sexta-feira, 2 de novembro de 2012


A gralha azul

Menino criado em cidade pequena, interior do estado do Paraná, não natural dali, morador chegado em tenra idade, passava o dia em calções de elástico e, geralmente, o dorso nu, a brincar pelos matos, lá existente, e muito. Terrenos baldios, invadidos por quiçaças e plantações rasteiras de vegetações diversas, muitos pés de mamonas e plantas silvestres, nascidas ao léu sem cultivos específicos, ervas daninhas misturadas a carrapichos e espinhos.
Não se recordava como a conseguiu, se ganhou, ou foi encontrada, capturada por ele não poderia ter sido, não era muito esperto nessas aventuras de caçadas. Assim como gostava de empinar papagaios, em outros locais conhecido como pipas, mas não conseguia fazê-los, tinha uma especial dificuldade com coisas que exigisse certos cuidados, como o de colar o papel delicado nas varetas de bambu, acabava por rasgá-los e desistia das tentativas. Os que teve foram confeccionados pelo irmão menor, mais habilidoso naquelas tarefas, ou adquiridos pela mãe. Jamais acertara alvos com estilingues de galhos secos, forquilha presa em tiras de borrachas, tendo as bolotas de mamonas verdes como munição, arremesso através da distensão das tiras. Fracasso total nessas aventuras de atingir qualquer alvo, além de não dispor de uma arapuca, própria para caçar pequenos pássaros.
Vaga lembrança, talvez tenha conseguido aquela preciosidade por acaso, quase um acidente. Numa manhã de intenso frio, próprio daquela região no inverno, ao retornar das aulas matinais de educação física na escola, por pouco, distraído, não pisava sobre ela, imobilizada pela baixa temperatura, desfalecida na aparência de morta. Os olhos enfraquecidos ainda denotavam vida, aquecida e tratada, recuperou-se rápido. Um vizinho informou que se tratava de uma gralha, e era alimentada por ovos de outras aves, além de pequenas larvas existentes em troncos de árvores e de frutas silvestres. Logo adquiriu uma pequena gaiola, para melhor observar a nova aquisição, a amiga de penas.

 Aquele pássaro, belo, diferente, por fim ganhou suas atenções, vivia ao redor dele, apreciando sua beleza diferente, conforme a posição que ficava na gaiola, mostrava cores diversas refletidas com os raios de sol. Suas cintilações azuladas davam um charme a diferenciá-la das demais aves vistas até então, geralmente codornas, rolinhas, pássaro preto, sabiás, anus e pardais mais comuns no dia a dia. Por vezes o espetáculo de alguns beija-flores, raros, infelizmente.
As maritacas passavam em bandos, fazendo coro estridente, mas em vôos altos, antes ouvidas do que propriamente vistas. Havia ainda o revoar das andorinhas anunciando chuvas ou mudanças de estações do tempo, mas sempre em grupos da espécie. Aquela estava à mão, ao alcance dos olhos extasiados e embevecidos com sua beleza e galhardia de seus movimentos leves.
Chegava ofegante, pela corrida na pressa na volta da escola, a bolsa com cadernos e lápis, a lancheira pendurada, mal trocava de roupa e, metido no costumeiro calção, se quente o dia, o que era constante no verão, livrava-se da camiseta e reinava absoluto com as costas e peito expostos, bronzeados naturais pelo calor da estação.
Ao encontrar-se desimpedido, livre das obrigações escolares, única preocupação a ocupá-lo, afinal, era ainda uma criança para ter outras ocupações além daquela, ocupava-se a brincar solto, quase nu e descalço, naquelas ruas largas, de areias quentes.


Aquela ave exótica para ele, era a razão de seus dias, ficava admirando-a o tempo todo, isolado naquele fascínio que a mesma o entretinha. Era uma gralha azul, de bico longo a bebericar o ovo da galinha, fonte de seu alimento, com delicadeza e apuro...Como era prazeroso vê-la se alimentando, parecia ter um certo requinte naqueles gestos, bicando, sugando, e levantando o papo para engolir, repetidas vezes, até esgotar a clara e a gema e restar apenas cascas dos ovos. Era um espetáculo apreciá-la nesses momentos. Chamava os amigos para exibir sua conquista, demorando-se na exposição minuciosa de suas qualidades, envaidecido por possuir um bem tão especial, único e inacessível aos demais, fazendo invejas aos companheiros.
Havia no quintal um engradado imenso, outrora viveiro para porcos, criados pelo pai. Tratava-se de uma jaula de madeira, conhecido como chiqueiro, tendo servido também como galinheiro, lembrando uma gaiola, razão de, sem atinar que era grande demais, resolveu colocar sua preciosa avezinha naquele recinto, para que tivesse mais liberdade, porém as frestas largas, apropriadas para suinos médios e frangos, onde ela passou tranqüila por entre aqueles espaços vazios, assim que percebeu o novo ambiente. De repente a razão de suas alegrias ganhava espaços maiores do que o pretendido, alçaria vôos distantes, não sem antes ficar algum tempo por ali, como se considerando uma despedida, ou reconhecendo outros locais para a debandada. Fez pousada em um ramo de arbusto, a balançar com seu peso... Seria vontade de voltar para a casa, onde se deliciava com os ovos para alimentá-la?

