quarta-feira, 30 de janeiro de 2013







 

 Ediloy Ferraro
São Paulo / SP

Melancolia

Levada seja
À distância qualquer
Melancolia malfazeja
Acre gosto, malmequer

Em sussurros venha
No ciciar dos ventos
Amenizar a dor que se tenha
Na tristeza das horas, alentos

Inspirados lenitivos, proteja ,
Assustado menino que almeja,
O abrandar de seus tormentos

E a mansa noite, encantadora,
Lua, céu de estrelas, sedutora,
O acarinhe nesses momentos...




*publicado em livro na antologia Brasilidades nº7, homenagem a Manuel Bandeira, editora CBJE-RJ, fevereiro de 2013  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Publicado em livro na antologia NA LINHA DO TEMPO, edição especial 2010, da editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de Janeiro/RJ  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários - São Luiz /MA ( + de 7 milhões de acessos na internet) em 23/01/2013  Ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista.






Entre atos




No ar odores rescendendo a sexo, o corpo ainda largado, nu, sobre a cama de casal revolta do pequeno quarto. Arranjo simplório, alguns pôsteres de artistas, um criado mudo escuro, guarda-roupas de solteiro, duas taças com resíduos, uma com borda marcada de batom vermelho compunham aquele ambiente. A lâmpada enevoada de fumaça de cigarros dando ao ambiente sensação nauseante, de asfixia. O homem despido procura por suas roupas, enquanto fuma. A mulher, lânguida, extenuada, parece desfalecida. Ele retira da carteira algumas notas, confirmando em olhares com a parceira, deixando sobre o móvel, junto aos copos. Silêncio de dever cumprido para ela.  Sensação de saciado para ele, como quem obteve uma mercadoria pagando o combinado. Deixa o recinto, fechando a porta.
Ela, depois de alguns momentos na cama, senta-se, abaixando a cabeça deixando cair a vasta cabeleira sobre o rosto, encurvada sobre os joelhos, mãos segurando a cabeça, como que cansada da aventura. Os olhos vagueiam pelo chão, alheios os pensamentos em outros cenários, o rosto borrado da maquiagem, o rímel escorrido dos cílios, feito lágrimas pintadas. Está despida, dolorida, o varão lhe fora exigente, sente a pele esfogueada, marcada ainda pelas presas rudes, que palmilharam sua genitália, buscando o prazer. Carne exposta servindo de pasto à besta alheia, negócio acertado, preço e serviço, nada a reclamar. Apenas aquela sensação de aturdida, aérea, tentando reavivar-se.
Cambaleou até o banheiro, entrando na ducha, cuidando para não molhar os cabelos, a noite ainda seria longa. Com a água morna escorrendo sobre o corpo, tentando limpar-se da presença do cliente, odores e vestígio leitoso que escorria da vagina por suas pernas  perdendo-se no ralo. Apalpa-se buscando evidências de algum hematoma, sinais de mordidas, beliscões, a cabeça ainda sentida pelos puxões dos cabelos nos êxtases dos momentos orgásticos. Na dor da possuída esgares prazerosos do macho, violência consentida, partes do espetáculo de luxúria. Tudo dentro do enredo, acessórios necessários.
Buscou a pasta de dentes  e experimentou sensação de vômito, ainda o hálito nauseante de bebidas, fumo e sêmen, provocando enjôos. Vencendo a si mesma, cuspiu demoradamente na pia até aliviar-se, ensaiando sorrisos frente ao espelho. Sempre que fazia gestos e observava-se refletida naquele pequeno retângulo, vinha-lhe insistentes reminiscências, como a reviver tempos distantes, memórias que enterneciam e magoavam com a mesma intensidade, algo já inacessível, revividos amiúde.
A menina que via em reflexos com seus cabelos encaracolados e uniforme impecavelmente limpo, com sua inseparável lancheira e pasta com cadernos e lápis coloridos, preparando-se para ir à escola. A adoração pelo ofício de professora, que gostaria de ter sido na fase adulta. “O que você quer ser?” Respondia sem vacilar: professora ! E de biologia, adorava estudar a fauna, se encantava com os répteis. Especial interesse pelas serpentes na coloração da pele viscosa e nos seus escorregadios e ágeis movimentos.
Tantas voltas deu seu mundo, entre a doce menina e a atual prostituta.
A infância foi igual a de todas as colegas de classe média, moradora de cidade pequena do interior, não experimentou reveses traumáticos. Não teve para esbanjar nem careceu do necessário. Uma família com acertos e erros, como todas, afinal.


["Prostituta no espelho", Georges Rouault (1871–1958)]


Então por que aquela escolha?  Indagava para si mesma, entre sarcástica e incrédula, por vezes rindo irônica e amarga de sua própria trajetória.
Teria sido a precoce incursão pelo sexo, induzida pelo padrinho, fatos omitidos de todos?  Foram momentos de curiosidade e não de constrangimentos, havia uma menina e um adulto, um pacto silencioso, nascido de uma conquista muda, sedução carinhosa em tatos proibidos, que ela própria nunca quis romper. Jamais repudiou aquele homem, isso era certo para ela, não foi exatamente uma invasão de sua inocência, antes, uma descoberta de si mesma.
Não o reprimia, pelo contrário, o buscava. Nem se lembrava mais de quando tudo começou, apenas que foi a sua iniciação ao mundo oculto para crianças no universo adulto.
Ele  apalpava seus tenros seios, fazendo-a estremecer. Beijava, com seu hálito viril e quente, seu corpo juvenil, despia-a sem resistências dela, a pegava com carinho, colocando-a no colo,  provocando arrepios, nunca a penetrou. Como um cristal tênue a tratava, cuidadoso em seus gestos a aquecia com seus abraços protetores de macho, apenas a tocava suave e com ternura, fazia lhe bem, sentia-se amada, desejada, acalentada. Momentos mágicos, intensos, inesquecíveis, que retornavam em espirais de lembranças após cada aventura remunerada que fazia, deixando-a reflexiva, nostálgica. Jamais experimentara as mesmas sensações encantadas da menina inocente e seu parceiro adulto e amado.
Mudou-se na adolescência para a capital e perdeu de vista o companheiro de “descobertas”. Mas restou uma busca, inútil, inconsciente, por ele, que nunca mais viu.
Não o encontrou no primeiro namorado, o jovem que a deflorou, inexperiente e ansioso demais, nem em outros posteriores que se seguiriam. A decepção com tantos amores, a procura de algo que nunca soube o quê, a martirizava.
Sabia-se cobiçada, desejada como fêmea, bela como era, não regateava emoções quando lhe convinha, daí para  ser uma profissional do sexo não demorou muito...
Aos poucos, renascendo da apatia dos devaneios, recomposta, ressurgia a fêmea pronta para o próximo ato. Maquiagem retocada, cabelos alinhados, taças lavadas e cinzeiros limpos.  Borrifando aroma floral no ar viciado do exíguo recinto, esticava o lençol, ajeitava os travesseiros ...
- Que entre o próximo querido... 
(Pois o show deve continuar.)