sexta-feira, 20 de novembro de 2015


76º texto publicado em livro de antologia de contos, novembro de 2015, editora CBJE-Rio de Janeiro-RJ.

Choro na viola



 

No espaço do bar, entoando a viola, tirava acordes, transpirando suas nostalgias em poemas líricos de própria lavra, sinceros e belos. Saudosas canções, jamais alegres, embora lindas, falando de um amor passado, asas das saudades... O ritmo do instrumento parecia lágrimas sentidas acompanhando a voz afinada e tristonha do violeiro. O lirismo compungido fazia do ambiente algo íntimista, atraindo a atenção dos frequentadores. Seriam lágrimas transmutadas em cantos, ou prantos disfarçados em sons?
No embalar de suas entonações, imagens casadas com a natureza bucólica, reminiscências de sua origem rural, enfeitando um cenário onde debulhava suas saudades em trinados melodiosos e nostálgicos. Vagava muito além daquele ambiente, viajante introspectivo em seu universo pessoal, restava ali sua presença física, seu rosto denotando suas emoções, seu cantar inspirado, feito um canário em uma gaiola, onde não se sabe se canta ou chora suas desditas de prisioneiro.
Apenas a viola como companheira, atraindo a atenção dos presentes, envolvidos na aura melancólica do intérprete carismático, de afinada voz melodiosa. Em sua prosa lírica, confrangendo emotivos da assistência, onde as falas se comunicavam com muitos, visto a infância comum de alhures lugares, pontuadas em lembranças de simples vidas campestres.

O artista vivifica momentos, extasia a plateia em qualquer palco que se apresente. Seja em qual instrumento for, no toque de um piano, no dedilhar das cordas da viola cancioneira, ou ainda de uma gaita a bailar nos lábios. Mesmo no pandeiro rasteiro na harmonia da percussão de uma bateria de escola de samba, feito em canções, lamentos e louvores se mesclam inspirados, trazendo o choro feito arte, invadindo corações e incendiando e reverberando luzes. Ainda que tristes, soturnas, as notas extraídas. emoções evoladas, libertas amarras em sonoras expressões. Lágrimas e lástimas, em poesias ritmadas, libelos das dores em libertação.
Ali estava o poeta e sua viola, abraçado a ela como se fosse a amada distante, revivida em sua poesia e sons lamuriosos, consumido de saudades. Histórias de vidas, relembradas, amores deixados no tempo em amargas despedidas. Enlaça seu instrumento, extensão de sua voz e dor, cúmplice, nas incursões sofridas da memória. Brando choro sonoro em notas musicais, mágoas cantadas, dedilhadas, ecoando, pranteando e encantando.
Em cada face dos presentes, embalados na melodia, como se o sentir de agora doesse nas almas revivificando momentos, o fenecer das alvoradas e entristecer dos ocasos, pintados em rubros arrebóis. Cada Ser um universo, arquivo inescrutável de suas intimidades. Na muda leitura que cada nota inspira, tocando corações. O que nos une, na sincronia humana, são as emoções, manifestas em sorrisos e até em lágrimas de alegrias e de dor.
O gosto, aromas e sabores, sentimentos pelas flores, encantos dos pássaros, fases do dia, esquadrinhado em horas, rotinas. Furtivas sensações, pinturas de um quadro, detalhes de uma escultura... Paixões revolvidas, em canções ouvidas, curtidas e sofridas. Tantos sentimentos se misturam, meiguice de crianças, nuvens em desenhos, gostosas gargalhadas, perfumes, queixumes e humores...
Águas correntes, límpidas, cristalinas, nascidas nas retinas de almas sensíveis, passíveis de emoções. Escorre nas faces, nublando sorrisos, deixando cicatrizes. Alegria de chegadas e amargas despedidas. Ânimos de euforias, pesares e agonias, levando, deixando, sinais na vida, sulcos em leitos secos dos rios.

