quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A DESPEDIDA ( CONTO)*




Em frente ao espelho da penteadeira vislumbrava a sua beleza. O viço da juventude manifestava-se na tez canelada e nos cabelos de ébano escorridos sobre os ombros, no suave e enigmático par de sobrancelhas arqueados sobre os olhos graúdos e belos. Vez ou outra, traindo os pensamentos, num rito de sabor, mostrava os alvos e perfeitos dentes num sorriso velado, dissimulado.


O sobrado de n° 307 se destacava dentre os demais, ali esperava Izaura pelo amante, a visitá-la em dias determinados, nas escapulidas de seus compromissos de negócios e familiares.


As mãos, na escova dos cabelos, tornavam-se crispadas ao sabor das memórias, ora suaves, ora tristonhas...



A mente a levava de volta à fazenda, onde tudo começara. Filha de lavradores pobres, trabalhadores de seu amante, fora requisitada para os serviços domésticos, longe dos tormentos da vida roceira, castigada pelo sol inclemente e pelas más condições de trabalho. Trabalhar na casa grande era um privilégio desejado por todas as moças que lidavam com a terra. Estava entretida em sua lida quando sentiu a presença do patrão, montado em seu cavalo:



- E ai, moça, boa tarde...


( nervosa com a surpresa, a princípio sem saber o que dizer, cutucada pela mãe) - liga não , Patrão, ela é tímida...cumprimenta o dr., Izaura !



- Boa tarde ! ( respondendo avexada com a reprimenda materna)


- Izaura ? Bonito nome... quantos anos você tem ?


(a mãe tomando a frente, diante ao embaraço da filha) - Ela tá com 16 anos...


- Gostaria de ajudar na casa grande ? Precisamos de uma ajudante para os serviços de casa...


( a mãe, sempre cutucando a filha) - Responde ao dr., Izaura, que falta de modos !


- Sei não... a mãe que sabe, se ela quiser...


- Arre, claro que ela quer, dr !...



( Acertaram tudo e, dias depois, com os pertences em um pequena e simples maleta, mudou-se para a casa do patrão)



Logo se acostumou com os afazeres domésticos, sendo sempre requisitada pela patroa, pessoa fragilizada e constantemente doente. Havia no olhar daquela mulher uma certa condescendência com as atitudes do marido, mormente as que se referiam às suas conquistas amorosas, algo como resignada por não poder atendê-lo totalmente nos deveres conjugais em vista de seu estado de saúde. Homem gentil com a esposa, sempre a tratando bem, aquilo, de certa forma, a compensava, além do carinho e verdadeira paixão que ambos nutriam pelo Lauro, o único filho do casal, que vinha nas temporadas de férias escolares visitar os pais.



Izaura nutria respeito e dedicação à patroa, com quem aprendera muito, inclusive as letras, os bons modos, certo requinte aristocrático estranho à sua origem. Lauro a encantava particularmente pela beleza e humildade que transparecia tratando-a como a uma igual, apesar das diferenças sociais. Eram ambos jovens, confidenciavam-se, divertiam-se e de quem sentia saudades na ausência. Sempre recebia cartas do jovem patrão, a que respondia enternecida.



Hidalgo, o patrão. a cercava de cuidados e gentilezas, nunca forçou nenhuma situação, mas cedo ficou patente suas intenções para a jovem ama. Percebia seus olhares, a desejando, aquilo era curioso, pois não a fazia constrangida, mas desejada e querida, o que a envaidecia. Era um homem bonito, apesar da idade, tinha porte de cavalheiro, finos tratos. Era sim sedutor, amável, a cortejava em gestos, nunca se precipitando em atitudes menos confortáveis. Não se pode dizer que tenha sido enganada, gostava daquele jogo sutil de rata e gato, de certa forma, incentivava, mostrando-se mais bela e ousada nas vestes.




O tempo encarregou-se de patentear a relação extraconjugal, quase inevitável. E Izaura, como um flor desabrochada, mostrou-se uma mulher interesseira e calculista, distante daquela cabloca tímida de outrora. Sabendo-se amada, conquistou certa tranquilidade aos pais, com a doação de naco bom de terra para que trabalhassem por conta própria e tivessem melhores condições de vida. Alegando desconforto pela situação, pediu uma casa própria na cidade, para não ter que compartilhar a traição junto à esposa debilitada. Todos os seus desejos eram minuciosamente atendidos.



