quinta-feira, 29 de novembro de 2012



Fruta madura

Quando as marcas
das chicotadas do tempo
forem vestígios, tatuagens

E os olhares das janelas
vislumbrarem esperanças
e as andanças não forem cansaços

As cãs dos cabelos sinais da vida
superadas batalhas, anelos de conquistas
as águas de lágrimas emoções externadas

Nenhuma âncora a amarrar ao passado
rememorado em ternuras não mágoas
escafandrista que deixou a armadura

Ascendeu de precipícios
às alturas
virou estrela no firmamento

Libertou-se dos emaranhados
labirintos prisão das ilusões
fez do riso asas da liberdade...



Selecionada para figurar em livro na antologia de poesias
À VIDA UM BRINDE EM VERSOS
Editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores,
lançamento janeiro de 2013 
 Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.



REVIDE MUDO ( conto )




Inútil relembrar o filme, exibido inúmeras vezes, o discurso surrado, os apelos de nova oportunidade, tudo em vão... Nada fizera para provar o contrário, continuava renitente nos mesmos erros, era um irresponsável.
Ele próprio não se sentia fiador de suas promessas, recalcitrante nas falhas de comportamento, um trânsfugas de seus compromissos. Sua imagem o denunciava, um corpo pesado, suado, exalando perfumes femininos e odores alcoólicos, produto de noites prolongadas nas aventuras presumíveis e inconfessáveis.
O que o martirizava, desta vez, contudo, era o silêncio dela. Impassível, distante, com desprezo ou indiferença, as malas prontas diziam tudo, resumidamente, o temível fim. Expressão cabal prescindindo argumentos.
Naquele silêncio impiedoso, a dor do remorso doía mais, estava preparado para as admoestações às quais se calaria como réu confesso a se expor aos justos e legítimos julgamentos. Nada ocorria desta vez, nenhuma reação, apenas um torturante silêncio.
Aquela atitude o atingia  muito além das reações mais intempestivas vividas tantas vezes, era uma acusação fria, silenciosa, não lhe dando chances de purgá-la, de sofrer pelos seus desatinos. Nenhuma palavra, sem verbalizações da indignação sofrida, sem lástimas ou murmúrios, encontrava-se silente, ausente, distante.
Sem pagar pelos erros, sem ouvir as reclamações esperadas, sem o choro arrependido tantas vezes derramado,  a dor remoia, não cessava, permanecia no ar, sem desculpas, arrimos ou consolações. Incólume aquele incômodo remorso, a trazê-lo a si como juiz de seus atos, miseravelmente mais severo que os braços queridos e piedosos a acolhê-lo em suas recaídas.
Estava só, em torturante solidão.  Feria mais aquela atitude indiferente, o trunfo latente da acusação, perpétua, inacabada. Preferia antes as desforras, a ira, o escândalo, o brado ausente era fel presente, não consumido. Uma reação silenciosa dela contra si, a corroê-lo sem permitir defesas ou atenuantes, apenas a indiferença mordaz.
Podemos nos calar, nos fazendo entender, na ausência presente, na mudez sentida, ecos do revide mudo, não correspondido, bumerangue da consciência, indo e vindo, sem interlocutores para respostas, apenas as próprias palavras ouvidas, inúteis. Palavras nenhumas, concisas, inteiras, descrevem, desenham,  o que o insinuado tem a dizer. Ferina resposta o silêncio, a distância.
No mesmo espaço físico daquela sala, dois seres fisicamente próximos e tão distantes, um muro os distanciando pela mudez e desprezo. Emblemático silêncio, múltiplas versões, ao sabor do contexto. Ilusões saciando anseios de ser ouvido, gritos espalhados em múltiplas direções, sem respostas. Muda confissão na omissão da defesa, afinal, defender-se como?!
Contava com as reações dela, sempre tão enérgicas, mas a encontrava mais sutil, com uma arma mais eficaz, sem mencionar palavras ou denotar nas expressões qualquer sentimento, mesmo que fosse de piedade de sua miserável situação, apenas o nada, a indiferença. Mutismo vil, sarcástico, ferindo esnobe, sem chances de articular desculpas, inverossímeis que fossem. Atos subentendidos no desprezo no faiscar dos olhos. Talvez fosse alguma coisa, conjecturava, mas não permitia a abertura para o diálogo, de tentar explicar o indefensável, nem os apelos que até então funcionavam.
 Reações inusitadas, calmas, brios sufocados ou relevadas turbulências à conta de desdéns, de quem abre mão de insistir em causa perdida. Quieta parcimônia, desapego. Respostas mudas, olhares benévolos, superiores e doloridos, certa tolerância ou compaixão.
Não esperado por ele tal comportamento, sem suscitar brigas, satisfações, em vão as alegações, apenas o nada como respostas. Aquilo doía, matava, aumentando o suplício, descendo aos abismos de sua inferioridade moral, diante alguém impassível, acima de suas ofensas e deslizes.
Enfurecia-o o distanciamento dela, a sua altaneira postura, a lembrá-lo em sua mudez todas as torpezas e vilanias de sua vida desregrada, como criança mimada, repisando sempre as mesmas falhas.  Aguardava um duelo verbal, a exteriorização de suas mágoas, não aquela pessoa acima de sua mediana compreensão. Buscava desavenças, faca na garganta, expirando suas culpas, pedindo perdão, como sempre o fizera.  Mas nada do que esperava, julgando conhecê-la, aconteceu.
Brando gesto, manifesta indulgência, vencendo nas atitudes pacíficas e não menos letais, sem revoltosos revides a alimentar tormentas, reavivar traumas e enlamear-se no charco, apenas discreta ausência, sem provocações. Delicada na compostura de tenazes mortíferas, exalando o gás letal , sufocando o desafeto, sem mover os lábios e alterar-se nas atitudes.
Abatia-o o desespero, pois aquele silêncio o ensurdecia, o acusava no seu íntimo, sem oportunidades de revides, de purgar suas culpas. Aqueles sons do nada, espalhados pelos cantos, deduzidos, presumidos, incomodando, manifestando seus tons e ruídos. Traziam lembranças de tantos desatinos, espinhos na memória, amor mal cuidado, destratado, vindos de passados recentes, revividos, relembrados. Melhor não ouvir a voz interior, mas como calá-la se reclama ajustes? Na algaravia silenciosa, perturbadora, inquieta, machucando, remexendo, reabrindo feridas mal cicatrizadas, torturas em gritos sem ecos.
Queda o corpo exaurido, cansado, incessante a mente, a mendigar consolos, uma palavra proferida por ela, viagem intensa, a martirizar sua vítima, atormentada em seu autojulgamento, inclemente. Imagens se reavivam, aumentando a sensação constrangedora de atos traiçoeiros e aviltantes,  Mesclam sensações, despertas no olfato, recriando sentidos, cenários, na esbórnia  infame. A consciência não cede a guarda, sufoca, agita, anseia por alívios e paz.
As atitudes inesperadas dela, o nocautearam, a perdia numa guerra muda, sem enfrentar nenhuma batalha, além do silêncio...
Sentia-se como um barco à deriva, no mar das ilusões e fantasias, a ter sempre um porto seguro para retornar de suas aventuras e leviandades, pior saber amá-la, perdidamente, de forma neurótica, mas a amava...
 Puída a corda da confiança, desatados os nós que enlaçam corações, débeis, frágeis, ficam os relacionamentos, enfraquecidos nas rotinas que esgarçam, saturam pelos abusos de lado a lado.
Verbalizar já não há o que, resta um gesto, espremido, sufocado, suportado, de dignidade, um aceno, um afago, um adeus...

