segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DESPEDIDAS

Ironias que a vida nos prega
Ausências repentinas, definitivas
Lembranças reavivadas em fotos
Saudades dilaceradas, murmuradas
Em frases, buscando ecos distantes
Revivendo momentos passados
No lodo do tempo, inexpugnável, amargo

Como a nos lembrar a cada passo
De tudo dado, retirado, 
Sorrisos e abraços,
Num humor negro, desgastado
Em um palco deserto de uma trama sórdida
Levando afetos, em gestos bruscos
Tiranizando sentimentos, sufocando a alma
Amigos sepultando amigos, lágrimas derramadas...





sábado, 27 de outubro de 2012


O objeto do desejo


Boneco A Corda--menino No Velocípede==l.1311 = Misc

Levado pela mão da babá, o pirralho empacou diante à vitrina da loja, próxima à escola dele.
- Anda, Eduardinho !  Ralhou a mulher, enervada com o imprevisto.
O olhar, sem palavras,  respondeu significativo, e continuou estancado, atenção fixa na exposição daquelas maravilhas que o encantavam.
- Nem pensar ! Você já tem todos os brinquedos que uma criança pode desejar na sua idade...
Nada de demovê-lo da intenção de ali permanecer.
- Se você está pensando que vai me vencer, se engana...
Nenhuma reação em resposta à atitude dela. Se quisesse, que continuasse sem ele, ou o levasse à força. Não estava verbalizado, nem precisava, ela o conhecia muito bem. Era um doce, educado e carinhoso, desde que não contrariado. E ela sabia bem como ele agia nessas situações, era dureza.
Resmungando de si para si, certa que iniciava-se um páreo difícil, ele era duro na queda, coisas de criança mimada - É assim ?!  Deixa estar que conto tudo à sua mãe, nada de jogar vídeo game por hoje,  ela vai te colocar de castigo ! Era apenas uma ameaça vã, jamais falaria para a patroa, uma banana derretida diante às exigências do filho, tiraria sua autoridade, ai, sim, seria uma compra por semana.
Sem responder, na verdade alheio aos resmungos da acompanhante, mas olhando para ela, apontou com o dedo um dos brinquedos. Pronto, estava sentenciada a escolha, demovê-lo seria uma batalha hercúlea, da qual, contudo, ela não estava disposta a ceder dessa vez.



- Que é?  Bonito sim, mas você nem dá conta de brincar com os que já tem... Ficam espalhados pelo quarto, não dá a mínima para eles, cansa-se logo, é dinheiro dos seus pais jogado fora...
A paixão estava estabelecida, apaixonara-se pelo hominho do espaço, em roupas reluzentes, prateado, que parecia chamá-lo, implorando para ser levado  por ele. Uma atração irresistível parecia enfeitiçado, fincando pé, virando estátua, imóvel, fascinado. De um lado do vidro o boneco de braços abertos, de outro um petiz encantado por ele.
- Ande, senão chegamos atrasados... Pegou-o forte pela mão, tirando-o de seus sonhos. Fazia-o sentir a força dos argumentos dela, o safanão carinhoso.
No outro dia, mesma situação, deixando a babá enervada. Incapaz de atitudes severas, seria no mínimo mal vista, afinal era apenas um fedelho contra uma adulta. Argumentar não adiantava, era uma mula obstinada, empacada na inflexível decisão de querer o objeto de seu desejo, a admirá-lo da calçada fronteiriça.
Ela resolveu, então, que passaria pelo outro lado, assim ele não se lembraria mais daquele robô, talvez esquecesse distraído com outras coisas...
Mas, puxando-a, forçou atravessarem a rua. Para não dar a entender que brigava com o pequeno, cedeu na travessia, e a mesma coisa de dias voltava a acontecer. Longos minutos a namorar o companheiro, a quem até já dera um nome:  Alton...
- Alton ! Até nome tem o boneco ?  Cada uma que estas crianças inventam ! Queria rir e abraçá-lo e se continha para manter sua posição.
Determinada a vencer a batalha para acabar com a birra dele, menino de 5 anos, filho único. Resolveu que não contaria nada para os pais, senão corria o risco de eles comprarem mais um brinquedo para ele...Assim estragavam o menino, deduzia com seus botões. Afinal, na vila onde ela morava, os pequenos se divertiam com bolas de papel ou de meias  velhas, com dois tijolos de lado a lado faziam as traves e não eram menos felizes por não terem tantas regalias. Pelo contrário, valorizavam as quinquilharias tidas como verdadeiras fortunas para suas estripulias infantis. Quando avistavam os caminhões de presentes, geralmente no natal, nem dormiam esperando para receberem das mãos do homem fantasiado de papai noel, oferendas de instituições de caridade que anualmente apareciam. De pais pobres, não recebiam regalos, além do alimento e roupas básicas.
Assim, invariavelmente, a dura canseira diária de vencê-lo pelo cansaço e arrastá-lo para a escola.
- Se pensa que me vence, está totalmente enganado !  Respondia vitoriosa a cada quebra de braço, onde, resoluta, vencia-o, antes pela força das mãos empurrando-o, do que por convencimento dele. Momentos em que a olhava com olhos lacrimosos, sua arma secreta, sutil e manipuladora, fazia-a ter vontade de abraçá-lo, tal o carinho que o mesmo a inspirava.
Chegou a sexta-feira, tiraria folga no sábado e só retornaria na noite de domingo, estava exausta com aquela lenga lenga da semana toda naquela disputa cansativa. Adorava o pequeno, até sentia falta dele em suas folgas, todavia, dessa vez, a trégua era bem vinda, descansaria.
 Longe da vitrina no fim de semana, sairia com os pais, iriam ao clube,  na segunda-feira já  teria esquecido do bendito brinquedo, suspirava aliviada.

