quinta-feira, 24 de novembro de 2011


*selecionada para publicação na Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos n° 85, dezembro 2011, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de janeiro/RJ.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

ALÉM DAS APARÊNCIAS


Vissem todos o que o real esconde
Nas faces,  imagens e aparências,
Sorrisos em lágrimas talvez desponte
Tristes euforias sem transparências

Do garboso ditoso, aparente,
Irreal êxtase, íntimo desdiz,
Aflições e ais somente
Artifícios em ínfimo verniz

Camuflados em jeitos e soberbas
Em si encerra, dores acerbas,
Máscaras em mesuras conflitantes

No papel brilhoso do presente
Esplêndido laço, olhar ausente,
Pálidos risos, alegrias distantes...
V

VOO SOLITÁRIO ( CONTO)







A aglomeração na rua atestava  a tragédia. Um corpo coberto por jornais. Ao alto, uma janela escancarada, onde sobressaía esvoaçante cortina, como denunciando os fatos, presumindo o enredo.

O que teria levado alguém a atirar-se, em um ato suicida? O apartamento pertencia a um homem só, viúvo há anos, de vida pacata, cortês com os vizinhos, no recato de seus hábitos. Morador sozinho, de vida comedida, bom astral, que descia para dar uma volta pelas redondezas, tomar um café na padaria, comprar jornais, um trivial de sua rotina invariável. De natureza reservada, pouco sabia- se de sua história de vida, raramente recebia visitas, quando acontecia eram antigos colegas de serviço, todos aposentados, como ele. Ao que tudo indicava não havia recebido ninguém, nem sinal de arrombamento na porta ou de lutas. Nenhum vizinho ouvira nada, apenas o baque seco do corpo no asfalto e gritos dos passantes, assustados com aquela cena.

Persistia em todos os olhares a mesma interrogação, teria sido apenas um acidente, ou a constatação de que aquele homem resolvera acabar com a sua própria vida ?

Alfredo percebeu-se incomodado, pressentia a presença de alguém junto a si, dava de ombros, fingia não dar atenção. Porém, com o passar dos dias aquilo passou a aborrecê-lo, afinal, não havia ninguém, além dele, no apartamento. Homem sério, não dado a crendices e superstições, sentia-se acompanhado, embora estivesse só. Mesmo folheando o seu jornal ou abstraído na leitura de um livro, sentia-se acompanhado. A sensação de que compartilhava com o outro todos os seus gestos e gostos. Parecia que o acompanhante imaginário também lia a mesma leitura, justaposto a ele, confundindo-se ambos em uma só pessoa.
Então, baixando os olhos da leitura, recostado na poltrona da sala, ficava atento, demonstrando querer saber o que ocorria. O silêncio e seus sons, soltos, murmurados, não lhe davam respostas e nem pistas para aquele estranho pressentimento. Aonde andaria este alguém, oculto em algum canto, ou seria uma dedução, presunção ?

 O silêncio por vezes ensurdece, incomodam seus tons, ruídos, melhor não tentar ouvi-los... Besteira, que asneira aquela que o levava a admitir a existência de um intruso que não se fazia aparecer ? 
O fato é que não era louco, estava plenamente ciente de seus atos, a presença alheia, de tão próxima de si, parecia não lhe deixar dúvidas. Andou vagarosamente pela casa, indo em todos os cômodos, verificando cuidadosamente, e nada. 

Acostumado há anos à solidão, a viver sozinho, apurara os ouvidos ao mínimo ruído, sim, todavia não houvesse sons estranhos, por certo alguém o seguia, melhor, estava consigo, como se interiorizado em seu corpo, estando com ele em todos os momentos, implacavelmente. Olhos e sentidos alertas, segredos em momentos, revividos no vácuo, trazidos de passados, revividos, relembrados, nada que detectasse a existência de alguém além de si mesmo. Passara a se observar como se fosse outra pessoa, alguém além de si mesmo. 

O que estaria acontecendo consigo ? Por mais surreal que pudesse parecer passou a se policiar, a se inquirir em pensamentos, tentando livrar-se daquela estranha companhia, não vista, mas percebida. Nunca foi dado a abstrações e conjecturas sobre qualquer assunto de  ordem psicológica ou espiritual, jamais admitindo fenômenos de outras naturezas. Estava aturdido, preocupado, sentindo-se perigosamente em sua sanidade mental, aprendera a ouvir a própria respiração, colhendo sons do silêncio, na algaravia perturbadora a inquietá-lo, machucando, remexendo em torturas sem ecos e sentidos lógicos.