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NOVA AURORA



Em manhãs de plúmbeo cinza
Ausente a luz, distante o calor
Rogando a paz que sensibiliza
Em orações e em louvor

E mesmo enfraquecido
Alma ferida, purulenta,
Na debilidade de um vencido
Acesa a esperança, sustenta

E faz dos reveses recomeços
Após tombos e tropeços
Tonifica a força, alimenta

Ilumina os passos dos dias
Fortalecido ânimo, alegrias
Solar claridade apascenta...


*Selecionado para figurar em livro na antologia 1º Seleta de Versos Brasileiros, edição especial 2013.Editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora

sábado, 24 de novembro de 2012

DUPLA FACE


Não importa onde esteja
Sombra de mim e eu dela
Penumbra da dúvida intrínseca
Não dá tréguas, não me deixa
Ainda que absorto em cervejas

Ao altar da minha fé convicta
Aos passos ébrios das rotinas
Dia ou noite, manhã ou tarde
De tão presente já sou ela
A dor da existência colorida
Em gizes de cera 

Dei de ombros por tanto tempo
A amarga ilusão não se satisfaz
Me coloca indolente
Temente, ausente, descrente
De sonhos e tudo o mais

Ela tem a minha fisionomia
Tolerante, indulgente, negligente
Convincente, reticente, dispersivo
Caminhando por caminhar
Eu e ela, únicos, criador e criatura...


quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Hinos & Lendas




Postados em filas indianas, camisas brancas, calças azuis marinho, perfilados, atentos aos gestos bizarros da professora de música, figura curiosa, esquálida, alta, de nariz adunco e expressões teatrais, entoava-se a canção coletiva. O sol da tarde ardia nos rostos dos alunos, cantando em uníssonas vozes desafinadas, que iam ganhando corpo, virando um coro. Rotinas de entrada, os hinos pátrios executados.
Aquela maestrina improvisada, esbelta e feia mestra, com uma varinha feito uma batuta, harmonizava a cantoria. Resignada e esforçada, tentando tirar virtuoses de vozes desencontradas, era motivo de escárnios, pilhérias e gozações. Soubesse ela os comentários silenciosos que se ouvia entre a petizada, talvez abdicasse de suas tentativas infrutíferas.





