segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

B A L A N Ç O


 



continue conosco
momentos bons
emoções sinceras

o mais esqueçamos
tudo perece,estraga
não nos estraguemos

sentimentos contraditórios
- quem não os têm ? -
descartemo-los nas lixeiras

o que não faz bem
faz mal, empaca
lembranças de mágoas

ao nosso íntimo
bem além da embalagem
vale o que se sente fundo

não mudaremos
o mal feito
já não dá jeito

mudemos nós
repaginando
alterando conceitos

fiquemos mais leves
ergamos os ombros
deixemo-nos viver

tudo passa
é efêmero
inclusive esta passagem

abra mão do orgulho
soterre-o profundo
alivie-se, voe, sorria

o mais e tudo o mais
são algemas, correntes,
externas indumentárias

sofrimentos...'


*PUBLICADO NO SITE/BLOG SBT WORLD (
www.sbtworld.com.br)
*PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO- POESIAS,CONTOS, CRÔNICAS, ARTS LITERÁRIOS -SÃO LUIZ/MA. ILUSTRAÇÕES DE MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O ONTEM NO HOJE

O olhar no retrovisor é necessário
Lágrimas de ontem hoje entendidas
Incompreensões minimizadas

O hoje sem o passado não existe
Reflexos dos passos já alcançados
Ecos que nos chegam em reflexões

Trajetórias em aprendizados
Degraus de acessos
Tempos vivenciados...

terça-feira, 25 de dezembro de 2012


Selecionado para figurar em livro na antologia Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros,
Editora CBJE, Riode Janeiro-RJ, edição Janeiro de 2013. Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

Forrobodó

Cidade pequena, onde o tempo anda mais devagar, até o ar parece lento, as lembranças permanecem e se perpetuam como lendas, contadas de pai para filho. Ninguém afiançaria com certeza os limites da ficção e da realidade, e na narrativa, ao alvitre de cada qual, acrescenta-se um ponto. Fato é que parece, dada a vivacidade dos contadores, que todos a presenciaram, embora não assumidamente, afinal foi um escândalo, onde a pormenorização dos detalhes mantém vivo o acontecido, como notícia fresca nos jornais. Parece que não há, entre os moradores, sejam idosos ou  jovens, quem desconheça o acontecido. Basta uma sugestão no ar para alguém se aventurar a narrar, os olhos iluminados de prazer estimulando a imaginação. O gosto pela “fofoca” assiste a homens e mulheres, indistintamente. No decorrer dos tempos as personagens que ilustraram o sucedido parecem ter virado entes fictícios, talvez, em alguns casos, por serem pessoas reais, de carne e osso, ou envolvendo descendentes, como se tratam de fatos desairosos à moral e aos bons costumes, aparecem como generalizações sem citar nomes, como num respeitoso pacto de silêncio. A esbórnia deu-se entre gente graduada, filhos de ricos comerciantes, fazendeiros de café e de algodão, com poderes na política local, patrões da raia miúda, onde se disseminam os boatos, porém todos cautelosos para não se exporem. Com o passar dos anos, mantida a cautela, e ocultando-se preventivamente a nominação dos participantes, parecia anedota pública, sem maiores implicações. O exemplo do padre Antero era bem a medida das conseqüências na memória dos incautos, e a assustar aos linguarudos. A paróquia da cidade estava sob a responsabilidade dele, conhecido como destemido, ousado defensor dos preceitos religiosos, e sem papas na língua. Exprobrou indignado em comentários acusatórios do púlpito em missa dominical, parecendo juiz no dia do juízo final. Em reprimenda foi remanejado para um distrito distante, militando sua fé em uma pequena capela, aposentando-se no ostracismo. Para tanto bastou um pedido de alguma "autoridade" ao prelado superior, coisas da política.
Há tempos existiu, nos arredores de uma cidade próxima, como uma área delimitada e independente, um conjunto de casas, uma espécie dos chamados bordéis, também conhecidos como casas de tolerância para os mais antigos, com amplo salão de festa e moradias das personagens femininas  que animavam aquelas noites mundanas e proibidas. Contudo, apesar das recomendações dos moralistas, as sessões eram concorridas e freqüentadas pela população masculina, em buscas de inconfessáveis entretenimentos. Não raro pipocavam alardes de que fulano ou sicrano, anestesiados pelo álcool, foram procurados por suas dignas esposas a recambiá-los aos seus lares, a coisa corria à boca miúda, modo hipócrita e usual de se enlamear a honra alheia.
Tudo teria início na proposta temerária ( e por isso mesmo aceita) de um casal em reunir todos os amigos em uma comemoração, momento em que anunciariam, extra oficialmente, o noivado, e os convidados ficariam à vontade, ambientada a recepção no salão de festas daquele local, inescrutável e tão comentado, e que fomentava a inquietação e curiosidades, principalmente das filhas de família que jamais freqüentaram aquela “zona” proibida. Seria um desafio a todos eles, a possibilidade de quebrarem a barreira dos preconceitos, adrenalina própria daquele grupo entusiasmado e leviano, à cata de aventuras. O par dos anfitriões desafiantes manifestavam o desejo de transgredir as normas da pacata cidade, demonstrando arroubos modernos, contra a caretice reinante, novos conceitos adquiridos na metrópole onde estudavam. Tratavam-se de estudantes de berços abastados, em período de férias escolares, oriundos  de grandes centros, afoitos de contarem as novidades, e entediados com a monotonia que os esperavam naquele período de visitas aos parentes. Cerca de 50 casais teriam aceito o convite. Aprontariam a desbundada geral sem terem testemunhas, jamais pessoas das famílias e do povaréu deveriam tomar ciência da mirabolante façanha. O baile seria à fantasia, todos mascarados. Os casais, apesar de moderninhos, pretendiam se consorciar futuramente nas pompas e na tradição de casamentos religiosos com direitos à pureza do branco e as flores de laranjeiras adornando os cabelos femininos e os buquês floridos.

