MORTA SEREI ÀRVORE SEREI TRONCO SEREI FRONDE. NÃO MORRE AQUELE QUE DEIXOU NA TERRA A MELODIA DE SEU CÃNTICO NA MÚSICA DE SEUS VERSOS. Cora Coralina, poetisa (1869-1985)
domingo, 20 de julho de 2008
MINHA AVÓ CATARINA *
Vendo-a depauperada
vago alento no olhar
aos 94 anos cessava
extenuavam as fibras
aquele espírito audaz
débil corpo expirava
impotente assistia
últimos momentos
frente ao inevitável
se pudesse impedia
mas como retê-la
de vôos mais altos ?
assinalava o tempo
inexorável e fatídico
suga energias e vida
nas noites na fazenda
junto a mim protegia
tinha medo do escuro
senti-me distante isolado
amiga tantas lembranças
partia assim a companhia
gratas memórias vividas
sabores mangas colhidas
coração de boi e espadas
quando saíamos escolhia
charrete, trem, jardineira
o desejo meu uma ordem
cúmplice de meu primeiro gole
o martini tão doce e inebriante
sua bebida favorita partilhava
vitrines guloseimas
na bolsa surpresas
mimos e atenções
das revistinhas em quadrinhos
lidas relidas lentidão no relógio
salão de cabeleleiros e torturas
No ar aromas de tinturas
bobies, grampos e laquês
esmaltes odor de bananas
sempre jovial a Catarina
até um codinome adotou
como Nelly foi conhecida
Precoce para os estudos
alteraram documentos
a data do nascimento
pioneira em seu tempo
três alunas na turma
bacharel em farmácia
também foi professora
atuou em laboratórios
ativa a vida mantinha
vaidosa, elegante esguia
a tez do rosto maquiada
unhas pintadas e batom
inerte velada na despedida
rubro nos lábios cerrados
maçãs das faces retocadas
Foi-se a Nelly, a Catarina
com ela um pouco de mim
cicerone em tantas alegrias...
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PUBLICADO NO RECANTO DAS LETRAS, EM 19/09/08
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