Solene, cerimoniosa a subida ao mastro, a bandeira levemente ascendia, escolhido a dedo aquele que puxaria o cordão, em postura de respeito, no vagar da canção entoada. Lábaro venerada, flanava altaneira, findo estava o breve espetáculo. O balouçar no alto, impulsionada ao vento,  imprimia uma certa veneração àquele pano retangular verde e amarelo, na faixa branca, com suas estrelas no fundo azul celeste, ostentando as palavras Ordem e Progresso.
Todos iam para as suas salas de aulas, nos estribilhos dos hinos, ainda presentes aos ouvidos, os questionamentos infantis me acompanhavam, tantas palavras, pronúncias raras, o que seria?
Pouco se entendia, acompanhava-se, o ritmo enternecia. Em versos dizia de rios caudalosos e imensas florestas, estranho aquele mundo, para um petiz interiorano. Cidade pequena, parcas lagoas e riachos singelos, como imaginar imensos mares e grandes rios ? De que mundo falavam aquelas letras, entoadas no coletivo, com tantas mesuras e considerações? 
Um povo heróico, beligerante, em grandes façanhas, cantares de guerras, tão distante do povo conhecido, simplória gente com quem convivia. Jamais teriam participado de nada ousado, além de suas rotinas pacatas e previsíveis. De que gente, afinal, tratavam ? E por que os obrigavam ao canto, embora não fosse desagradável, mas uma farra gostosa, ver a magrela com aquela vara gesticulando, imperdível! Além do cerimonial da bandeira, lindo!


Falavam em morte, caso a pátria fosse aviltada, invadida, como diferia a narrativa da placidez dos dias vivenciados, apenas valia a pena a canção que emocionava, cantada aos trancos, mal balbuciadas palavras ininteligíveis, cumprindo um ritual estranho, sem explicações. Com que fleuma se postavam os demais professores, contritos, mãos ao peito,  solenes e sóbrios, nos acompanhando naquelas execuções musicais. 
Como estórias e lendas, cantava acompanhando os demais, repetindo como a um mantra, mesmo não entendendo a letra, embalado em outros sonhos, representando, ou entendendo ao meu modo, que já não me lembro qual seria, alheado e desconfiado.  Às crianças cabiam a obediência, aos adultos  o respeito de condutores da educação. Assim, como mandavam, cumpria-se. Divertia-se com tudo, tal é a inocência dos primeiros anos.
Contudo, no silêncio dos questionamentos, repletos de dúvidas, não compreendia os fatos, imitava os demais, que por sua vez também não entendiam nada. Qual a procedência daquele povo enaltecido nas canções, com certeza seriam estrangeiros, com usos e costumes diversos, então, por que cantar aquilo? Perguntas que o tempo encarregou-se de esclarecer, mas naqueles momentos eram eternas interrogações para o restrito universo de uma criança.  Caraminholas na mente, ainda infantil a não atinar com conceitos.

  Como papagaio repetia, tantas estrofes indecifráveis no parco vocabulário de que dispunha, restavam as melodias que encantavam, lembrando os louros da Independência, da Bandeira e seus simbolismos enaltecidos, a Proclamação da República, um brado retumbante às margens do riacho do Ipiranga, emocionava o coro desafinado, inocentes falando em tantas bravuras.
Imagens revividas ao ouvir, ainda nos dias atuais, o entoar disciplinado, como uma oração, que nos chegam aos ouvidos dando-nos um sentido coletivo, pátrio, emocionante...

 
 publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários - São Luiz/ MA( rumo aos 7 milhões de acessos na internet), com ilustrações da poetisa e contista MEL ALECRIM.