(Bordel, Cayibé)

Ultimadas as providências, acertados os detalhes financeiros com a empresária cafetina, contrataram as prostitutas, apimentando o evento e mantendo o clima de sensualidade do prostíbulo, desde que também elas estivessem sob máscaras. Tinham a ilusão de que conseguiriam manter tudo sob o mais absoluto sigilo.
Iniciada a farra, no levantar dos copos, animados na festividade de sonoras e provocantes canções, não tardou para todos se misturarem, na alacridade dos efeitos alcoólicos e na permissão dos anseios libertos das conveniências sociais. Todos pareciam ser de todos, livres, leves, soltos. Buscavam os quartos contíguos, como lebres soltas entre diversas entradas, comuns nos parques de diversões infantis. Era um entra e sai, onde a malícia e os devaneios dos narradores inoculam os mais sutis venenos. Segundo as viperinas línguas, em altas horas, ninguém era de ninguém, arlequins com colombinas, arlequins com pierrôs, colombinas com odaliscas, além da orgia coletiva da troca de casais e surubas. Teriam afirmado, com convicção, embora não se saiba de onde vinha tanta certeza, de que as meretrizes espantaram-se com as castas visitantes, tal as demonstrações de lascívias e sensualidades, em sexos explícitos e escancarados. A noitada ia avançada, todo o fervor da pujança juvenil alimentando os ânimos dos convivas, inebriados na festança libertina.

(O bar do bordel, Tereza Costa Rêgo)

