sexta-feira, 23 de maio de 2008

LEMBRANÇAS


Doce tempo amargo
ontem dores e fel
hoje saudades

Lembranças dulcificam
contemporizam, amenizam
na ânsia da felicidade, ilude.

Álbum de velhas fotos
amarelado, esquecido,
guardado em algum canto

Quimeras de um passado
nostálgico e melhor
fátuo alento da memória

Desencontros e pesares
no hoje
saudosas ilusões no amanhã...

quinta-feira, 22 de maio de 2008

AMIGOS...


Alguns goles
de cerveja e cachaça
nos acenderam tantas vezes

As mentes opressas
ávidas de luz e vida
destoavam nossas gargantas

A sede que nenhum copo sacia
traía na lucidez da boemia
o ardor libertário de todos nós

Então éramos fortes
rebeldes e revolucionários
audazes críticos da velha ordem

Em trôpegos passos felizes
retornávamos embriagados
à rotina envelhecida de outro dia...


(coletânea Afubesp poesias 1985)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

DE QUE VALE ?


Se a fome do mundo
é maior
que a dor do que falta
no estômago ?

Se a ânsia pela vida
é reprimida
pelo medo de viver ?

Se os fantasmas assombram
espectros na luz do dia
refletindo nossos temores ?

Se a incerteza
trava decisões
e nos inculpam as ações ?

Se a vontade de correr
tropeça nos próprios passos
e nos joga rente ao chão ?

Se a imagem refletida
é nossa figura distorcida
renegada por nós ?

De que vale ?

QUEM DERA !


Queria dizer
em sons
a beleza da lua, o vigor do sol

a cantilena matinal dos pássaros
as gotas grossas da chuva de verão
o ladrar do cão vadio à distância...

Na canção garimpada
na viola, violino ou atabaque
entoar sensações, sentimentos

Preenchendo de luz espaços
no canto inspirado
urdido, criado, sentido...

Como a guache sobre tela
na sensibilidade do pintor
colorir a vida...

quem dera !

segunda-feira, 19 de maio de 2008

PRENÚNCIO DE CHUVAS...


temporal prenunciado
os varais tresloucados
vestes presas agitadas

urgência corre-corre
levanta pó no quintal
galinhas nos poleiros

céu encoberto cinza dia
chuva forte anunciada
mães lavadeiras afoitas


roupas ameaçando vôos
no empuxo da ventania
no pó em redemoinhos

as janelas fechadas rápidas
portas rangidas ameaçadas
assovios do minuano feroz

na agitação tudo festa
raios ervas queimadas

Santa Bárbara invocada

a água beijava o chão
ressequido rescendia
cheiro terra molhada

em bátegas chuva impiedosa
enxarcando o terreno lamas
furiosa nas paredes da casa

o lar acolhedor barricada
contra a força do sinistro
conforto e aconchego

fora as árvores vergavam
pela pressão da ventania
finda tarde noite abreviada


ninguém colocava o pé fora
quem ousaria ?
todos liberados da escola

no novo amanhecer
céu azul terra úmida
sol aquecendo e secando

hora de buscar as pipas
estilingues e bolas de gude
a brincadeira recomeçava...








sexta-feira, 2 de maio de 2008

ELEGIA AO DEFUNTO ANÕNIMO


bicho acuado
riso profundo
vago no olhar
história vulgar
(como a minha e a sua...)

ferida feia
monte inerte
contratempo
redenção de ébrio

O piche negro
Face a face
beijo no asfalto
fim de madrugada

peito desfraldado
imberbe cabelos
alourados sujos
filetes rubros

fita de cinema
crônica policial
sonho estranho

Das atenções alvo
Comentado
Percebido
amado...

O cuidado do transeunte
O jornal inteiro, aberto
tão reverenciado !

Se soubesse
sonhasse viver
Desejaria ...

Da vida poeta amante
esquecendo o insosso
mero mais um, que era...



( Coletânea Poetas da PUC 1980)

A PRÓ INSTITUIÇÃO *


Ensaie um sorriso feliz
na expressão marcada

Não me fale em problemas
michê barato e vida safada

Sou o seu freguês, não confidente
do pai operário ou da mãe doente

Seu corpo exposto
deleite de todos

Seus olhos pueris
na cara de santa

A mim você diverte
roda-viva marionete

manche a roupa clara
com seu batom vulgar

Não importa o seu paladar
sirva-se da minha bebida

Depois venha, submissa,
domar a besta reprimida...


(poetas da Puc ( 1981) coletânea em homenagem a Franz Kafka)