Aguardada visita




Uivos e mudos lamentos na noite, distante lobo da alcateia, parecendo absorto em seu mundo. Alcoólicos ares, a mente liberta, dores extravasadas, na umidade das retinas, traindo lágrimas repentinas de pensamentos obscuros, recluso em si mesmo.
Naquele curto espaço de uma mesa encostada na parede, duas cadeiras, um exílio voluntário, reservado espaço para amarguras confidenciadas a si mesmo, solilóquios intransponíveis, enredos íntimos como pérola escondida no âmago da ostra. Nos cantos da boca, como sorrindo irônico das funestas lembranças davam azos a furtivos sorrisos, como memórias hilárias.
Balanço anestesiado de seus rancores, passagens desfilando na mente, revividos passados presentes em instantes, amores mal amados, pilhérias e insucessos naquele universo restrito, no vazio da garrafa, a única presença naquela ilha, companhia daquele homem que parecia não estar ali, mas distante, ausente, imerso em suas cogitações. Curiosamente, contudo, mantinha uma cadeira vazia, como se esperasse alguém, sempre na espera, mesmo na certeza de que  não seria ocupada. Presença ausente em sua melancolia, presente, todavia, em recordações vivas, vãos sonhos acalentados por uma visita nunca aparecida...
Apenas no semblante denotava o que lhe ia no íntimo, devaneando em sua solidão, arriscando risos inacabados, nascidos em momentos e falecendo rápidos, como se negando a voos mais felizes... ainda que lembrassem risos eram risadas amargas, sufocadas,entremeadas em sustidas lágrimas, brigando consigo mesmo para não transparecer a intimidade a alheios olhos. Autopiedade, estrela embaçada, no brilho opaco do vidro do copo, vislumbres de sua imagem, detido em suas viagens pessoais, resgate de momentos vividos, inescrutáveis a terceiros.
Ritual  que se repetia, dia a dia, semanas, meses, anos, sempre a figura enigmática, solitária, atraindo atenção de olhares curiosos, mergulhado em seu mundo hermético, inacessível atmosfera plasmada onde habitava sua única personagem,  cenário exclusivo, na reclusão de um só habitante, ermitão na azáfama das rotinas de milhões de vidas açodadas em suas pressas e afazeres...


 
Contrariando sua rotina de costume, vez ou outra, como se dirigindo a alguém inexistente para todos, olhava e parecia conversar em troca de olhares, pequenos gestos, a estabelecer contatos como se a companhia da cadeira vazia estivesse chegado, enchendo-o de vida. Raros instantes em que o semblante irradiava luz e escassa alegria. Detinha a mão suspensa no ar, como querendo alcançar a imaginária figura, em meneios de afagos, um filme mudo,  uma representação tosca, tolerada pelos demais, por conhecê-lo há muito tempo, em seus desvarios solitários e silenciosos. Para alguns apenas um ébrio na noite, suportado por não importunar ninguém, a viver sua história surreal circunscrita a seu mundo incompreendido. A outros tido como um maluco inofensivo, enredado em um drama pessoal não revelado.
Sorveu ávido vários goles, parecia animado, distinto do hábito de levar horas bebericando, como se, de súbito, demonstrasse pressa. Parecia aliviado ao levar o copo à boca, sorriu abertamente um desatento riso, quase infantil,  levantando a mão em um brinde a todos, pendeu a cabeça como se buscasse a si mesmo. O tempo inclemente a cobrar das gentes, nos colocando a nu às desventuras, tornando-nos implacáveis juízes de nós mesmos, a pó expondo ilusões efêmeras, acuado em pena de si mesmo, encosto de desgostos e iras, bravatas de bêbedo, escárnios de alheios.
Naquele noite, diferentemente de todas as inúmeras outras, levantou-se ereto e cortez, dirigindo-se à invisível pessoa que o acompanhava, e, como se estivesse de braços dados com ela, atravessou imponente e garboso o corredor extenso do bar, embevecido por aquela companhia inusitada, parecendo estar feliz como jamais fora visto antes.
Na esquina de constante trânsito e carros em velocidades,  equilibrou-se em falsos passos, devolveu parcos risos rasos e adentrou negligente na passarela.
Seu corpo foi lançado na altura de alguns metros, espatifando-se no solo, com um indescritível sorriso de felicidade... Morte instantânea.



 
Alguns afirmavam, impressionados, tê-lo visto levantar-se, empertigado, acompanhado de uma mulher sedutora e bela, e sumirem na multidão... 

(Ilustrações do Blog LIMA COELHO (http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=6985) - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS - SÃO LUIZ / MA)

SELECIONADO PARA FIGURAR NO LIVRO PANORAMA LITERÁRIO BRASILEIRO, DENTRE OS MELHORES CONTOS DE 2012 DA CBJE, RIO DE JANEIRO-RJ.