Olhares alheados, enviesados sentidos, ociosos momentos. Bolhas de sabão em vagos pensamentos, nau sem rumo, sensações oscilantes, sentimentos refutando tormentos. O que se buscava, cada qual, era o enternecimento em suas próprias viagens íntimas, saboreando lembranças, descortinando vidas. Aparente indolência calma, inspirados nas canções. Desafios às emoções, um adeus abraço, distâncias presentes, a imagem de quem vai, ausência doída que fica, lembranças queridas.
Como regente de uma orquestra, dando as ordens com a batuta, no interior de cada ente, suas verdades em silêncio, como barcos singrando extenso mar, com matizes próprios, escritas com os dias de cada vida. Estradas, partidas, despedidas,sumindo, consumindo.
Estrela guia, ou sugestão apenas, evolava no ar aqueles acordes, despertando sensações, sentimentos. Oníricos instantes, devaneios e magias, girando as mentes distantes naquela canção, percebida de forma sutil e diferente em cada qual.
Carícias, aragens finas, beijo leve, um sopro ou uma brisa perfumada, suave música convidando aos sonhos, ninando felizes crianças embaladas na ternura. Evasiva canção, solidão muda, curtida, versos doloridos, pungentes. Alardeia lamentos, saudades, passado, entretendo pesares presentes, levando nas dores cantadas, como as águas correntes que buscam o mar, amainando o sofrer...
Dedilhadas notas leves, sonhos doces em emoções, enlevos para Seres carentes, inspirações, sons, acordes na viola, brota nasce, uma canção. Trazendo suave, à flor da pele, trinados maviosos, sons harmoniosos, asas para sonhar... Um mundo inteiro, cheio de deleites, luzes interiores, tristezas, mágoas, desencantos e cicatrizes levadas das almas, feito roupas sujas lavadas e alvejadas. O sumo imundo, escorrendo, sumindo. O canto encantado em formosas notas, vibrantes, etéreas mensagens na atmosfera, nimbadas em clarões, aureoladas na paz...

    PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E ARTIGOS LITERÁRIOS - SÃO LUIZ /MA (COMEMORANDO 6 MILHÕES DE ACESSOS NA INTERNET) - ILUSTRAÇÕES DE MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA.

19 comentários:

Anônimo disse...

Anônimo disse...
29/05/2011 22:49 - nelson *

excelente! é como viajar no tempo e reviver uma epoca em que musica era uma mensagem divina ligado a algo desconhecido que embalou geraçôes e escreveu poemas belissimas gravados para sempre nos livros da historia...infelizmente no Brasil a boa musica morreu e estará para sempre sepultada nos areais do tempo. até os gigantes como, djavan, chico buarque,e tantos outros estâo silenciosos e adormecidos.

Para o texto: O CHORO NA VIOLA (T3000928)

(RECANTO DAS LETRAS)
25 de julho de 2012 15:46

Anônimo disse...


30 de maio de 2011 00:03

Comentário de Ana da Cruz:

E uma viola chora, quantas lembranças não traz, mas que linda melodia. O seu conto homenageia os violeiros do nosso Brasil.

(MURAL DOS ESCRITORES)
25 de julho de 2012 15:47

Anônimo disse...


31 de maio de 2011 00:35

Comentário de Albérico Silva de Carvalho:

...bela inspiração poeta, rastro de estrelas iluminando a sua imaginação. Cada conto, é um conto a nos propiciar novos deleites.
Abraço poético!

(VERSO & PROSA)

Anônimo disse...


31 de maio de 2011 14:49

Amigo!
Permita-me aplaudir inúmeras vezes este conto poético maravilhoso, enriquecido com tantas palavras vivas, lindas, o choro do músico-poeta da noite perdido em sonhos e devaneios ,
"um lamento de saudades, lembranças que explodem em notas musicais, as mágoas dedilhadas e cantadas, pranteando a dor...tocando corações"
Amei este conto!!!!!!!
bj Taís

Taís Vargas Mariano
taismsdos@hotmail.com
31/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


1 de junho de 2011 00:20
.
Que belo conto...
Lembranças saudosas e uma viola...