Fisicamente estava bem, não havia reclamações de dores, estava, inclusive, disposto. Somente aquela impressão muito forte, diria real, de que era seguido, ou pior, a possibilidade assustadora de ser dois em um só corpo.
Refutava ao admitir tal possibilidade, antes inacreditável. Quem era ? Pela primeira vez começou a se questionar, seria a visão que temos de nós uma idealização imaginada, dubiedades construídas ?  Nos construímos pela mutabilidade das aparências, de acordo com as conveniências assumidas pelo meio social, como camaleões na natureza, adaptando-se conforme a situação ? Coabitando o desconhecido, habitando o mesmo Ser, coexistindo sem questionar, andando sobre os passos, reflexos na mesma sombra, a identidade compartilhada... Estava delirando, fora de si, de seu juízo, infelizmente duvidava de sua sanidade pela primeira vez em toda a sua vida, haveria de buscar ajuda profissional, precisava, com urgência, dar fim àquele suplício.

Os pensamentos, como se tivessem vida própria, desenhavam conclusões que fugiam ao real das coisas que sempre aprendera, o lógico e o concreto. Não queria pensar em nada, dar um tempo a si mesmo, tomar pé da situação que cada vez mais o assustava, porque parecia não mais se dominar em suas próprias idéias.

Que despropósito era aquele, concluindo coisas que jamais pensara antes, tal como passar a vida na figura idealizada, incólume pela existência pelo não questionamento, sem se conhecer, caminhando juntos, duas personalidades distintas, sem se apresentar, ignorando quem fosse, na ilusão de si mesmo.

Estaria ele produzindo aqueles pensamentos ou apenas os ouvia como se fossem seus ?  Nunca pensou em tais possibilidades, não se dava a abstrações filosóficas ou literárias, já não estava se reconhecendo em seu juízo perfeito.
A mente, como independente de si, caminhava em cogitações estranhas, a dizer, como se fosse uma criação sua, de que somos ambulantes, carregando sonhos, fantasias e utopias. Fetiches e alegorias, sempre mercadejamos ilusões para nos sentirmos sãos... sanidade periclitante, hesitante, preocupante, angustiante.  Meu Deus, o que era aquilo ?  Assistia apavorado, como produto de suas reflexões mesmo não sendo. O que estava dizendo, digo, pensando? Que somos trânsfugas, fugindo da raia, do fio da navalha das angústias, que preferimos a fuga, nas lutas renhidas de um eterno amanhã, carregando o fardo hoje  presente, na correnteza de uma vida sem sentido...

Nunca se sentira tão só, tão premido em seu desespero, seria o fim ?

Altas horas, todos dormem, ressonam, alguns se inquietam, como ele, ou seria como o outro dentro de si ?  Cada som, ruídos indivisíveis o acompanham, silenciosos brados mudos, só ele, e ele só. Não há ecos e respostas, está nu diante de si, sem cúmplices naquela aventura medonha, a vergastar suas convicções atirando-o no precipício da insanidade. Sente-se duplo, como se fossem dois eus, um que reconhece como a sua identidade, o outro que estranha, que o instiga para labirintos indesejáveis, alguém que anseia, trava batalhas íntimas, se indigna, brada em sussurros, intermitentes, como a lhe conferir uma pausa para entendê-lo na incompreensão de suas idéias.

Admitir-se duplo, parece lhe conferir algum alívio, afasta de si os torvelinhos da loucura, passa a ser espectador do outro que hospeda em si mesmo... 
Já admitido o outro como hóspede indesejável, digladiam-se, discutem, como se fossem dois entes independentes. Um tenta dominar a situação, apascenta a ira, sublima a dor, tenta manter o equilíbrio, confundem-se, impotentes aos fatos, anulam-se. Um se tortura na incerteza, outro aquieta nos contrastes, não se conciliam, se aturam, dão tréguas, acorrentados, convivem em paradoxos.