AGUARDADA  VISITA   (CONTO)

* SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA CONTOS FANTÁSTICOS, EDIÇÃO ESPECIAL JANEIRO DE 2012, EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

sábado, 10 de novembro de 2012

INFELIZ CONSCIÊNCIA...






Queria amar-te muito acima do gozo
Efêmero, ejaculante, prostrante
De meu Ser exaurido, reprimido

Em buscas quiméricas de uma paz
Aparente, inexistente, filosófica
Além, e muito, deste orgasmo pulsante

De uma matéria debilitada, desacreditada,
Em signos dos tempos assinaladas
Antes um produto que essência

Da demência de um ato insano
Propalado, ventilado, vendido
Como a panaceia de todos os males

Engodo, como tantos, em liquidação
Que nos faz mercadorias em liquidificador
Onde nada mais resta que a frustração...


*Selecionado para figurar na Antologia Brasilidades n° 8, em homenagem ao poeta  João Cabral de Melo Neto. Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora

sexta-feira, 9 de novembro de 2012




EFEITO COLATERAL ( CONTO )

De como podemos transformar sonhos em pesadelos, mel em fel.


A amargura estava estampada no semblante daquele homem, que, silenciosamente, deixava a casa e vagava pelas ruas, absorto em seu universo íntimo e angustiado.

Amaram-se, sim, não tinha dúvidas, mas apavorava-se a cada crise intempestiva de ciúmes, onde parecia que todo encanto visto na amada transformava-se em outra coisa, má, abjeta, horripilante... As discussões se amiudavam, já não eram esparsas e eventuais, controláveis, atingia as raias da intolerância... Qualquer pretexto era razão para o descontrole emocional, sentia-se vigiado pelo olhar severo, pelos mesmos olhos que o seduziram e agora aprisionavam.

A princípio reputava a um certo charme, de sentir-se querido, mas, com o tempo, asfixiava, precisava pisar em ovos para tratar de qualquer assunto, cuidando para não dar outros sentidos ou interpretações dúbias. As discussões acaloradas, intramuros, domésticas, começavam a ser tornar públicas, não importando hora e lugar. De natureza recatada, temia pelos possíveis escândalos.

Depois das crises, via na companheira alguém arrasada, implorando perdão pelos excessos, prometendo controlar-se. Compreensível, tolerava aquelas circunstâncias, acreditando serem passageiras. A ajuda terapêutica sugerida era vista com deboche ou menosprezo, não se reconhecia necessitada de qualquer apoio nesse sentido.

Na verdade não se via como errada. Dona de um gênio forte, reputava a uma certa “intuição” que não falha, ou seja, se houve exageros agora, por certo já estava pressentindo o pior para depois, sempre assim.

Melhor que ele se acautelasse com esses “pressentimentos”, não toleraria desvios de qualquer ordem, que não olhasse com malícia para nenhuma outra mulher, haveria de ver com quantos paus se faz uma canoa... Palavras ameaçadoras brotadas na boca tão beijada e desejada, parecendo de uma agressora inimiga.

Aos poucos, melindrado, cedendo sempre para evitar novas cenas deploráveis, passou a ser um homem antissocial e arredio nas relações pessoais e profissionais, refugiando-se no seu mundo. Em verdade, fechava-se em imaginárias paredes gradeadas, onde estava preso na aparente liberdade de ir e vir, era um exilado em si mesmo. Sua rotina, da casa para o trabalho, um autômato, sem vontade própria, abdicando de qualquer entretenimento pessoal que não incluísse a esposa, a quem evitava convidar por temer os imprevistos.

A vida social foi escasseando, sempre desculpas para não comparecer a qualquer evento, até deixar de ser convidado, pois sabiam que recusaria de antemão, então, para não constrangê-lo, os colegas o excluíam. Ninguém externava, mas estava implícito de que algo não ia bem com ele, sempre isolado em seu mundo.

A idéia de abandoná-la o apavorava, não se imaginava fora da convivência, o argumento de que se amavam pesava nesses momentos de decisão extremada, refreando atitudes de se separarem.Com os anos,carregava sobre os ombros o peso da vigilância, real ou imaginária, mas constante, mesmo na ausência dela. Como se estivesse vigiado o tempo todo, no proceder e no falar...aliás, percebeu-se falando baixo, arisco, olhando para os lados, como se murmurasse, com receios de ser ouvido.

A sujeição paulatina, a princípio para evitar confrontos desgastantes, depois como se consentisse com o martírio, fortalecia a algoz, cada vez mais ousada. Entre eles estabelecia-se uma neurótica relação de dominadora e dominado.

Falava como se suplicasse, com receios desmedidos dos destemperos da esposa. Aniquilava-se, abstraído de si, entregue às circunstâncias, passivo e atoleimado. 