Belo cantar aqui...

Bjinhos e linda tarde.

Vania Staggemeier
vaniastral@yahoo.com.br
01/06/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

25 de julho de 2012 15:49
Anônimo disse...
Caro poeta como é lindo o som da viola. Este conto me fez relembrar o meu tempo de garoto quando dormia ouvindo a viola do meu velho pai, nas noites de luar ou na luz de um lampião, como era lindo. Hoje ao ler este conto me bateu uma saudade matreira daquelas que bate "pregos" em nosso coração. Lindíssimo conto, meus mais sinceros e calorosos aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
01/06/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

.
01/06/2011 21:37 - Fernando A Freire

A música utilizada como um idioma que a humanidade entendem. A expressão melódica de sentimentos como: alegria, tristeza, dor, amor.... traduzida em palavras. Um violeiro mudo, e sua viola dizendo tudo. E, na regência, um contista se valendo das vírgulas para reger a suavidade da canção que o leitor parece ouvir. Não sei se li um conto ou uma partitura. Vejo, diante de mim, um artista fantasiado de contista.//Parabenizo o seu talento, envolvido, agora, em ondas sonoras.

Para o texto: O CHORO NA VIOLA (T3000928)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

25 de julho de 2012 15:53
Anônimo disse...
01/06/2011 20:45 - Capitão Anilto

Um poético, criativo e inspirado texto. O personagem analisado confunde-se com o autor,tamanho é o lirismo do texto. Parabéns.

Para o texto: O CHORO NA VIOLA (T3000928)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

25 de julho de 2012 15:54
2 de junho de 2011 16:40

Comentário de José Antônio de Azevedo

Um conto poetado, contado chorosamente como choram as cordas da viola. Muito bom, parabéns. Um gênero diferente para mim.

(MURAL DOS ESCRITORES)
25 de julho de 2012 15:55

Anônimo disse...


Ediloy, achei muito bonito e poético

Comentário Enviado Por: Mari Em: 25/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Um bom conto.

Comentário Enviado Por: José Alcestes Em: 25/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
25 de julho de 2012 15:59

Anônimo disse...

Esse chorinho de Ediloy é arretado. Um escritor de verdade.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 25/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
25 de julho de 2012 15:59

Anônimo disse...

Delícia de conto. Ouvi o violeiro.

Comentário Enviado Por: Márcia Lopes Em: 24/7/2012


(RECANTO DAS LETRAS)
25 de julho de 2012 16:00

Anônimo disse...


Muito bonito. Dá emoção

Comentário Enviado Por: Luana da Silva Em: 24/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
25 de julho de 2012 16:00

Anônimo disse...


Ediloy, que estoria calorosa

Comentário Enviado Por: Maria Inês Em: 25/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
25 de julho de 2012 18:37

Anônimo disse...

Valeu Ediloy

Comentário Enviado Por: Eunice Feitosa Em: 26/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
26 de julho de 2012 12:54

Anônimo disse...


Gostei. Acho a figura do violeiro meia solta no mundo a cantar. Gosto.

Comentário Enviado Por: Risoleide Em: 26/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
26 de julho de 2012 15:30

Anônimo disse...

Ediloy, esta é, sem dúvida, a merecida exaltação da viola e do violeiro. Muito bonita, mesmo. Abração

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 01/8/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


05/10/2012 17:03 - Moacir Rodrigues:

Viola do matuto, da gente humilde do interior, viola das canções sertanejas, coisas que pouco se vê, está acabando. O som metálico está ensurdecendo os cantadores de violas.Obrigado pela visita.Abraço.

Para o texto: VIOLA NA ESTRADA (T1384210)

(RECANTO DAS LETRAS)