De tanto entra e sai de cada quarto, muitos encontravam-se semi despidos, de cuecas e calcinhas, dorsos nus e seios expostos, em gargalhadas de puros deleites, crianças crescidas, anarquizadas aprontando bagunças, longe dos olhos severos de qualquer limite moral.
Ocorre que naquele tempo a luz elétrica era precária, dependia de gerador de energia, e justo naquele momento, já altas horas, deu-se o inusitado de um curto circuito. Na penumbra os presentes, alegres e despreocupados, sem darem pelo princípio de incêndio em uma das cortinas, enfumaçando, aos poucos, e tornando irrespirável o ambiente. Atoleimados pelas dosagens, corriam por todos os lados, tropeçando uns nos outros, buscando saídas, mesmo no estado de nudez apresentados.
Alaridos confusos, surtidos ao léu, pânicos difusos, alcoolizados penitentes, batendo-se à esmo, em zorras e arruaças. No pânico disseminado, sem controles sobre si mesmos, esqueceram de qualquer prudência, sem disfarces, sem  a discrição das fantasias, de cara limpa e corpos nus. Atropelados pelo imprevisto, sacudidos pelo instinto de sobrevivência no cada um por si do baile dos afogados, dispersavam-se  aturdidos. Exalando hálitos saturados, olhos esbugalhados como a não entender o que acontecia, donzelas recatadas expondo suas partes íntimas, aos berros e lágrimas, confundidas ainda com esgares confusos, lembrando risadas histéricas e nervosas. Deixavam todo o pudor para salvarem-se das avantajadas chamas a lamber o salão, em grande fogueira. Desmaios e vertigens, pálidos rostos, flagradas as virgens, atônitas, surpreendidas, em pelos denunciadas. Roupas extraviadas, cuecas, calcinhas e sutiãs no fogaréu, em fugas indistintas, clamando aos céus em afoitas debandadas.
Impossível manter o incêndio como secreto, as labaredas avolumavam e ameaçavam as casas das “damas” ao derredor, atraindo pequena multidão solidária a prestar socorro, diante da inexistência de um corpo de bombeiro em pequenas localidades. Inadvertidos com a tragédia, roupas esquecidas, pareciam um grupo atônito, sem terem uma real consciência de seus atos tresloucados. Gargalhadas gerais do povo, o bordel em escarcéu. Pilhados nos jornais das redondezas, a notícia em outras versões, fotos resgatadas das redações,  regiamente remunerados editores e fotógrafos.
A moral da  elite seria preservada do escândalo, sem registros e fotografias.
Das línguas das gentalhas, todavia, não escapavam, contadas e reinventadas a cada 
momento...

 (Descanso dos pescadores, Di 
Cavalcanti)

*Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Poesias, Contos, Crônicas e Artigos Literários - São Luiz-MA ( + de 7 milhões de acessos na internet). Ilustrações da poetisa e contista MEL ALECRIM.
 selecionado na Antologia Panorama Literário Brasileiro, dentre os melhores contos publicados pela CBJE em 2013.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012






Reminiscências natalinas


Gif Árvore de Natal

Na  sala de espera do consultório, uma árvore de natal encantadora, adornada com lâmpadas multicoloridas , sincronizadas, piscando qual pirilampos nas noites de minha infância, musicada com suaves cantigas de roda...
“Olha o pinheiro, coloque ali naquele canto, crianças, vamos enfeitá-lo" - gritos distantes de minha mãe em minhas saudades, menino irriquieto, maravilhado naquelas fantasias.


Trocava cartões de lindas e ternas figuras , imagens do bom velhinho, rechonchudo na roupa vermelha, cercado por suas renas no trenó repleto de pacotes coloridos. Primeiras palavras escritas pelo amor criança, puro, curioso, imaginativo para sua musa. 
 As lojas da pequena cidade se travestiam em decorações natalinas, com seus sons e enfeites, criando um cenário inesquecível.

 Mês encantado, adornado em alegorias, musical, sublime, quase todo em festa, embora no clima tropical não houvesse neve, logo os galhos apresentavam a representação no alvo algodão. Embaixo do pinheiro, um improvisado presépio, Maria, José e o Bebê amado cercado por animais e os três reis magos. No cimo, o ponteio, uma estrela, leves coloridas bolas orquestravam o cenário inesquecível. Tempo que rescendia aromas no ar, festividades no comércio, alegrias e emoções. Em frente às casas, motivos natalinos, em cores e músicas, luzinhas pisca-pisca. Até mesmo existia a cortesia de um “feliz natal” nas saudações.


Como uma canção a entoar:

eflúvios
natalinos
acendem   
               alentos
               encantos
               magias
árvores
enfeites
deleites 
             presentes
             alegrias
             fantasias
mundo
irmão
civilizado 
            igualdade
            fraternidade
            amor
 reluz
penitentes
regenerados
              abençoados
              felizes
              anistiados ...

E nós, meninos e meninas, com nossas canecas de espumas aprontávamos nossas artes, em versos que tentei recobrar com os anos:
                   atentos aos olhos meninos
                   no ar espalhavam as bolhas
                   encantos em diáfanas cores


 dezenas e centenas por vez                                        
 risonhas atração de pedestres                  
 enxames multicores à luz do sol


                bolinhas soltas em zigues zagues
                mentes em rodopios distantes
                viagens em mágicas vertigens


pequenos canudos
borbulhas de sabão
risadas brincadeiras 


                 ranzinzas apressados
                 maldiziam dos garotos
                 queixando-se irritados


mas quem parava e sorria
embalava-se nas fantasias
adultos crianças e alegrias...



