terça-feira, 24 de julho de 2012

ANGÚSTIA






Deveras fosse ficção
O fastio apático,
Em reservada introspecção
Inaparente ação, sorumbático

Dor que ensandece a alma
A escraviza  e a extenua
Vampiriza, subtrai a calma,
A deslustra, a põe nua

De todos os vitrais coloridos
Infenso de aromas e sentidos
Nada fascina ou apanigua

Maligna e voraz, magoa,
Do semblante a luz escoa
Negra noite, ausente a lua...

*publicado em livro na  Antologia Livro de Ouro da Poesia Brasileira Contemporânea, edit CBJE, Rio de Janeiro/RJ, agosto 2012.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

sábado, 14 de julho de 2012


Chuvas & temporais





Temporal anunciado, o céu tingia-se de cinza carregado, nos varais as vestes presas, agitadas num corre-corre levantando pó no quintal, redemoinhos brotados do chão em espirais, levantando terra em poeiras.
O alvoroço das galinhas buscando refúgios, mães afoitas com as roupas ameaçando voar levadas pelo vento ensandecido, parecendo ter vidas próprias, sedentas de se libertarem das amarras dos pregadores, dança desritmada, tresloucada.
Imagens fantásticas que chegam quando os sons dos ventos, batendo, uivantes, transportam-me àqueles momentos inesquecíveis. Na ventania, a chegada do minuano feroz. Naquela tela viva, de tons proféticos, apocalípticos, feito o dilúvio anunciado, tinha um quê de festa, de quebra da monotonia que invadia aquelas vidas plácidas.
Tudo se movia, ganhando agitações frenéticas, o ranger das janelas, portas e portões, tudo revolvido, ameaçado, fora de lugar, revolucionado, contrapondo com a harmonia das coisas estáticas e imóveis, tingindo em outras nuances as cores da paisagem rotineira e maçante daquelas vidas.




Olhos meninos, curiosos, atrevidos, buliçosos, sem atinar riscos e perigos, apenas, tão somente, o gozo pelas sensações trazidas na balbúrdia e temores dos adultos, uma agitação festiva, quebrando a tediosa paz daqueles dias, iguais e modorrentos. No corre-corre, ervas queimadas, Santa Bárbara invocada em preces mal balbuciadas, tremidas, temerosas do desconhecido, manifesto em raios coriscantes e estrondosos, fazendo os animais encolherem-se assustados. Vendavais bem- vindos e a adrenalina pulsante na adversa paz de cemitério dominante nas pessoas e paisagem.
A água beijava o chão ressequido rescendo cheiro bom de terra suada, evolando nas narinas olores de mato molhado, passava arrastando o que encontrava, vulcão em erupção, em lavas, chuva em lamas. Em bátegas, impiedosa, encharcava o terreno, furiosa chocando-se com as paredes da casa, como querendo demolir suas alvenarias e nos por a descoberto. O lar acolhedor, verdadeira barricada contra a borrasca ameaçadora, nos protegia contra as forças do sinistro, trazendo conforto e aconchego, unindo a todos naqueles momentos, como soldados em batalhas em suas trincheiras. Onde os ataques externos, nos confrangiam em temores, e a nossa tática inteligente era a resistência pacífica de esperar apenas o inimigo perder seus ímpetos, como quem descarregasse toda a fúria, até quedar-se aliviado e pacificado, com as armas sem munição.
Um chá quente e saboroso para espantar o frio trazido pelas águas, servido com bolachas e manteiga, animava a soldadesca. Restariam sequelas, talvez algumas aves morressem, galhos quebrados, telhas levantadas, um rescaldo do combate a ser averiguado quando tudo serenasse, perdia-me, absorto e sério, em cogitações como um general averiguando sua tropa, após sangrento confronto.
As árvores agitavam suas folhas, vergavam sobre a força do temporal e resistiam bravamente ao tormento travado na natureza. O dia se despedia precoce, tisnado no plúmbeo das horas enevoadas, ausentes as luzes do astro rei. Meio da tarde, escurecida, noite abreviada.
Ninguém colocava o pé fora, quem ousaria? Sob a condescendência dos adultos, todos anistiados dos deveres de ir à escola, coisa boa, motivos de alegrias mal dissimuladas em faces de falsa insatisfação.
No novo amanhecer, céu azul, límpido de nuvens, terra úmida, sol aquecendo e secando, hora de buscar as pipas, estilingues e bolas de gude, a brincadeira recomeçava...
E da janela, chuviscos amenizados, buscava o guarda-chuvas e, em passos saudosos e meditativos, lograva as ruas, não mais o menino, apenas o adulto pensante de um tempo, onde as chuvas me fazia feliz e hoje traz-me incômodos...