 Na sua ilusão infantil, ali teria ficado por momentos para se despedir dele, depois voar para as matas, seu real lar, e perdê-la. Liberta, em sua beleza, para alçar vôos sem fronteiras e limites, deixando-o triste, na lição primeira do amargo do desapego...

*Publicado no Blog do LIma Coelho - Crônicas, Contos, Poesias e artigos literários - SÃO LUIZ/MA
(+6 milhões de acessos na internet). Ilustrações de 
Mel Alecrim, poetisa e contista.

10 comentários:

Anônimo disse...

Olá Poeta, lindo conto... nosso bem maior são as lembranças... o desapego é inevitável, sorte termos tantas coisas para lembrar quando o cordão umbilical estiver pronto para se quebrar e sermos mais uma ave a lançar voo e deixarmos quem de nós cuidou com carinho e amor.

Abçs!
Lucélia Lima
lualmarques@hotmail.com
22/03/2011

(SITE DE POESIAS)
22 de março de 2011 12:35
Anônimo disse...
Oi Ediloy, bom dia

encantado novamente, os pássaros, criaturas divinas, ainda vejo as cenas, milhões de aplausos...

abraços...
Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com
22/03/2011

(SITE DE POESIAS)
22 de março de 2011 12:36
Anônimo disse...
Sou iniciante e voluntário aqui no site, mas adorei o seu conto, poxa sou lá do paraná e me senti muito feliz em ler o que escrevestes!
Maravilha!
Obrigado por manter esse conto de sua autoria tão vivo!

Abraço!

Viva a Poesia!
Vando Deparis
vandodahua@gmail.com
21/03/2011

(SITE DE POESIAS)
22 de março de 2011 12:37
Anônimo disse...
Comentário de José Aurélio Luz em 20 fevereiro 2011 às 17:48

Congratulações, caro Ediloy. Tangido pelas suas felizes pinceladas, deliciei-me nesse retorno a nossas rememorações de meninos do Brasil. Quem de nós não teve sua gralha azul; tenha sido ela – em realidade – pardal, ou cágado, que lá um dia ou noite se escafedeu dos presumidos domínios infantis, nos aplicando a amarga lição das perdas primeiras em nosso existir? Abraço; j.a.

(VERSO & PROSA)
22 de março de 2011 12:39
Anônimo disse...
Boa Tarde Poeta!

Um lindo conto com um final feliz para a gralha e triste para o menino que teve que se acostumar sem a sua preciosa ave de
estimação. É um exemplo de que nada dura para sempre e que perdas sempre teremos.
Belo conto poeta
Bjos

Carol
Carol Carolina
carolinafagundes1@hotmail.com

(SITE DE POESIAS)
22/03/2011
22 de março de 2011 17:32
Anônimo disse...
Caro poeta também fui um migrante oposto ao do conto. Deixei meu interior querido para morar na cidade grande. O fato é que eu consegui voltar porem já não é mais como era antes. O conto fala do menino e sua gralha azul eu por minha vez ainda hoje tenho saudades do meu cachorro (perdigueiro) que ganhei do querido avô. Lindíssimo seu conto, meus mais calorosos aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
22/03/2011

(SITE DE POESIAS )
22 de março de 2011 18:05

Anônimo disse...

Amigo Ediloy, gostei demais

Comentário Enviado Por: Patrícia Gurgel Em: 02/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Caro Ediloy, gostei.

Comentário Enviado Por: Carina Em: 02/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Um conto bem bonito que retrata uma infância muito rica. Parabéns Ediloy.

Comentário Enviado Por: Ester Nolasco Em: 02/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Sou puxa-saco de Ediloy, e invejoso, esse cara escreve bem demais. Agora, as ilustrações estão lidíssimas.
Comentário Enviado Por: william porto Em: 02/11/2012

belo e bem escrito

Comentário Enviado Por: Yole Em: 02/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

gostei imensamente, inclusive pelo jeito de contar

Comentário Enviado Por: Viviane Lucena Em: 03/11/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

belíssimo conto.

Comentário Enviado Por: Odete Em: 03/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Muito bem Ediloy

Comentário Enviado Por: Arlete Gomes Em: 04/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Eu também gosto muito de gralhas e até já tive uma.

Comentário Enviado Por: Paulo Henrique Em: 03/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Jeanne disse...

Encantada com seu blog. Já conhecia vários poemas seus publicados no Espaço Indigo e deveria ter feito essa visita antes, mas a falta de tempo é uma constante, um problema que estou tentando ainda administrar para dar conta de tudo que preciso fazer.
Muito lindo e significativo este texto. Parabéns!
Abs