MORTA SEREI ÀRVORE SEREI TRONCO SEREI FRONDE. NÃO MORRE AQUELE QUE DEIXOU NA TERRA A MELODIA DE SEU CÃNTICO NA MÚSICA DE SEUS VERSOS. Cora Coralina, poetisa (1869-1985)
terça-feira, 15 de julho de 2008
A DAMA E O VAGABUNDO *
no meio da tarde relapso
o mendigo alheio à vida
esparrama-se no banco
logo advém o sono
fraco o estômago
refúgio de faminto
abstém-se do derredor
afundado em si mesmo
acorda em sobressaltos
dois meninos brigam
esmolas em disputas
rápido sai o doador
ao retornar à apatia
observa desatento
o povo frente à loja
ao que tudo indica
aguardam ofertas
em meio à tudo vê
alguém gestos delicados
lhe endereça meigo olhar
incomoda-se o miserável
reluta no seu íntimo
arrisca furtiva visão
lá estava insistente
puxa a gola do paletó surrado
fuga da tão incômoda atenção
envergonhou-se de si mesmo
mostraria suas andrajosas vestes
as faces intumescidas pelo álcool
sapatos mastigados vida errante
haveria de repudiá-lo com terror
causa de náuseas e o esqueceria
mas ainda assim tanta afeição...
novas tentativas mesmo quadro
o fita enternecida a esguia moça
loura e bela de maneiras gentis
absorto ao ritmo da paulicéia
um homem ama desesperado
ganha coragem a olha detido
o fascínio do infeliz desconhece o tempo
nos olhos o brilho intenso sede de viver
a musa permanece inalterável amável
o dia se finda célere consumindo as horas
movimento de ruas se escoa cidade erma
coletivos lotados sentido centro/bairros
extasiado expressão desperta sorriso inédito
brota a luz no semblante cético e endurecido
audaz liberto entoa uma canção em alto tom
rouca voz enchendo as ruas adjacentes
atenção para retardatários transeuntes
ressurgido da letargia do sono fome
aproximando dela decidido e sem pudores
retendo na memória a figura amada e bela
nos olhos incendiados de amor e ternura
despede-se resignado passos largos
na pressa de quem sabe o que queria
um vendedor desmonta a manequim ...
( originalmente publicado como crônica no jornal literário " O Mosaíco", PUC/SP, 1985)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Publicado no Recanto das Letras, em 26/08/08 (formato crônica)
Comentários
26/08/2008 01h20 - João Cyrino:
Amei demais o texto!
Não consigo nem sintetizar em palavras o quanto gostei!Maravilhoso!
Você prende o leitor,sua narrativa nos envolve...A mensagem do txto é maravilhosa...Como demorei para te encontrar no Recanto...Meus parabéns!ADOREI!
Postar um comentário