quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Hinos & Lendas




Postados em filas indianas, camisas brancas, calças azuis marinho, perfilados, atentos aos gestos bizarros da professora de música, figura curiosa, esquálida, alta, de nariz adunco e expressões teatrais, entoava-se a canção coletiva. O sol da tarde ardia nos rostos dos alunos, cantando em uníssonas vozes desafinadas, que iam ganhando corpo, virando um coro. Rotinas de entrada, os hinos pátrios executados.
Aquela maestrina improvisada, esbelta e feia mestra, com uma varinha feito uma batuta, harmonizava a cantoria. Resignada e esforçada, tentando tirar virtuoses de vozes desencontradas, era motivo de escárnios, pilhérias e gozações. Soubesse ela os comentários silenciosos que se ouvia entre a petizada, talvez abdicasse de suas tentativas infrutíferas.





Solene, cerimoniosa a subida ao mastro, a bandeira levemente ascendia, escolhido a dedo aquele que puxaria o cordão, em postura de respeito, no vagar da canção entoada. Lábaro venerada, flanava altaneira, findo estava o breve espetáculo. O balouçar no alto, impulsionada ao vento,  imprimia uma certa veneração àquele pano retangular verde e amarelo, na faixa branca, com suas estrelas no fundo azul celeste, ostentando as palavras Ordem e Progresso.
Todos iam para as suas salas de aulas, nos estribilhos dos hinos, ainda presentes aos ouvidos, os questionamentos infantis me acompanhavam, tantas palavras, pronúncias raras, o que seria?
Pouco se entendia, acompanhava-se, o ritmo enternecia. Em versos dizia de rios caudalosos e imensas florestas, estranho aquele mundo, para um petiz interiorano. Cidade pequena, parcas lagoas e riachos singelos, como imaginar imensos mares e grandes rios ? De que mundo falavam aquelas letras, entoadas no coletivo, com tantas mesuras e considerações? 
Um povo heróico, beligerante, em grandes façanhas, cantares de guerras, tão distante do povo conhecido, simplória gente com quem convivia. Jamais teriam participado de nada ousado, além de suas rotinas pacatas e previsíveis. De que gente, afinal, tratavam ? E por que os obrigavam ao canto, embora não fosse desagradável, mas uma farra gostosa, ver a magrela com aquela vara gesticulando, imperdível! Além do cerimonial da bandeira, lindo!


Falavam em morte, caso a pátria fosse aviltada, invadida, como diferia a narrativa da placidez dos dias vivenciados, apenas valia a pena a canção que emocionava, cantada aos trancos, mal balbuciadas palavras ininteligíveis, cumprindo um ritual estranho, sem explicações. Com que fleuma se postavam os demais professores, contritos, mãos ao peito,  solenes e sóbrios, nos acompanhando naquelas execuções musicais. 
Como estórias e lendas, cantava acompanhando os demais, repetindo como a um mantra, mesmo não entendendo a letra, embalado em outros sonhos, representando, ou entendendo ao meu modo, que já não me lembro qual seria, alheado e desconfiado.  Às crianças cabiam a obediência, aos adultos  o respeito de condutores da educação. Assim, como mandavam, cumpria-se. Divertia-se com tudo, tal é a inocência dos primeiros anos.
Contudo, no silêncio dos questionamentos, repletos de dúvidas, não compreendia os fatos, imitava os demais, que por sua vez também não entendiam nada. Qual a procedência daquele povo enaltecido nas canções, com certeza seriam estrangeiros, com usos e costumes diversos, então, por que cantar aquilo? Perguntas que o tempo encarregou-se de esclarecer, mas naqueles momentos eram eternas interrogações para o restrito universo de uma criança.  Caraminholas na mente, ainda infantil a não atinar com conceitos.

  Como papagaio repetia, tantas estrofes indecifráveis no parco vocabulário de que dispunha, restavam as melodias que encantavam, lembrando os louros da Independência, da Bandeira e seus simbolismos enaltecidos, a Proclamação da República, um brado retumbante às margens do riacho do Ipiranga, emocionava o coro desafinado, inocentes falando em tantas bravuras.
Imagens revividas ao ouvir, ainda nos dias atuais, o entoar disciplinado, como uma oração, que nos chegam aos ouvidos dando-nos um sentido coletivo, pátrio, emocionante...

 
 publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários - São Luiz/ MA( rumo aos 7 milhões de acessos na internet), com ilustrações da poetisa e contista MEL ALECRIM.

12 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de Albérico Silva de Carvalho:

Poeta Ediloy, quando leio seus contos enriqueço, como é bom tê-lo aqui nessa casa, aprendo muito, me inspiro e festejo meu vocabulário.Parabéns.
Abraços!

(VERSO & PROSA)
20 de maio de 2011 19:12

Anônimo disse...


Comentário de Ana da Cruz:

Parabéns pela narrativa!

(MURAL DOS ESCRITORES)
20 de maio de 2011 23:56

Anônimo disse...


Caro poeta, lindas lembranças me apetecem neste conto. Devo admitir que fui acometido por uma forte emoção logo que comecei a ler. Veio-me em mente os momentos que para mim eram mágicos nos meus tempos de escola primária. A formação em fila fazia meu coração pulsar mais forte, sobretudo nos momentos que antecediam ao Hino nacional nas datas mais importantes do calendário político do nosso país. Sinto que hoje já não há mais aquele espírito de patriotismo pregado nas escolas, aja visto que não temos mais no currículo escolar as aulas de (Educação Moral e cívica) que ajudavam muito na formação e valorização do caráter humano. O texto é muito rico do ponto de vista didático porque a maioria dos nossos jovens não tiveram a feliz oportunidade de participar destes momentos históricos do ensino brasileiro. Parabéns por mais este lindo conto, (Obs. No meu tempo de escola eu só não admitia ter que chamar (Bandeirante) de herói. Meus calorosos e emocionados aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com

(SITE DE POESIAS)
21/05/2011

Anônimo disse...

21 de maio de 2011 19:33

Tempos de escola, saudades, os desfiles, as comemorações, como é engraçado, na época a gente achava tudo muito chato e a única coisa bacana era que enquanto se comemorava não tinha aula. Hoje podemos perceber o quanto fomos felizes por poder participar de uma época romantica e mais humana, apesar da ditadura... estamos vivos e devemos comemorar sempre isso... muito emocionante, mais uma vez, meus sinceros aplausos,...

Grande Abraço
Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com
23/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


Fez-me lembrar do meu tempo de criança..quando ficávamos em fila com a mão no peito cantando um hino que muitas vezes não sabia as estrofes...


Saudações

Kátia Kelly
Kátia Kelly
katia_kelly@hotmail.com
24/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Não sei se é conto ou memórias, mas gostei

Comentário Enviado Por: Larissa Dias Em: 22/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Gosto de hinos, fiquei contra durante a ditadura, acho o da República mais bonito aquele o Liberdade abre as asas sobre nós, e o do ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil, mas, meu caro Ediloy, sou seu fã, gosto mesmo é da Marselhesa, principalmente no filme Casablanca.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 22/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Gostei. Beleza mesmo.

Comentário Enviado Por: Ninom Em: 22/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Um conto-memória? Dos bons.

Comentário Enviado Por: Joice Carvalho Em: 22/11/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

De mestre.

Comentário Enviado Por: Rita Teixeira Em: 22/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

De boa, parabéns.

Comentário Enviado Por: Carla Porto Em: 23/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Muito bom e poético até

Comentário Enviado Por: Túlio Maranhão Em: 24/11/2012

(BLOG DO LIMA COELHO))