Contudo, a sanha de quem tem o temperamento dominador não tolera os parvos e apáticos .eternamente, talvez por ver sua presa já entregue ao seu domínio, nada mais tendo de prazer no jogo, mas isso são especulações filosóficas... Com o tempo, sentindo-se entediada, passou a menosprezá-lo, refletindo o próprio sentimento nutrido por ele mesmo com a estima aviltada. De ciúmes virou para o desrespeito absoluto, tratando-o como qualquer coisa, menos o homem que amou, ou julgava ter amado. 

Da dominação total, surgia o descaso, como efeito colateral da posse doentia. Findava o relacionamento definitivamente. Morria qualquer atração dela por ele, que já não mais respeitava, julgando-o um pusilânime, covarde, palerma, que se submetia, passivamente, sem reações. A admiração ao outro é combustível para a atração, inexistindo de qualquer das partes, nasce a indiferença, irmã do desprezo. 

“Homem tem que ser durão”, repetia o adágio popular. Quanto a ela, não suportava mais a convivência, afinal não fora com um frouxo que se consorciara, sentia-se enganada, com quem perdera uns bons anos de sua juventude, queria a separação incontinente. Impiedosa e sarcástica, alegava que ainda tinha muita coisa para viver e não morrer aos poucos ao lado dele... “Isto acabou, o defunto está insepulto, vamos enterrá-lo de vez !” Falava alto, referindo-se à falência da relação conjugal.

Andando em passos curtos, como se vagasse a mente em mil conjecturas, os olhos pareciam mortos, sentia-se sem rumo. De tanto ceder para que ela tomasse todas as decisões, perdeu-se em si, sem saber reagir ao rumo que as coisas tinham tomado, tampouco o que seria de sua vida sozinho.

Estava livre do domínio dela, como um pássaro cativo fora da gaiola, teria que reaprender a andar, como a ave liberta treinando as asas, para acostumar-se com a sua liberdade...



Publicado em livro na Antologia de contos COISAS do DESTINO, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, setembro de 2012.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

Alucinação



  
Reverberava da janela do pequeno quarto um sol tênue, de meia tarde, chocando-se com o vitral, causando um reflexo luminoso, qual fagulha de uma chama.
A rua era deserta. Só mesmo a réstia de luz permanecia latejante. O comércio tinha suas portas cerradas, deveria, certamente, ser feriado. Da mais modesta loja até ao Paço municipal, podia se admirar, ainda que de forma modesta, a arte no talhe das portas, gosto hoje raro. Uma ou outra alma percebia-se perambulando pelos arredores, no átrio da matriz, a qual exibia belíssimas esculturas, imagens sacras, lembrando o período barroco. De resto, pouco ou quase nada se alterava naquelas pequeninas alamedas, distribuídas em forma de setas, tendo por centro um jardim melancólico a rodear a igreja.      
Um cão magro, empesteado, contrastando com o asseio do ambiente, acomodou-se sob um dos bancos, gentilmente cedido por uma das casas comerciais ou personalidades da câmara.        
Acompanhava o cenário plácido, uma fragrância agradável, provinda dos pés de figo, predominante por todo o passeio público. Um chafariz aposentado lembrava a mitológica figura grega, Netuno, a ostentar um tridente ou cedro – não estou bem certo – cercado por graciosos peixinhos de pedra a jorrarem água na fonte seca.       
Aquele harmônico conjunto de coisas simples e belas chegava-me como uma tela em guache com matizes claros, suaves e exageradamente poéticos. Não fosse o pesar que de mim se apossava, poderia propor-me uma volta pelos pontos mais excêntricos para certificar-me se tal paz reinava também pela periferia. Não fui. Estava demasiadamente indisposto, os olhos irritados e vermelhos por uma noite em claro. Dessa forma, recolhida a inspiração no âmago ferido, toda a sensação transmitida pela paisagem bucólica tornava-se enfastiante  e monótona, dando-me a certeza do isolamento, pondo-me n’alma um esplin deplorável.     
Limitei-me a observar de longe o clima propício às divagações do espírito. Desprezei ou procurei afastar imagens que me fizessem recordar a chaga ainda sangrando, escancarada, doída. Não raras viam, às bátegas, encontrando-me fraco e indefeso, impossibilitado de fuga, como um foragido embestegado num labirinto sem saída, cuja única sina fosse o fim.        