Interrompido em meus devaneios, aparentando sonolência, quando fui avisado, gentilmente, pela secretária que a minha vez de ser atendido havia chegado.


   
* Selecionado para figurar na coletânea "Os mais belos textos de Natal", editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, edição dezembro 2010. Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Crônicas, Contos, Poesias e Artigos Literários - São Luiz/MA ( + de 7 milhões de acessos na internet) Ilustrações Mel Alecrim, poetisa e contista.





PÁGINA VIRADA


Ao fechar a porta sabia que era apenas uma via, a saída. Ainda os olhos correram pelo ambiente, mudo, buscando lembranças, despedindo-se com o olhar. Imagens rápidas, desenrodilhando extenso filme, em segundos...

Fizeram daquele pequeno espaço um ninho aconchegante, como dois pássaros felizes, naquele recinto recriaram um universo só deles. Restava uma folha em recado incisivo, lacônico, sinalizando o  rompimento, acertado entre eles, como melhor a ambos. Letras pequenas, palavras sincopadas, quase um frio e protocolar recibo de entrega das chaves.

No quarto ainda rescendia, na imaginação, os suores dos corpos entregues e desnudos, após os inúmeros momentos em que se buscaram, nas ânsias dos deleites de pessoas que se querem, se desejam. Naquele silêncio de despedida apenas um recordar rápido, traindo nas saudades o que a realidade cuidou de sufocar.

Como poderia conter, na escassez  de poucas linhas, o que representaram um para o outro ? Como apreender em códigos verbais, o que transcendeu em sentimentos, grafados em palavras, desprovidas de emoções ?

Não sabia precisar em que ponto se perderam, na rotina a morte, o desamor? Em qual esquina da existência o amor feneceu, e se esqueceram como amantes, sendo indiferentes moradores do mesmo teto?  Sem lágrimas ou rancores, laços desfeitos, esgarçados na poeira da convivência, onde avultam as diferenças. Na verdade não saberiam  justificar o distanciamento, de lado a lado, como se renunciassem da relação, desistindo sem lutas. Como tanto vivenciado poderia ser reduzido a quase um bilhete ?

Como haveriam de se ver, em encontros casuais, apenas amigos com uma história de vida em comum, com beijos nas faces? Personagens de um filme vivido a dois, sem reprises, apenas, ao acaso, vagas recordações.

Logo aquele papel seria uma folha amarrotada, descartada do diário de duas vidas, envelhecida,  ofuscada, negligenciada, talvez abandonada num cesto de lixo, descartada, ou em alguma gaveta esquecida. Talvez, por acaso, algum dia, ressurgisse despertando lembranças do que foram. Ai, então, nas letras, nas frases incisivas, trariam,  atuais, intensas e vivas recordações. Lembranças caras, alegrias vividas, marcantes momentos, sentimentos. Contudo, já separados na fronteira do tempo, em  névoas esmaecidas.

Talvez tudo fizesse sentido naquele adeus transcrito, sucinta mensagem, versos cifrados, calando fundo, emoções renascidas em momentos, redemoinhos no sentir, sensações. O presente se distanciando, tornando-se passado, debalde as impressões negando-se ao esquecimento, querendo perpetuar-se, não se perdendo no transcorrer dos tempos, onde tudo vira nada, detalhes.

Se o ideal das palavras conseguisse superar o real dos dias, em redemoinhos no sentir, as sensações do presente permaneceriam, cristalizando o encanto, espantando as adversidades. Pois as escritas enfeitam a vida, infelizmente não mudam o curso das coisas. Como a areia da ampulheta, marcando épocas, não sendo instantes imprecisos, difusos, transitórios, mas a realidade inexorável,  contradizendo devaneios, reclamando providências.