Nas longas vigílias noturnas, dias seguidos de perturbações intensas, empapado de suor, murmúrios em suspense e arrepios, desalentado, pausa na luz da manhã, invadindo em frestas as cortinas de um novo dia...

 Supliciado, um homem, em busca da liberdade, voa no espaço...






*Conto selecionado para publicação em livro na Antologia Contos de Arrepiar, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, fevereiro de 2012.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONSTRUÇÕES

Cisca o pássaro
Levanta voo
No bico o ramo
Na feitura do ninho


O homem ergue paredes
Cimento, tijolos e ferros
Fortaleza de seu íntimo
Teto que o acolhe


Ambos buscam
Aconchego
Acalento
A proteção...



segunda-feira, 21 de novembro de 2011

SONS DOS VENTOS






                                  vento batendo em pedras
                                  zunindo, amendrontando,
                                  na noite, no silêncio,
                                  silvos temerosos, uivantes
                                 dando ao vazio um contexto
                                 arrepios, atentos ouvidos,
                                 reflexões na solidão
                                 sons do nada surgidos
                                 reinando e sendo notado
                                furibundo,ameaçando, 
                               passageiro ágil, tresloucado,
                              curvando árvores, ceifando folhas
                               insano fenômeno efêmero
                               criança birrenta, brava,
                               intempestuoso, maroto,
                               devagar se cala, sumindo...





Comunidade Arte&Poesia





Selecionada para figurar em livro na 70° Antologia Poetas Brasileiros Contemporâneos, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de Janeiro/RJ, setembro 2010.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

sábado, 19 de novembro de 2011

AMOR DE ESTAÇÃO ( conto )







Distraído no passeio da manhã, pés enterrados na fofa areia da praia, amena brisa marítima, sol despontando no horizonte, prometendo um tórrido dia ensolarado. Dorso nu, calção folgado e pensamentos soltos, desprevenidos, arrepios na pele ao contato com a umidade trazida nas ondas próximas. Uma vida para sorver, intensos dias para se viver, um gozo de existir. Pegadas marcadas, breves vestígios, sumindo na água, voos em distâncias, no corpo presente alhures venturas na mente liberta. Interação entre o humano e a natureza, suaves frescores, como serenos orvalhos das manhãs campestres em plena visão de infinito azul do mar.
Vagar alheio, despreocupado, volteios no ar no voo das gaivotas enfeitando a paisagem deslumbrante, horizontes e mares, arrebóis nascentes e poentes, instantes multicoloridos nos vaivens das marés. Íntimo em paz no êxtase daqueles momentos. Azo aos devaneios poéticos, linda vida linda, sonhos encantos,magias, flores e pássaros, oceanos profundos, inescrutáveis segredos, cores em profusão. Além do alcance da visão, campos e florestas, cantorias da passarada em alegres orquestras. Humana máquina, perfeita, divina, que tudo apreende nos sentidos da emoção e codifica na razão, vida, linda vida ! 
 Viver como se abrisse gavetas buscando abrigo em inúmeras fantasias, pegando a luneta e apreciando as estrelas, enxergando em múltiplos olhos da alma o que fenece aos estritos limites do olhar material, ver a vida na inteireza de suas luzes e sons, bebericando prazeres dosados no requinte saboroso dos detalhes e deleites que nos oferece a dadivosa e generosa oportunidade de existirmos. Olhares alheados, enviesados sentidos, ociosos momentos, bolhas de sabão, vagos pensamentos, nau sem rumo ao sabor das oscilações das ondas. Sensações oscilantes, sentimentos, apatia ou preguiça, malemolência nos passos lânguidos, indolência calma, suave como uma canção no ar...
Com a disposição e humores agradáveis fazia seu habitual passeio matinal pela orla, desatento e saboreando a beleza ambiente, absorto em si mesmo, caminhando lentamente, tendo a atenção desviada para uma banhista que se distanciava da praia, parecendo necessitar de ajuda.
 Ali estavam, ele e ela, como era ainda cedo, com poucas pessoas circulando, não havia ninguém, além dele, para socorrê-la, aquilo não poderia demorar, os gestos aflitos da moça exigiam urgência. Viu-se atirando contra as ondas em busca dela. Ainda bem que não havia se distanciado tanto, embora, de longe, parecesse que avançara muito, foi apenas um susto. A trazia rente ao peito, arfante e assustada, para a areia da praia.
Sentaram-se, lado a lado, esperando ele que ela se manifestasse, passado o sobressalto. Só então a observou atento, a beleza de seus traços faciais e de seu corpo escultural e bem feito. Os olhos dela falavam pelos lábios em agradecimento, por fim, o sorriso meigo, o encantava. Como se fossem velhos conhecidos, olhavam-se em muda cumplicidade. Todo o encanto que ambos sorviam, reflexivos e distantes, desnudos e seduzidos. Dois Seres ardentes, num verdadeiro paraíso a envolvê-los em seus desejos Dois jovens bonitos numa paisagem abençoada, corpos expostos a doarem-se, febris e insandecidos de paixão. Dispensavam palavras, entendiam-se nos olhares, estabelecia-se a magia do encontro de duas almas que se correspondiam intensamente.
Aqueles olhares insinuantes e atraentes o fiscou, dominando, invadindo a sua calma e o prostrando, vencendo resistências, inebriando-o, encantado. Momentos únicos e inesquecíveis.
Instantes mágicos, poéticos, lembrando estórias de fadas, pareceu como uma sereia a fasciná-lo e sumia sem explicações, a procurava atormentado, já não mais se comprazia com a tela majestosa daquele quadro natural em que se encontrava, a buscava apenas, desalentado.
Malogrado, a paz subvertida, subtraída. Era o refém enfeitiçado por aquela trânsfuga deusa que o hipnotizou e sumiu, tal como veio. Soberana o manietou em seu fascínio e o desprezou sem dizer palavras.
Voou longe, teria realmente existido ? Jamais seus passos seriam tranqüilos e despreocupados, enamorado da exuberante natureza, seus olhos ora tristes e saudosos, a buscavam em infrutíferas buscas.
Foi-se como uma ave de verão... 





