quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Aguardada visita




Uivos e mudos lamentos na noite, distante lobo da alcateia, parecendo absorto em seu mundo. Alcoólicos ares, a mente liberta, dores extravasadas, na umidade das retinas, traindo lágrimas repentinas de pensamentos obscuros, recluso em si mesmo.
Naquele curto espaço de uma mesa encostada na parede, duas cadeiras, um exílio voluntário, reservado espaço para amarguras confidenciadas a si mesmo, solilóquios intransponíveis, enredos íntimos como pérola escondida no âmago da ostra. Nos cantos da boca, como sorrindo irônico das funestas lembranças davam azos a furtivos sorrisos, como memórias hilárias.
Balanço anestesiado de seus rancores, passagens desfilando na mente, revividos passados presentes em instantes, amores mal amados, pilhérias e insucessos naquele universo restrito, no vazio da garrafa, a única presença naquela ilha, companhia daquele homem que parecia não estar ali, mas distante, ausente, imerso em suas cogitações. Curiosamente, contudo, mantinha uma cadeira vazia, como se esperasse alguém, sempre na espera, mesmo na certeza de que  não seria ocupada. Presença ausente em sua melancolia, presente, todavia, em recordações vivas, vãos sonhos acalentados por uma visita nunca aparecida...
Apenas no semblante denotava o que lhe ia no íntimo, devaneando em sua solidão, arriscando risos inacabados, nascidos em momentos e falecendo rápidos, como se negando a voos mais felizes... ainda que lembrassem risos eram risadas amargas, sufocadas,entremeadas em sustidas lágrimas, brigando consigo mesmo para não transparecer a intimidade a alheios olhos. Autopiedade, estrela embaçada, no brilho opaco do vidro do copo, vislumbres de sua imagem, detido em suas viagens pessoais, resgate de momentos vividos, inescrutáveis a terceiros.
Ritual  que se repetia, dia a dia, semanas, meses, anos, sempre a figura enigmática, solitária, atraindo atenção de olhares curiosos, mergulhado em seu mundo hermético, inacessível atmosfera plasmada onde habitava sua única personagem,  cenário exclusivo, na reclusão de um só habitante, ermitão na azáfama das rotinas de milhões de vidas açodadas em suas pressas e afazeres...


 
Contrariando sua rotina de costume, vez ou outra, como se dirigindo a alguém inexistente para todos, olhava e parecia conversar em troca de olhares, pequenos gestos, a estabelecer contatos como se a companhia da cadeira vazia estivesse chegado, enchendo-o de vida. Raros instantes em que o semblante irradiava luz e escassa alegria. Detinha a mão suspensa no ar, como querendo alcançar a imaginária figura, em meneios de afagos, um filme mudo,  uma representação tosca, tolerada pelos demais, por conhecê-lo há muito tempo, em seus desvarios solitários e silenciosos. Para alguns apenas um ébrio na noite, suportado por não importunar ninguém, a viver sua história surreal circunscrita a seu mundo incompreendido. A outros tido como um maluco inofensivo, enredado em um drama pessoal não revelado.
Sorveu ávido vários goles, parecia animado, distinto do hábito de levar horas bebericando, como se, de súbito, demonstrasse pressa. Parecia aliviado ao levar o copo à boca, sorriu abertamente um desatento riso, quase infantil,  levantando a mão em um brinde a todos, pendeu a cabeça como se buscasse a si mesmo. O tempo inclemente a cobrar das gentes, nos colocando a nu às desventuras, tornando-nos implacáveis juízes de nós mesmos, a pó expondo ilusões efêmeras, acuado em pena de si mesmo, encosto de desgostos e iras, bravatas de bêbedo, escárnios de alheios.
Naquele noite, diferentemente de todas as inúmeras outras, levantou-se ereto e cortez, dirigindo-se à invisível pessoa que o acompanhava, e, como se estivesse de braços dados com ela, atravessou imponente e garboso o corredor extenso do bar, embevecido por aquela companhia inusitada, parecendo estar feliz como jamais fora visto antes.
Na esquina de constante trânsito e carros em velocidades,  equilibrou-se em falsos passos, devolveu parcos risos rasos e adentrou negligente na passarela.
Seu corpo foi lançado na altura de alguns metros, espatifando-se no solo, com um indescritível sorriso de felicidade... Morte instantânea.