Há outros caminhos a percorrer, cada qual no seu destino.
Separavam  bem mais que a bagagem física. Relembrariam para sempre aqueles instantes, despertados por qualquer razão. Viriam em uma música,  no aroma de um perfume, em uma fotografia, num sorriso desperto em outras faces. Onde tudo se mistura, num mosaico de emoções. Estariam presentes, mesmo na distância. Não se vive impunemente uma paixão. Ela voltaria em noites cálidas, manhãs  ou em tardes ensolaradas, ao avistar as ondas do mar, ou chuvas intensas, ressurgiriam do nada, do acaso, rememorados num misto de coisas, reviradas nos baús da existência, seria o ontem no hoje revivido. Apenas isso, reminiscências.

Há estigmas que marcam a alma, cicatrizes não perceptíveis no físico, indeléveis sinais pessoais, sombra nos olhos, tristeza nas expressões, arquivos íntimos, inescrutáveis a terceiros. Marcas que identificam a dor, suavizada no tempo, retemperada nas experiências da jornada.

Com a capacidade humana de se regenerar, como tecido ferido cicatrizado, reagiriam às intempéries. Restariam lembranças mas ressurgiriam em novas tentativas, tudo ficando como acréscimos de entendimentos, aprendizados. Mais aptos aos espinhos e tropeços,  tolerantes consigo mesmos e com os outros, vivendo novos amores, amadurecidos.

Dor hoje sufoca, amaina amanhã, esquece depois, no transcorrer dos dias, nas azáfamas das rotinas. Tudo passa. Como as águas correntes, levando seixos e pedras, a correnteza leva. O que resta, no fundo, o tempo desgasta, tudo passa.

Resignado, queria que continuasse consigo os momentos bons, as emoções sinceras. O mais esquecessem, os motivos da ruptura silenciosa, afinal tudo perece, estraga, convém que eles, na somatória das vivências, não se contaminassem, não estragassem o passado bom. Sentimentos contraditórios, quem não os têm? Que os superassem descartando nas lixeiras, afinal, o que não faz bem, faz mal, empaca, espinhos de mágoas. No íntimo, bem além das circunstâncias menos felizes, vale o que sentiram um pelo outro. O mal feito não se muda,não dá jeito. Que mudassem ambos, repaginando, alterando conceitos. Crescimento é permuta, tolerância, cumplicidade. Sentia-se leve naquelas considerações em solilóquios na visita última às quatro paredes que habitara.

 Nada que o transcorrer da vida, em constante movimento, não sepulte eventuais dores, ficando, apenas, as boas lições daquele amor acabado, uma página virada para ambos.

* Selecionado para figurar na Antologia de Contos: E O MUNDO NÃO ACABOU, editora CBJE/Rio de Janeiro/RJ, lançamento 20 de fevereiro de 2013. Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.


domingo, 9 de dezembro de 2012


DOMINGO, 9 DE DEZEMBRO DE 2012



 Ediloy Ferraro
São Paulo / SP


Paixões clandestinas



Estar em outros braços , em busca de um prazer já não experimentado, a atordoava. Não refutava, todavia, os carinhos recebidos, isso não.

Casada e mãe, aquilo fugia a todos os seus princípios morais e religiosos. A construção daquele flerte foi se consumando nos dias, em olhares, a princípio inocentes, depois cada vez mais ousados. Chegar até ali não havia sido nada fácil, mas conviver com aquela situação haveria de ser ainda mais difícil...
Ele também não se sentia totalmente à vontade, dividia-se naquele momento de aparente gozo, com sentimentos de culpa. Não era um conquistador, nem dado a leviandades, apenas as coisas foram acontecendo, adquirindo proporções não controladas. Talvez fosse uma fuga, ou uma busca por emoções amortecidas, o jogo sensual da conquista, o sentir-se notado e amado, quando tudo parecia ter se soterrado na relação conjugal. Não tinha dúvidas do amor que nutria pela cônjuge, isso não estava em questão. Vivia aqueles dias como um menino empolgado, necessitado de carícias e de erguer, recuperar, a auto estima. Mostrar-se capaz de ser desejado com a mesma intensidade de antes, quando namorava a esposa, nos ímpetos sôfregos de paixão incontestável... O que havia ocorrido com eles, viraram irmãos coabitando o mesmo teto, impermeáveis aos desejos ?, Atenuantes aos pensamentos culpados, vencido pelo êxtase provocado pelo frenesi do novo, do inusitado romance.