  No domingo à noite, nem bem chegara, os pais do garoto, sentados no sofá da sala, parecendo sonolentos e cansados.
- Está tudo bem com o Eduardinho ?  perguntou cismada, não o vendo junto aos pais...
- Marina, quem é o Alton ? Algum amiguinho novo da escolinha ?
- (Procurando lembrar de onde ouvira aquele nome) – Alton ? Nem se dera conta de que tratava-se do nome dado por ele ao boneco da vitrine... Não estou lembrada, mas parece que ele falou esse nome...
- Ele teve febre à noite toda, parecia delirar, e chamava por ele, levamos ao pediatra logo cedo, mas não tinha nada, apenas indisposição, não queria comer e nem brincar... Relatou a mãe à babá.
O caderno de atividades da escola só tem desenhos de uma figura, um homem com armaduras, algo assim...
- Armadura ?! Despertou a babá,  rindo: - É o Alton !
- É este o nome que ele falava, é algum coleguinha novo da escola ?
( Encabulada, sentindo-se culpada por privá-lo do brinquedo, escondendo a vontade do menino para os pais) – Não que me lembre, ele agora está bem ?
Está dormindo, voltou a brincar e a comer, depois que o levamos a passear, fizemos algumas compras e ele se distraiu mais...
- Vou vê-lo no quarto... Saiu a babá preocupada.
- Eduardinho, meu pequeno, sussurrava nos ouvidos dele, que ressonava tranquilo, abraçado a um brinquedo, um boneco...O Alton !
- Danadinho, acabou me vencendo... Riu consigo mesma beijando o menino, que sonolento, levantou com uma das maõs o boneco em atitude de vitória e sorriu para ela, voltando a dormir.  


 .


´PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS LITERÁRIO- SÃO LUIZ-MA ( + DE 6 MILHÕES DE ACESSOS NA INTERNET). ILUSTRAÇÕES DE MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


L U T O


eis que o canto
emudecido
jaz sobre cinzas

de um dia
triste, aborrecido,
onde a dor impera

soberba, inteira,
encobrindo a luz
amargando espinhos


a ausência presente
dor desvairada
sem remédios, demente.

e a beleza fenece
nas lágrimas
pranteadas em saudades... 

(Cleide Maria Souza Perazzo  08/04/1960 - 24/10/2012)