Mas nem tudo eram flores, ainda se sentia a outra, a amante. Queria mais, ser a dona absoluta do amante e de suas posses, mas a esposa, cada vez mais debilitada, era um empecilho. Além do que, Lauro se apresentava aos seus olhos como um homem lindo e desejado, o que a colocava em dilemas terríveis. Nutria sentimentos por Hidalgo, sempre solícito e gentil, excelente companheiro, mas o coração de jovem batia acelerado pelo enteado, quase da mesma idade, juventude excitante. E nisso era correspondida, pois o jovem também a desejava, sem conhecer a dupla vida de seu pai.



Hidalgo, o bom , o encantador, era agora algo que incomodava, que a impedia de ter sonhos maiores...por que o pai, ainda elegante, mas velho, se teria o filho, herdeiro único, belo e jovem ?



Aqueles pensamentos tumultuados vinham de forma frequentes , cobrando atitudes imediatas, tirando-lhe a paz.



Hidalgo chegaria a qualquer momento, o vinho estava pronto, as taças, tudo como ele sempre apreciava. Havia dito que passaria por breves momentos, pois estava com pressa, teria que retornar à fazenda, assuntos imediatos, acompanharia o médico para uma consulta com a esposa, que piorava dia a dia.



Ao adentrar a porta, Hidalgo, recebido efusivamente por Izaura, que era outra mulher, não mais dividida entre dois homens, mas inteira para ele, nisso não dissimulava, tinha imenso prazer com as furtivas visitas do homem que partilhava com a outra.



O brinde foi rápido,mas festivo, embora Hidalgo não escondesse suas preocupações com o agravamento do estado de saúde da esposa. Beberam alguns goles, se abraçaram, e seguiu viagem no compr0misso de retornar em breve, conforme o combinado entre eles.



Ao ficar só, Izaura tremia, em confusões mentais, em arrependimentos tardios.



Só voltou a ficar tranquila quando se anunciou Lauro, que vinha vê-la, enamorado.



Todo o desejo represado em tanto tempo, na etílica sugestão alcóolica estimulante, se entregaram em louca paixão.



No meio da noite, acordados por um emissário, levantaram-se aturdidos.



Hidalgo passara mal na fazenda, vindo a falecer. Acreditaram tratar-se de um infarto pelas atribulações com a saúde da esposa, também próxima da morte.



A sós, na pia do banheiro, Izaura esvaziava o litro contaminado com o veneno...






* texto escolhido para figurar na Antologia de Contos "Amor & Desamor" da editora CBJE, lançamento em abril 2010.






20 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de José Antônio de Azevedo:

Gostei do conto e mais ainda, do fecho. Um estilo macio e relachante de se ler. Parabéns. ..

(Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

Comentário de Jorge Cortás Sader Filho:
Ora, ora, se o Ferraro não é um discípulo de Shakespeare! O final prova, Bom conto. Parabéns. .

(Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

Comentário de Ana da Cruz:

Hummmmm. Muito bom te ler entre nós.

(Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

Poeta Ediloy,parabéns pelas belas poesias,poemas e contos que escreve.
É um grande prazer ler e comentar seus textos.
Um abraço

Regis Paiva
Regis Paiva
rd_paiva@ig.com.br
19/08/2010

Anônimo disse...

Que lindo conto, sabe que eu adorei escrever contos, mas falta-me tempo...Inclusive, gosto de te ler para ter uma base , uma formação, Seus textos são belos....
beijos,

soraia
Ciganita
soraiassantiago@hotmail.com
20/08/2010

Anônimo disse...

Parabéns caro poeta por mais este lindo conto, sempre que leio um texto deste "calibre" fico meio que embaraçado para comentar, de qualquer forma é sempre um prazer ti ler. Meus sinceros aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
20/08/2010

Anônimo disse...

O Ser é uma composição de dois elementos, o profano, e o sagrado, nosso estado de espirito, é que vai nortear o que seremos num determinado momento, ora seremos contidos por pensamentos relevantes, e espirituoso, onde o universo e suas criações são soberanas, e hora seremos profanos , onde as tentações materiais farão nossa satisfação momentânea, e nesta bi-polaridade, vivemos nossas vidas materiais.. a sobrevivência é uma luta que depende dos sonhos, alem das providências que ja conhecemos, tais como trabalho, estudos etc, mas tudo isto movido a sonhos, e a parte mas instigante do imaginário, são os pensamentos erôgenos, porque nos leva a fazer uma porção de coisas em busca de realizá-los... Seus contos são criativos demais, fantásticos. Parabéns sempre. Beijoss
Xama
xama_12@hotmail.com
21/08/2010

Anônimo disse...

