a situação desfavorável.

O que o alimentava, o prendia na obsessão de querê-la ? Na verdade não sabia mais se era amor, torturava-se por vê-la bem enquanto ele sofria, saudável em contraponto aos seus delírios, alegre enquanto se sentia definhando. Como se a perdesse em cada instante, na impotência de retê-la na sua independência. Desconfiava do simples olhar dela, perscrutando como querendo adivinhar seus mais recônditos pensamentos, pensaria em outro ? Por que só ele sofria, será que nunca o amou ? enrodilhava-se nas confusões mentais.

Sedimentava, aos poucos, a idéia de eliminar seus problemas, focados unicamente em não perdê-la. Antes a mataria do que deixá-la viver a sua liberdade.

A alegria dela conspirava contra, em seus devaneios febris e ensadecidos, com a sua dor. Não era um sofrer compartilhado, findava-se o relacionamento de forma unilateral, onde só ele sofria. A ela restava o papel de uma amiga consoladora, mais aviltava o gesto que consolava. Vê-la bem, sem ele, foi o corolário para sua doentia decisão...

O eco seco daquele disparo mortal, consumando o gesto torpe, covarde, não o libertara.

A sentia próxima, uma sombra na consciência , como se assassinada, ressurgisse, e o assassinasse numa pena perpétua, matando-o lentamente de desgosto nos anos, sempre repelindo-o, e ele sempre a seus pés pedindo para não deixá-lo.

Tanta foi a necessidade de não libertá-la, que a tinha, definitivamente dentro de si, presente, acusatória, nublando anseios futuros, tiranizando-o.

Era um homem, tinha sonhos, amor, esperanças. Virou um resto, um Ser humilhado.

As mãos assassinas, um estigma, um orgulho vão...


Texto selecionado para figurar na obra: Seletas de Crônicas, Edição especial, lançamento abril/2011, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro/RJ.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PÁGINA ESQUECIDA

ei-la, ressurgida,
do acaso,
amarrotada,
envelhecida

estrela ofuscada
negligenciada,
por nada lixo,
na gaveta esquecida

nas letras
as frases incisivas
trazendo, rediviva,
atual, intensa, viva

caras lembranças
alegrias vividas
marcantes momentos,
sentimentos

embevecida mensagem
versos cifrados
calando fundo,
emoções renascidas...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

CONSCIÊNCIA DA INCONSCIÊNCIA

se vivemos um conto de fadas,
melhor não despertarmos,
se for para sofrer, fiquemos
na ilusão da falsa felicidade

talvez para provarmos a nós mesmos,
sabedores de nossos desenganos,
na ilusão da diferença por sermos cientes
da nossa alienação consentida

imbecis, sim, mas conscientes
da inconsciência coletiva
como gado em fila indiana
caminhando para o pasto ou matadouro...

CRIAÇÃO

sentir-se ausente
distante presente
em si mesmo

universo diverso
do ambiente
se apresenta, de repente

oculto a outras gentes
solitário, diferente,
buscando luzes na mente

imaginação vasculhada
asas abertas, libertas emoções,
garimpando formas e sentidos

prazer de dar a luz 
ao boneco de barro
na tinta da escrita

soprando as narinas.
dar vida às personagens
verossímeis, encarnadas

no verso ou prosa
as estórias
deleites da criação...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

BAÚS DO TEMPO

momentos
redemoinhos no sentir, sensações 
o presente se distancia no tempo

em instantes imprecisos, difusos,
onde aromas e gostos se misturam
trazendo um mosaico de emoções

das ondas do mar
das chuvas intensas
das tardes solarentas

talvez das noites cálidas
das manhãs ensolaradas
do nada, do acaso

rememorar um misto de coisas
reviradas nos baús das existências
vidas de ontem no hoje sentidas...