Ela resolvera ceder aos próprios instintos, inconfessáveis segredos íntimos, necessidade de mostrar-se apta a ser querida por um homem, desejada como antes fora pelo marido, hoje indiferente. sempre preocupado com as obrigações, menos com eles mesmos. Sim, ainda o amava, e muito. Contradições por estar ali, na cama com um colega de serviço, também casado ? As coisas aparentemente sem nexo, contraditórias, voltavam a martelar. Amor seria sinônimo de lealdade, então era indigna de afirmar que amava o marido? Talvez tudo fosse apenas uma convenção. Os sentimentos estavam na convivência, na cumplicidade, nos objetivos comuns, isso não se perdera, apenas arrefecera a libido, a malícia, a sexualidade que se embotara, subjugada pelas azáfamas do cotidiano esterilizante das emoções.
O que via naquele colega, além do sabor e fascínio de ser cortejada, alimentada na sua vaidade feminina ? Era uma brincadeira perigosa, um risco que ambos, reservadamente, sabiam que corriam, porém, a adrenalina compensava o desafio. Permitiram-se àquele jogo sensual, que dera vida nova a ambos, contudo, não passaria disso, um entretenimento a dois, sem conseqüências maiores. Esta era a intenção clara, uma gostosa aventura divertida, prazerosa e inconseqüente.

Duas crianças adultas compartilhando uma experiência em comum, embora vinculados a outros corações. O calor despertado pelo sexo, sedutora sensação, com requintes de coisas secretas e proibidas, talvez, por isso mesmo, mais interessante e intensa.
Rejuvenesciam como jovens em namoro, vivendo duplas situações, nos papéis assumidos em suas vidas, a de pais responsáveis e cônjuges dedicados. Apenas vibravam nas estripulias de se arvorarem além do permitido, quebrando tabus, vencendo a si mesmo nas resistências secularmente impostas pela monogamia.

Viviam normalmente suas rotinas, não se cobrando por nada a invadir a privacidade de suas vidas domésticas, entendiam-se nos olhares os limites impostos pelas circunstâncias. Curtiam-se no sigilo de seus segredos inconfessáveis. Não se amavam, se desejavam, apenas isso, ( seria pouco ?).
Tinham a certeza da inconseqüência daqueles atos libidinosos e ousados, certos de que cessariam, passados os ímpetos momentâneos e descompromissados. Não se cansariam, somente acabariam, quando bem entendessem, sem maiores complicações.
Todo dependente acha-se capaz de controlar com segurança sua vontade, até ver-se enredado nos seus vícios e sentir-se não agente e sim paciente da dependência.

Com as furtivas escapadas, não percebidas pelos seus pares, cada vez mais amiúdes e desejadas, começaram a sentir falta um do outro, quando advinham os finais de semana, espaço em que não se viam.
Nenhum queria assumir, embora pesquisassem sutilmente, como tinha sido o descanso de cada qual, não conseguindo disfarçar a curiosidade, e até o incômodo, imaginando-se, curiosamente, traídos naquele espaço de tempo em que não se viam. Afinal, eram 48 horas de distância, onde viviam a normalidade de suas relações conjugais junto aos seus.

A ameaça à paz do relacionamento duplo os visitavam, mal continham-se.
Feriam-se no próprio veneno, afinal, embora traidores da confiança de seus pares, mostravam-se igualmente conservadores e ciumentos, incapazes de se sentirem traídos, ou de partilhar suas coisas com mais alguém.
Os ciúmes, este eterno estraga prazeres, invadia aquele par clandestino, perigando toda a tranqüilidade do casal, insinuando-se em um simples telefonema, seja do marido ou da esposa traídos. Pisavam em brasas.
Não podiam verbalizar cobranças, feria o acordo tácito, seria ridículo. Evitavam assumir um para o outro o mal estar que sentiam. Bastavam os olhares sugestivos e inquisidores, estresse menoscabando a fascinação sentida . Surgiam já as impertinências de lado a lado. A erva daninha começava a grassar no perfumado jardim do idílio secreto.

Por fim, exaustos das próprias emboscadas urdidas nas armadilhas da convivência, cansaram-se do brinquedo perigoso. Aliviados, desataram os laços, e voltaram ao seio de suas famílias, curtindo os seus bons e fiéis pares originais. 

* Texto selecionado para figurar na antologia de contos JOGO DA VIDA, editora câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de Janeiro/RJ, lançamento em 20/12/2012.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.