Noite de chuva no farol

* Selecionado para figurar na Antologia de contos fantásticos, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, edição janeiro2011.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.
*Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários ( 5 milhões de acessos) - São Luiz - MA . Ilustrações da Poetisa e contista Mel Alecrim.

Tarde de Chuva

terça-feira, 3 de julho de 2012


Temida liberdade




Quando aceitara o convite do primo para as férias, não imaginava  o que a aventura lhe preparava. Alugaram uma casa vistosa para veraneio, praiana,  lagarteando ao sol, mergulhando nas calmas águas daquela praia paradisíaca, a vida parecia perfeita.
As noites se estendiam nos bares simpáticos, com músicas ao vivo e karaokês, até o despontar do dia claro. Queria divertir-se, tão somente. Desfrutar das belezas do lugar, namorar sem compromissos, aproveitar a juventude  viril de seus vinte e poucos anos, nada  além disso. Qualquer plano de futuro estava arquivado, com soluções pendentes para o momento certo, ou seja, o futuro. O agora era o momento, o que valia.
Tudo transcorria sem atropelos, não fosse o mergulho intenso e profundo nos cambiantes olhos, ora verdes ou azuis, dependendo do ambiente e horários, se de dia, verdes como o mar ou noturnos em azuis no varar das madrugadas, bem depois das 12 badaladas. Aquela beleza menina, tingida de pintas suaves na melanina da derme, cabelos alvoroçados, ruivos, encorpados, no andar sensual, semblante e corpo em harmonia, bronzeados na natureza. Tudo inebriava, o comando não lhe pertencia, aquela sereia em seu fascínio o guiava, dando rumo a sua nau solta, em férias.
  A desejou por uma noite, não mais que isso. Mas provava do mesmo mel por todos os dias, até ver-se confuso, indeciso, já não a querendo por um tempo apenas, antes, por todo o tempo. Mas ela o confundia e o atraía em emoções simultâneas, era libertina, devassa, o comia como nenhuma outra o fizera, e assustava, machucava pela exuberância de seu domínio, o fazia melhor no maior dos gozos, fascinante  fêmea ardente, na figura cândida de uma menina queimada de sol. Ele a tinha no gozo pago de uma profissional do sexo.
Preso nas teias da aranha, envolvido nos laços braços de sua volúpia insaciável. Via-se virado ao avesso, nos conceitos e valores pequeno-burgueses de sua moral abalada. Ela era muito ousada para seu universo restrito, um risco para suas convicções ameaçadas. A desejava e a temia, como um dependente diante do ópio a levá-lo ao nirvana dos prazeres,  jogando-o no precipício. Tentava evitá-la e a queria como um náufrago em busca de um porto seguro.  Já não tinha tanta certeza de suas certezas, arrasava-se, dependia da presença dela, do calor do seu corpo e do coito acolhedor. Mais que corpos em desejos, o encontro de almas, em mundos diversos, intransponíveis.
Praia com palmeiras  Fugir parecia ser a melhor das soluções, a ausência, por dolorida que fosse, acalmaria os ímpetos, martirizava-se sem paz, querendo e não querendo afastar-se para longe. Quando a razão dominava, fazia as malas, resoluto, dono de si... mas, se as lembranças reacendiam, a emoção tomava conta, e tudo era em vão, estava no pior dos infernos íntimos, em luta muda, surda, em duelo intenso consigo mesmo.
Não queria ceder ao óbvio, a amava, como nunca sentira antes por nada e nenhuma outra.
E lutava contra esse sentimento a atraí-lo e repudiá-lo no mesmo instante, como dois eus em conflitos.  O eu convencido de seus limites, censurava; e o outro eu, libertário e audaz. E quedava-se, em angústias, transformando o período de lazer em tormentos pessoais. Aquilo o conduzia a uma arena, em que se situava  como réu e juiz , com tudo que aprendera de certo e errado em xeque. Aturdido e combalido diante ao repertório de conceitos, alicerce e o esteio de seu comportamento, parâmetros de sua vida transformado em terreno movediço e incerto.
Seu mundo desmoronava , como um castelo de areias, e o que solidificava  suas convicções perdiam suas raízes e certezas, revia-se em outros patamares de análises de si mesmo. Não mais se reconhecia no que acreditava, era um outro em briga consigo mesmo...
 O carro se distanciava da cidadela, ganhando a estrada. Consciência dividida, opressa,  levava um jovem envelhecido em suas dúvidas, amadurecido em juventude, no primeiro dos inúmeros  embates e dilemas nos quais a vida haveria de pô-lo em provas...

 * Selecionado para figurar na Antologia de Contos da Meia Noite, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, lançamento Março, 2011  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.
 
*( PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e artigos literários- SÃO LUIZ / MA. (5milhões de acessos), Ilustrações MEL ALECRIM, poetisa e contista.