(de seu amigo chamado carinhosamente de "poeta")

terça-feira, 16 de outubro de 2012


No obscuro dos desejos



Scraps
Verônica sentia as faces quentes, enrubescidas, traía frêmitos involuntários, suspiros mal disfarçados, arrepiava-se. Os seios intumescidos despontavam na camiseta, os olhos traziam as pupilas dilatadas. Como conviver com aquelas sensações, cada vez mais atrevidas e freqüentes? Tentava disfarçar para si mesma, mas já não estava se contendo na situação.
Nem precisava vê-lo para sentir-se afogueada, intranqüila e lânguida. Para tanto bastava lembrar –se de sua figura, do cheiro de seu perfume, ou ouvir a sua voz máscula, segura, a chamando pelo interfone.
Pensou em demitir-se, arrumar uma desculpa qualquer e buscar outro serviço, o que precisava, com urgência, era manter-se longe da sua presença, sob pena de não conseguir mais se controlar. Era um homem mais velho que ela, a razão de sua incontrolável insegurança e desejo. Temia confessar a alguém o que sentia, poderia parecer um ato condenável de uma jovem sedenta de uma experiência íntima, ousada.
Naqueles momentos de suplícios pessoais, sonhava em tê-lo de forma mais impudica e sacana, desconhecendo a si mesma, até então reservada e tímida. Numa metáfora, via-se como um vulcão prestes à erupção, à deriva da razão e dos bons costumes, a verter lavas incandescentes e devastadoras. Surpreendia-se no banheiro apalpando-se lascivamente, tendo-o no imagináriocomo companhia. Circunstância em que obtinha relativa paz, lavando o rosto, retocando a maquiagem leve, retornando a seuposto, a escrivaninha de secretária.

 A ela cabia ordenar as tarefas ao jovem mensageiro, adolescente com a face marcada por acnes, coisas próprias da puberdade. E este, a levava para o seu paraíso profano e inconfessável, a desejava com tanta gana e luxúria que se envergonhava de seus próprios pensamentos. Bem que no almoxarifado, às escondidas, poderia ser um ambiente apropriado, ah, se ela pudesse imaginar... A seguia com o olhar, observando cada gesto, salivando na malemolência de seu gingado naqueles saltos altos que só denunciavam as ancas bem delineadas, as pernas roliças e torneadas naquele vestido colado. Que tara tinha por ela, razão de suas freqüentes ausências, pretextando usar o sanitário. Ela era sua rainha e ele sempre seu súdito apaixonado, vivia um rompante sufocado nas labaredas de seu íntimo em convulsão, tinha que estar atento no que ela lhe dizia para não se trair se denunciando.  Enrolava a língua ao pronunciar seu nome, dona Verônica. Ficava em seu lugar, numa minúscula mesa, espremido, esperando pelas ordens de sua rainha. Ficava a espreitá-la, cada vez que se levantava de sua cadeira e desfilava pela sala, indo e vindo. A imaginava desnuda, como deveria ser exuberante, a silhueta apertada nas vestes não deixavam dúvidas, a pele morena clara, o sorriso perfeito, cílios arqueados e provocantes, o seios então...
Ela buscava entreter-se naqueles papéis, digitando compassadamente no computador, mas a mente, não raro, voltava-se para o patrão. Seu aroma no ar a embevecia, esforçava-se para identificar o nome da colônia preferida por ele. Pensou em adquirir um frasco para aspirá-lo em sua ausência.
Ao levantar a cabeça, desatenta, cruzou os olhares com o jovem que a assessorava, sentiu que ele queria lhe dizer algo, e que não conseguia. Instantes de hesitação. Teria esquecido de lhe transmitir alguma coisa, por que estava plantado em sua frente a olhando daquela forma, embaraçado e confuso ?
O chamado pelo interfone a tirou do impasse, voltando-se para resolver à voz que a chamava.
Dona Verônica... ( voz sôfrega, angustiada, indecisa do mancebo tímido, ainda bem que ela não percebera a mancha aparente em sua calça,na altura das genitálias) 
Levantando-se para atender o chamado, parecendo não ouvi-lo.



Assim transcorriam os dias, cada qual imerso em seus desejos inconfessáveis.
Fim de expediente. O rapazote desejando a colega e esta inebriada pelo chefe.
Em uma esquina, um carro pára, o magnético desce o vidro e uma mulher loura, de saltos altos, roupa colada e luminescente, seios fartos e batom vermelho carmim, obedece ao chamado pelo olhar, sai da calçada, cabeça imersa dentro do veículo, sussurrando alguma coisa, como combinando detalhes... 
A andrógina figura em sorriso debochada e matreira entra no carro e partem...
O desejado homem pela jovem moça, vai em aventuras com sua passageira ou passageiro, enquanto o pobre rapaz sonha com a iludida colega...

  publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Crônicas, Contos, Poesias e Artigos Literários - São Luiz- MA (+ de seis milhões de acessos na internet. Ilustrações: MEL ALECRIM, poetisa e contista.