MORTA SEREI ÀRVORE SEREI TRONCO SEREI FRONDE. NÃO MORRE AQUELE QUE DEIXOU NA TERRA A MELODIA DE SEU CÃNTICO NA MÚSICA DE SEUS VERSOS. Cora Coralina, poetisa (1869-1985)
sexta-feira, 23 de maio de 2008
LEMBRANÇAS
Doce tempo amargo
ontem dores e fel
hoje saudades
Lembranças dulcificam
contemporizam, amenizam
na ânsia da felicidade, ilude.
Álbum de velhas fotos
amarelado, esquecido,
guardado em algum canto
Quimeras de um passado
nostálgico e melhor
fátuo alento da memória
Desencontros e pesares
no hoje
saudosas ilusões no amanhã...
quinta-feira, 22 de maio de 2008
AMIGOS...
Alguns goles
de cerveja e cachaça
nos acenderam tantas vezes
As mentes opressas
ávidas de luz e vida
destoavam nossas gargantas
A sede que nenhum copo sacia
traía na lucidez da boemia
o ardor libertário de todos nós
Então éramos fortes
rebeldes e revolucionários
audazes críticos da velha ordem
Em trôpegos passos felizes
retornávamos embriagados
à rotina envelhecida de outro dia...
(coletânea Afubesp poesias 1985)
quarta-feira, 21 de maio de 2008
DE QUE VALE ?
Se a fome do mundo
é maior
que a dor do que falta
no estômago ?
Se a ânsia pela vida
é reprimida
pelo medo de viver ?
Se os fantasmas assombram
espectros na luz do dia
refletindo nossos temores ?
Se a incerteza
trava decisões
e nos inculpam as ações ?
Se a vontade de correr
tropeça nos próprios passos
e nos joga rente ao chão ?
Se a imagem refletida
é nossa figura distorcida
renegada por nós ?
De que vale ?
QUEM DERA !
Queria dizer
em sons
a beleza da lua, o vigor do sol
a cantilena matinal dos pássaros
as gotas grossas da chuva de verão
o ladrar do cão vadio à distância...
Na canção garimpada
na viola, violino ou atabaque
entoar sensações, sentimentos
Preenchendo de luz espaços
no canto inspirado
urdido, criado, sentido...
Como a guache sobre tela
na sensibilidade do pintor
colorir a vida...
quem dera !
segunda-feira, 19 de maio de 2008
PRENÚNCIO DE CHUVAS...
temporal prenunciado
os varais tresloucados
vestes presas agitadas
urgência corre-corre
levanta pó no quintal
galinhas nos poleiros
céu encoberto cinza dia
chuva forte anunciada
mães lavadeiras afoitas
roupas ameaçando vôos
no empuxo da ventania
no pó em redemoinhos
as janelas fechadas rápidas
portas rangidas ameaçadas
assovios do minuano feroz
na agitação tudo festa
raios ervas queimadas
Santa Bárbara invocada
a água beijava o chão
ressequido rescendia
cheiro terra molhada
em bátegas chuva impiedosa
enxarcando o terreno lamas
furiosa nas paredes da casa
o lar acolhedor barricada
contra a força do sinistro
conforto e aconchego
fora as árvores vergavam
pela pressão da ventania
finda tarde noite abreviada
ninguém colocava o pé fora
quem ousaria ?
todos liberados da escola
no novo amanhecer
céu azul terra úmida
sol aquecendo e secando
hora de buscar as pipas
estilingues e bolas de gude
a brincadeira recomeçava...
sexta-feira, 2 de maio de 2008
ELEGIA AO DEFUNTO ANÕNIMO
bicho acuado
riso profundo
vago no olhar
história vulgar
(como a minha e a sua...)
ferida feia
monte inerte
contratempo
redenção de ébrio
O piche negro
Face a face
beijo no asfalto
fim de madrugada
peito desfraldado
imberbe cabelos
alourados sujos
filetes rubros
fita de cinema
crônica policial
sonho estranho
Das atenções alvo
Comentado
Percebido
amado...
O cuidado do transeunte
O jornal inteiro, aberto
tão reverenciado !
Se soubesse
sonhasse viver
Desejaria ...
Da vida poeta amante
esquecendo o insosso
mero mais um, que era...
( Coletânea Poetas da PUC 1980)
A PRÓ INSTITUIÇÃO *
Ensaie um sorriso feliz
na expressão marcada
Não me fale em problemas
michê barato e vida safada
Sou o seu freguês, não confidente
do pai operário ou da mãe doente
Seu corpo exposto
deleite de todos
Seus olhos pueris
na cara de santa
A mim você diverte
roda-viva marionete
manche a roupa clara
com seu batom vulgar
Não importa o seu paladar
sirva-se da minha bebida
Depois venha, submissa,
domar a besta reprimida...
(poetas da Puc ( 1981) coletânea em homenagem a Franz Kafka)