Num plano irreal, pensei entregar-me à letargia profunda, esquecendo-me na coloração pitoresca daquela paisagem. Cheguei a temer um pesadelo, como se a situação em si já não o fosse. Invejei o cão, mesmo doente, pois descansava despreocupado.       
Uma gota de suor escorreu-me pela testa trazendo-me à realidade. Era verão. Um mormaço, antevendo chuvas, evaporava-se do solo, enchendo-me as narinas de um frescor de terra revolta ao contato com a água.   
Trajava um hábito sisudo, de pêsames, negro. A camisa de um colorido discreto colou-se à pele. Eu transpirava por todo o corpo. Sentia, amiúde, calafrios e mal-estares passageiros, resultando em freqüentes vertigens.      
Achava-me debilitado e exausto. Não tinha apetite, tampouco calma para o sono. Há dois dias abstinha-me da alimentação. Tinha os olhos saltados nas órbitas e um ar alucinado, beirando à sandice total. Vagava como uma sombra babélica, fitando o vazio, vendo não vendo.
A tela poética, bela e tranquila, tornava-se, ao sabor de meu estado de semi-consciência , funesta, carregada, escura. As árvores envergavam seus galhos num farfalhar enlouquecedor, chegando a derrubar seus frutos ainda verdes. Julguei ouvir, levemente,  o sino agitar-se com o vendaval que se anunciava breve, dando ao todo um tom de dilúvio apocalíptico.
Passados os instantes de agonia, voltava a mim e tomava ciência de que tudo não era senão o produto de uma mente condenada, tresloucada, enferma. Tratava-se não de uma tempestade, como terrivelmente imaginara, mas de algumas nuvens passageiras, sem diminuírem a temperatura, apenas refrescando-a um pouco.
Uma algazarra alegre ouvia, barcos de papel, risos, choros, euforias, Sol e Chuva casamento de viúva ! como se dizia na inocência de meus primeiros anos. Este pensamento mesclou-se em meu ser desnorteado e encheu-me os olhos de um saudosismo intenso... Quem dera, agora, não temer o inevitável, não envelhecer-me no tédio de minhas aflições ?
Com o aguaceiro, um certo movimento animou, por instantes, o panorama. A chuva descia copiosa e sôfrega em nutridas gotas, será breve – pensei.  Um casal de pombos, possivelmente ocultos nos alpendres das casas ou pelos vãos das calhas sobrevoaram a praça, cortando-a, indo pousar próximo à capela do sino. O vira-latas, preguiçoso, buscou refúgio mais acolhedor no coreto velho, em desuso, instalando-se num ângulo ainda livre das goteiras, enquanto lambia a ferida exposta, procurando alívio para a sua dor.      
O silêncio, se é que chegou a ser molestado, invadiu definitivamente as ruelas e as vidas solitárias, dando à tarde um anoitecer precoce, auxiliado pelo tempo que a fazia escura.
Da janela, prostrado, em pé, observava a praça tornar-se opaca, com as figueiras, as aves, o cão... Embaçou-se o colorido da vidraça e atrás dela minha face, retalhada em cores fortes, num mosaico tétrico.
Apagava-se, por fim, o último alento de vida, o raio de sol na janela.
Um manto negro debruçava-se sobre a tarde, que morria, eu, confuso, ia com ela...             

 (São Paulo, Folha Literária Colégio Estadual Prof. Fidelino de Figueiredo, 1978.)
TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA DE CONTOS ALÉM DA IMAGINAÇÃO DA EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, EDIÇÃO MARÇO/2010
  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.
PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO- POESIAS, CONTOS, CRÕNICAS e ARTIGOS LITERÁRIOS - SÃO LUIZ-MA ( + de 6 milhões de acessos na internet), Ilustrações de Mel Alecrim, poetisa e contista.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012


A gralha azul

Menino criado em cidade pequena, interior do estado do Paraná, não natural dali, morador chegado em tenra idade, passava o dia em calções de elástico e, geralmente, o dorso nu, a brincar pelos matos, lá existente, e muito. Terrenos baldios, invadidos por quiçaças e plantações rasteiras de vegetações diversas, muitos pés de mamonas e plantas silvestres, nascidas ao léu sem cultivos específicos, ervas daninhas misturadas a carrapichos e espinhos.
Não se recordava como a conseguiu, se ganhou, ou foi encontrada, capturada por ele não poderia ter sido, não era muito esperto nessas aventuras de caçadas. Assim como gostava de empinar papagaios, em outros locais conhecido como pipas, mas não conseguia fazê-los, tinha uma especial dificuldade com coisas que exigisse certos cuidados, como o de colar o papel delicado nas varetas de bambu, acabava por rasgá-los e desistia das tentativas. Os que teve foram confeccionados pelo irmão menor, mais habilidoso naquelas tarefas, ou adquiridos pela mãe. Jamais acertara alvos com estilingues de galhos secos, forquilha presa em tiras de borrachas, tendo as bolotas de mamonas verdes como munição, arremesso através da distensão das tiras. Fracasso total nessas aventuras de atingir qualquer alvo, além de não dispor de uma arapuca, própria para caçar pequenos pássaros.
Vaga lembrança, talvez tenha conseguido aquela preciosidade por acaso, quase um acidente. Numa manhã de intenso frio, próprio daquela região no inverno, ao retornar das aulas matinais de educação física na escola, por pouco, distraído, não pisava sobre ela, imobilizada pela baixa temperatura, desfalecida na aparência de morta. Os olhos enfraquecidos ainda denotavam vida, aquecida e tratada, recuperou-se rápido. Um vizinho informou que se tratava de uma gralha, e era alimentada por ovos de outras aves, além de pequenas larvas existentes em troncos de árvores e de frutas silvestres. Logo adquiriu uma pequena gaiola, para melhor observar a nova aquisição, a amiga de penas.