Seria muita falsidade minha não compreender Izaura e até aceitar seu deslizes imorais e interesseiros. Até hoje muitas mulheres bonitas e simples, adolescentes, caboclas, negras e mulatas são tratadas com o machismo antigo , do estilo "casa grande e senzala", inclusive até nos dias de hoje, jovens se casam com mulheres brancas por puro status. O que é isso?? Descordo plenamente. Depois essas mulheres são traídas pelo desejo que os homens tem pelas Izauras da vida, que na mentalidade deles só serve pra isso mesmo, sexo. Qual é?? Veneno neles!!!!!!!! Bjsss



Elisa Maria Gasparini Torres
emgari@yahoo.com
22/08/2010

Anônimo disse...

Gostei desse conto. Meio surreal, mas é muito bom

Comentário Enviado Por: Arlindo Pompeu da Silva Em: 04/5/2010

Anônimo disse...

Gostei. Um enredo bem desenvolvido

Comentário Enviado Por: Sara Rocha Em: 20/4/2010

Anônimo disse...

Gostei. Um enredo bem desenvolvido

Comentário Enviado Por: Sara Rocha Em: 20/4/2010

Anônimo disse...

Seu conto me fez lembrar de uma "Isaura", que era a dona do sobradinho que meu pai comprou para nossa moradia. Acho que ela não envenou o amante, mas sabe-se (fofocas), que ela lhe tirou muito dinheiro.

Comentário Enviado Por: ivette gomes moreira Em: 20/4/2010

Anônimo disse...

Gostei do conto. Bem articulado e criativo. O contista promete

Comentário Enviado Por: Zuleide Lima Em: 20/4/2010

Anônimo disse...

Ediloy Ferraro, você é fera no conto

Comentário Enviado Por: Márcia Figueiredo Em: 20/4/2010

Anônimo disse...

O Ediloy Ferraro é um autor novo, mas deixa expressa nesse conto sua bela inventividade. Parabéns

Comentário Enviado Por: Mateus Ferreira Em: 19/4/2010

Anônimo disse...

Fiquei impressionado com a esperteza dessa Izaura. parecia uma bobinha da roça e crau... envenenou o homem

Comentário Enviado Por: Sebastião Rocha Em: 19/4/2010

Anônimo disse...

Mulherzinha interesseira essa Izaura, meu. Tornou-se uma assassina pela ganância. Nada a ver com amor.

Comentário Enviado Por: Paulo Henrique Em: 19/4/2010

Anônimo disse...

Ediloy, que criatividade! Parabéns

Comentário Enviado Por: Eleuza Xavier Em: 19/4/2010

Anônimo disse...

O instinto animal é composto por ira, egoismo, ganancia e outros; O humano tem a moral e civismo e sentimentos: amor e odio, que o diferencia de outros animais. É correcto que eu me baseie em teorias morais e éticas para explorar e apresentar meu pensamento em tao esplendida e habitada obra de razoes, conficoes humanas e demais incubindo nele o sentimentalismo humano.
A Izaura é humana e logo animal: tem pretencoes - mesmo que as desconhecesse - e desejos. O que soerguiu em seus pensamentos foram gradualmente: ganancia e amor, conflitos e dor e a busca por uma solucao (justa ao seu parecer); inexplorando a moral e alimentando se do desejo por mais (instintos animais) obstruiram lhe varios conceitos: o negrume feito profano, a infancia antagonica a sua nova realidade; e novos adoptados: sacrificios por bens maiores. Julgar nao cabe a mim, sou um opacu observador. Mas à Izaura... Todos temos historias tristes sobre vitorias morais - o que faz de nós viventes de uma sociedade impregnada de bons principios para asceder como humanos. A Izaura ira matar mais para alimentar seu vil egoismo e ganancia e isso esta fora do raciocinio criado e adoptado pela sociedade civica e moral. Meu paupérrimo comentario nao releva a significancia conceitual de sua obra. Reflexao necessaria e mais ética em nossos centros educacionais para que belas 'Izauras' permanecam puras mentalmente e emocionalmente perante tao tristes vivencias sao obrigatorias. Grande Ediloy, desta foi de vez. Meus sinceros e humildes aplausos...

O_crime_perfeito
O_CRIMEPERFEITO@HOTMAIL.COM
12/09/2010

Anônimo disse...

Não pude conter a vontade de mostrar-lhe meu apego a este maravilhoso texto. Mas uma vez parabéns por tão digno exemplar de escrita.

O_crime_perfeito
O_CRIMEPERFEITO@HOTMAIL.COM
26/10/2011

(SITE DE POESIAS)