 
Alguns afirmavam, impressionados, tê-lo visto levantar-se, empertigado, acompanhado de uma mulher sedutora e bela, e sumirem na multidão... 

(Ilustrações do Blog LIMA COELHO (http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=6985) - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS - SÃO LUIZ / MA)

SELECIONADO PARA FIGURAR NO LIVRO PANORAMA LITERÁRIO BRASILEIRO, DENTRE OS MELHORES CONTOS DE 2012 DA CBJE, RIO DE JANEIRO-RJ.

AGUARDADA  VISITA   (CONTO)

* SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA CONTOS FANTÁSTICOS, EDIÇÃO ESPECIAL JANEIRO DE 2012, EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

18 comentários:

Anônimo disse...


04/04/2011 09:59 - Capitão Anilto

Muitas vezes o que o bêbado espera é exatamente isso: um convite da Morte para acompanhá-la. E que seja feliz do outro lado...

Para o texto: AGUARDADA VISITA (T2887302)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...


03/04/2011 15:42 - Armando Morais dos santos *

Valeu grande amigo do recanto, parabéns por seu belo canto, gostei muito, sempre assim, eles ficam na mesa de um bar sempre pensando no passado, ou as vezes esperando por quem nunca vem. Abraços e boa sorte.

Para o texto: AGUARDADA VISITA (T2887302)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:33


Comentário de Ana da Cruz:

Hummm... Calafrio, hein?

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...


5 de abril de 2011 11:49

Oi, Ediloy, Boa Tarde

a emoção que temos ao ler seus contos, maravilha de narrativa porem em sã consciência ninguém quer receber essa visita ... muito bom

Abçs
Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com

Anônimo disse...


6 de abril de 2011 00:07

Se não formos hábeis na arte de viver, viveremos trôpegos e desiludidos, sem esperança numa vida vazia e tendo por companhia nossos fantasmas e fantasias.Nascemos só e se não soubermos viver estaremos sempre ´sozinho à espera do inevitável que tarda mais virá.

Bravo!!!

ubirajara
caravanapoeta@yahoo.com.br
06/04/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


6 de abril de 2011 09:26

Comentário de Geane Masago:

Nossa caro Ediloy, um conto forte. Até quase no fim estava eu aqui lendo e imaginando. Quantos destes não há por ai. Ao chegar no fim. estranhei. Li que o tal homem morreu. rs Uia, cruzes! rs...

Quanto te leio. Começo e vou até o utimo parágrafo. São textos que prendem a minha atenção, até o fim. Muito bom...

( VERSO & PROSA)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:35

Adoro a escrita do Ediloy. Mesmo as tristes.
Parabéns, amigo!

Comentário Enviado Por: Leila Jalul

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


22 de janeiro de 2012 12:37

Gostei muito !

Comentário Enviado Por: Janaína Em: 22/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:38

Valeu, Ediloy !

Comentário Enviado Por: Ingrid Daniela Em: 21/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:38

Ediloy, seus contos estão cada vez mais redondos, mesmo quando densos

Comentário Enviado Por: Márcia Lopes Em: 20/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:39

Muito bom. Feliz 2012 !

Comentário Enviado Por: Charles Lamounier Em: 20/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:39

Gosto de seus contos

Comentário Enviado Por: Lúcia Viana Em: 20/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:40

Ediloy, não é fácil contar sobre gente sem rumo e infeliz.

Comentário Enviado Por: Mirtes Trinta Em: 20/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:40

Muito triste e desgraçado. mas tem gente que vive assim mesmo

Comentário Enviado Por: Tati Em: 19/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:41

Caro Ediloy, meio triste e solitárioa, mas é a vida

Comentário Enviado Por: Janaína Em: 19/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:41

Ave Maria, Ediloy. Nós dois começamos o ano com atropelamentos em nossos contos. Vamos nos alegrar para 2012? Abração, Ivette

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 19/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

22 de janeiro de 2012 12:42

Ferraro é bom escritor, escreve para nos fazer refletir sobre nossa selva de pedra.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 22/1/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

23 de janeiro de 2012 15:03

Ediloy, valeu !

Comentário Enviado Por: Carlos Pereira Em: 23/1/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)