* Selecionado para figurar na publicação em livro CONTOS DE VERÃO 2011, Editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de Janeiro, RJ, edição Especial 2011.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

domingo, 13 de novembro de 2011

PÁGINA DE UM DIÁRIO INSANO

vivo
superfície
de mim

desatento
irreal
alheio

tateio
sinto
vejo

demais
filas
da vida

cismares
cogitações
repúdios

observo
curioso
multidão

caminho
sou
mais um

dramas
lemas
dilemas

apenas
sigo
à tona 

de mim...


22/08/2008

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

V A G A N D O

pés na areia
breves vestígios
sumindo na água
lambendo pegadas



voos em distâncias
no corpo presente
alhures venturas
na mente liberta

brisa amena
sereno orvalho
manhãs campestres
no sol da praia

horizontes e mares
arrebóis nascentes poentes
instantes multicoloridos
nas ondas verdes azuis

vagar alheio
volteios no ar
íntimo em paz
êxtase de existir....



26/12/2010

terça-feira, 8 de novembro de 2011

TUDO PASSA...

Dor hoje sufoca
amaina amanhã
esquece depois

Tudo Passa...

Aguas correntes
seixos e pedras
correnteza leva

o que resta
no fundo
o tempo desgasta

Tudo passa...



02/05/2008

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

D E S E N C A N T O

Trêmulas mãos
paternal cuidado
ânsia de protetor


Agoniza o pássaro
rubra mancha
tinge alvas penas


Pálpebras exangues
pesadas lentas
frêmitos fatais


suave sopra-lhe a chaga
resquícios vitais atende
a ave extremo alento


Aviva-se o semblante do pequeno
renovadas esperanças
Faíscas de um fogo enfraquecido


Débil momento desconsolo
Expira a ave
nos dedos crispados do menino....



coletânea “poetas da Puc”, 1980.

sábado, 5 de novembro de 2011

UM HOMEM NA JANELA

Da janela
a retina registra
o movimento das ruas
na impassível postura
do desatento observador

Da janela
vislumbra-se a figura
atenta, e a um só tempo
alheia, à vida que acontece além

Da janela
vê-se a rua e da rua vê-se o homem
debruçado no parapeito assiste a tudo
parecendo que nada vê

Da janela
como do convés de um navio
na altivez de um comandante
e na distância da indiferença

Da janela
nos baços olhos
vislumbra o horizonte
o homem absorto em devaneios...

09/04/2008