sábado, 29 de setembro de 2012

DEVANEIOS EM TARDE PRIMAVERIL



Talvez a brisa desta tarde
Justifique esta viagem
Intramuros, labirintos,
Íntima, inescrutável a outros

O pescador adentra o mar
A conquista de sua busca
Na rede suas vitórias
A si  justifica suas metas

E a vida tem sentido
Achou o alimento
Procurado entre as vagas
Nas ondas revoltas do ofício

Assim a construção
Pelo operário, tijolo a tijolo,
Levantando o muro de seu arrimo
A obra vistosa aparecendo

A lavadeira estendendo as roupas
No varal deserto, logo embandeirado,
Registrando sua lida, o resultado
De um dia de seus afazeres 

No etéreo deste brando vento
No inócuo dos sentidos
A sutileza da angústia
De quem não vê o que produz...


sábado, 8 de setembro de 2012


Opereta bufa


“azo às cismas e temores,
à conta de receios vãos,
diante a si verdade crua”


 Azo às inquietações, dúvidas e incertezas a persistirem em suas tormentas, à conta de receios tidos como vãos, diante a si se denunciava a verdade nua e crua.


...debruçada, alheia, redigia
enamorada em demasia
malbaratando cuidados”...


Alheia, distraída na redação, não deu pela presença atenta, enamorada em demasia malbaratando cuidados, sonhando de olhos abertos, vivendo em frenesi seu romance. Assim a encontrava, a esposa, embevecida, demonstrando há tempos comportamentos estranhos, evasivos e furtivos. A mente bailava em sonhos com outro alguém.


“...presença furtiva insana,
tinto de sangue o papel
nas mãos do açougueiro”...


Insana presença, alucinado, bruscamente retirando o bilhete das mãos desprevenidas, tingindo de sangue o papel suspeito, nas mãos do açougueiro, vindo de sua função, mal crendo no que lia e via...tudo real em suas suspeitas.


"...depunha a missiva
  clandestina paixão
  denunciadas juras”...


Nada mais havia a esconder. Todos os fios da meada esclarecidos, naquilo que não queria crer se materializava. Não mais o benefício da dúvida, enfrentava a sua cruel verdade.


“...nem palavras em defesa
inegáveis evidências
o marido e a infiel”...


Depunha em linhas caprichadas, rescendendo o bilhete sutil aroma, a clandestina paixão por outro em denunciadas juras.


“...maculada honra
ultrajado lar
maledicências”...


Nos gestos atônitos daquele homem furibundo, a maculada honra no ultrajado lar, enxovalhado por um mar de maledicências das viperinas línguas do vulgo.
Pesadelo vivenciado, transtornado em suas reações, congesta visão do dementado.


“....visão congesta e rubra
fácies torpor e sofrer
recôndita marca da dor”...


Incrédula visão das reles artimanhas da pérfida, atitudes suspeitas, evasivas e fugas despropositadas, traição cobrando revides. Tingindo de negro o lago plácido de um lar acima de qualquer desventura.


“...incrédulos olhos atestam
reles artimanha perfídia
traição cobrando revides...


Nau revolta em mente malsã, instigada a cruéis castigos à torpe em insaciáveis martírios. Insuficiente matá-la, teria que sofrer aos poucos, supliciá-la, satisfazendo a sua alucinada desilusão.


“...a dor lavada vingada
abatida bovina rotina
na lâmina gesto certeiro...


A dor reclamando revides, tormentos indescritíveis, abatida seria como na rotina da carne bovina, na lâmina em gestos certeiros, garras fortes que retalham carnes e desossam animais, próprios de seu ofício. Para si reivindicava o reajuste moral com o extermínio da desleal.


“...garras fortes
retalham carnes
desossam animais...