 Aquele pássaro, belo, diferente, por fim ganhou suas atenções, vivia ao redor dele, apreciando sua beleza diferente, conforme a posição que ficava na gaiola, mostrava cores diversas refletidas com os raios de sol. Suas cintilações azuladas davam um charme a diferenciá-la das demais aves vistas até então, geralmente codornas, rolinhas, pássaro preto, sabiás, anus e pardais mais comuns no dia a dia. Por vezes o espetáculo de alguns beija-flores, raros, infelizmente.
As maritacas passavam em bandos, fazendo coro estridente, mas em vôos altos, antes ouvidas do que propriamente vistas. Havia ainda o revoar das andorinhas anunciando chuvas ou mudanças de estações do tempo, mas sempre em grupos da espécie. Aquela estava à mão, ao alcance dos olhos extasiados e embevecidos com sua beleza e galhardia de seus movimentos leves.
Chegava ofegante, pela corrida na pressa na volta da escola, a bolsa com cadernos e lápis, a lancheira pendurada, mal trocava de roupa e, metido no costumeiro calção, se quente o dia, o que era constante no verão, livrava-se da camiseta e reinava absoluto com as costas e peito expostos, bronzeados naturais pelo calor da estação.
Ao encontrar-se desimpedido, livre das obrigações escolares, única preocupação a ocupá-lo, afinal, era ainda uma criança para ter outras ocupações além daquela, ocupava-se a brincar solto, quase nu e descalço, naquelas ruas largas, de areias quentes.


Aquela ave exótica para ele, era a razão de seus dias, ficava admirando-a o tempo todo, isolado naquele fascínio que a mesma o entretinha. Era uma gralha azul, de bico longo a bebericar o ovo da galinha, fonte de seu alimento, com delicadeza e apuro...Como era prazeroso vê-la se alimentando, parecia ter um certo requinte naqueles gestos, bicando, sugando, e levantando o papo para engolir, repetidas vezes, até esgotar a clara e a gema e restar apenas cascas dos ovos. Era um espetáculo apreciá-la nesses momentos. Chamava os amigos para exibir sua conquista, demorando-se na exposição minuciosa de suas qualidades, envaidecido por possuir um bem tão especial, único e inacessível aos demais, fazendo invejas aos companheiros.
Havia no quintal um engradado imenso, outrora viveiro para porcos, criados pelo pai. Tratava-se de uma jaula de madeira, conhecido como chiqueiro, tendo servido também como galinheiro, lembrando uma gaiola, razão de, sem atinar que era grande demais, resolveu colocar sua preciosa avezinha naquele recinto, para que tivesse mais liberdade, porém as frestas largas, apropriadas para suinos médios e frangos, onde ela passou tranqüila por entre aqueles espaços vazios, assim que percebeu o novo ambiente. De repente a razão de suas alegrias ganhava espaços maiores do que o pretendido, alçaria vôos distantes, não sem antes ficar algum tempo por ali, como se considerando uma despedida, ou reconhecendo outros locais para a debandada. Fez pousada em um ramo de arbusto, a balançar com seu peso... Seria vontade de voltar para a casa, onde se deliciava com os ovos para alimentá-la?

 Na sua ilusão infantil, ali teria ficado por momentos para se despedir dele, depois voar para as matas, seu real lar, e perdê-la. Liberta, em sua beleza, para alçar vôos sem fronteiras e limites, deixando-o triste, na lição primeira do amargo do desapego...

*Publicado no Blog do LIma Coelho - Crônicas, Contos, Poesias e artigos literários - SÃO LUIZ/MA
(+6 milhões de acessos na internet). Ilustrações de 
Mel Alecrim, poetisa e contista.