O mutismo da ré ,indefesa e atônita, em cadavérica palidez mortal, diante ao assassino em cruel demência vingativa...derradeiros instantes, fatalidade iminente, vidas aflitas em trágico destino.
Acuada diante ao pavor, desfalecida e inerte, qual boneca, o corpo arfante junto ao peito do injuriado. Mistura de cheiros no avental rubro de sangue com a visão dos alvos seios, perfumadas lembranças, fortes e latentes. Voltas no tempo, emoções revividas, sentimentos controversos, a ira e a sedução . Vacila o executor


"...desfalecida inerte boneca
perfume embriaga e exala
o desejado corpo da amada...


O insultado de alma doente hesita em sua revanche, recua indeciso. Duelo íntimo: a complacência contrapondo-se à gana insana, reclamando bestial satisfação. Parece vencido a contemplar aquele corpo desfalecido, como um cordeiro a ser imolado, sem atinar se a deseja ou vinga-se daquela mulher, prostrada ao deslinde fatídico. A honra ultrajada cobrando a morte, o desejo reforçando a vida.


“...derradeiros instantes
fatalidade iminente
vidas em aflitos enredos...


Como se de si perdera as forças alimentadas no furor. A fúria dividida pelo temor dos próprios atos, ódio contido, ponderações íntimas a paralisar a tragédia anunciada. Instantes confusos, ferido homem humilhado, menino de colo carente.


“...faíscas emoções presentes
lembranças fortes latentes
vacila o executor clemente...


Condoído de si mesmo ou da adúltera, transcendendo de si a própria dor, a fita e repousa seu olhar marejado em pranto, lágrimas convulsas, rende-se o traído, deixa a arma que empunhava para a execução inglória de sua vingança. E a olha, enternecido, embora ressentido, um suspiro de desejo, resquícios de carinhos devotados à amada.


Tendo-a entre os braços, já não mais a vítima de sua vindita, mas a fêmea tão querida, a desperta suave, depondo-a sobre o leito.


“...o insultado chaga aberta
rechaça revanches anseia
desejoso de seu amor...





Dando-se conta da situação dos fatos, voltando a si do breve delíquio, em instinto de sobrevivência, entrega-se resoluta às carícias do traído. Amam-se esquecidos dos traumas reprimidos, postergando para o futuro o fel da desconfiança


“...ódio contido ajoelhado
ferido homem humilhado
menino de colo carente...


Arquitetam planos, revivem sensações esquecidas, prelibam venturas, sonham juntos com um novo recomeçar. Sopram as brasas de um fogo enfraquecido exaurido no tempo, buscando, no clímax daqueles momentos inusitados, chamas a reviverem a frágil relação.


"...amam-se esquecidos
traumas reprimidos
futuro fel curtido...


Adormece lânguido e exausto, desmaiado em delírios febris, fortes tensões vividas pelo infausto. Ressonando em agitados haustos intermitentes, a vagar em sono solto e pesado. Animal vencido, domado, despojado de sua fúria, dorme profundo, extenuado. Touro na arena rendido.
Lépida toureira, na alva nudez sua arma, capa do torneio, levanta a matreira rediviva para, em breves palavras, reiniciar seu recado...
... que a aguarde o amante querido.

  Texto selecionado para figurar na Antologia de Contos Seletos de Autores Nacionais Brasileiros, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, edição Agosto/2010.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

 PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS LITERÁRIOS ( SÃO LUIZ-MA, MAIS DE 6 MILHÕES DE ACESSOS NA INTERNET) ILUSTRAÇÕES: MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

VOOS SEM ASAS

O poeta alija a razão,
No ilógico da lógica
apreende a emoção, 
Tateia em sussurros
Gemidos intramuros

Atormentados homens

Pseudos poderes
Nos turbilhões dos reinados
Atoleimados nas rotinas
À deriva de sentidos

Pássaros submetidos
A andar, a sonhar,
Em paisagens distantes
Nas nuances difusas
Das alegrias e sofreres

Apenas no divagar

Atenta, e ecoa,
Imagina, sonha,
Abre as asas
Sente, não voa...