quinta-feira, 16 de julho de 2015



Meu 72º conto publicado em livro em NOSSOS CASOS, NOSSOS CAUSOS, antologia de contos, editora CBJE - Rio de Janeiro-RJ, lançamento em 20 de setembro de 2015


Alegria ambulante




Parecia que o céu descia à terra, abençoando a todos seus filhos injuriados e desconsolados, assim era quando na pequena cidade anunciavam a chegada do circo. Pequeno vilarejo, onde o tempo tinha preguiça, o sol queimava a pele e os dias se arrastavam sempre iguais.
O anúncio da novidade enchia os corações, a molecada se agitava, todos corriam para ver as instalações, a lona remendada sendo erguida em terreno baldio e ermo, parecendo a solenidade de levantar a bandeira nacional, as acomodações do pessoal da trupe em tendas de pano, lembrando comboio cigano, de certa forma eram errantes, como nômades, hoje aqui, amanhã acolá.
Assim, durante as preparações, aquele público impaciente acompanhava cada movimento dos trabalhadores circenses, não os enxergando  como artistas mas trabalhadores, carpinteiros e eletricistas, sem as indumentárias de shows,  carregando coisas, limpando a área, testando os equipamentos.de som e de luzes. O mundo encantado dos pequenos acompanhantes se descortinava aos olhos de todos, do chão batido e limpo das ervas e matos, aprontava-se o picadeiro, de tábuas empilhadas montavam-se as arquibancadas, A cortina de estampa colorida divisava o palco da retaguarda, local onde os artistas ensaiavam suas participações,  o mágico preparava suas proezas, os equilibristas em trajes de roupas luminescentes, a bailarina dava os últimos retoques, o sonoplasta seguia os movimentos acompanhando com o fundo musical. Todo um conjunto de uma equipe coesa para dar ao espetáculo as cores necessárias, angariando aplausos e assovios, fabricando sonhos e encantos.
A calmaria da cidadela revolucionava-se, ganhava brilho. A azáfama dos habitantes alterava-se com o carro de som estridente anunciando as peripécias daquela noite, imperdível, sensacional, inacreditável espetáculo, atraindo a atenção até dos mais indiferentes. Sem nenhuma modéstia vendiam seu peixe, anunciando “o maior espetáculo de todos os tempos,” com a condescendência do público, mais interessado na diversão que na veracidade da propaganda, enganosa, com certeza. Malabaristas adquiriam nomes esdrúxulos, estrangeiros, para valorizarem a apresentação, como se fossem astros internacionais.  Seguiam um grupo de palhaços com cornetas em algazarras, jogando confetes, cumprimentando os passantes.



 De súbito, crianças obedientes, educadas, procurando merecer o direito de frequentarem as sessões, convencendo seus pais a garantirem os ingressos. O comportamento era exemplar, todos primorosos, temendo ficarem de fora da brincadeira, penalizados em castigos por qualquer imprudência. Ninguém ousava desafiar as ordens paternas e maternas, pareciam transformados, mesmo que não passavam despercebidos pelos adultos a razão de tanta “santidade” inesperada. Era um tempo de paz, um armistício temporário, uma dissimulação aceita com certa indulgência pelos pais, aliviados.  Até na escola o ambiente melhorava, ninguém queria ter uma anotação na caderneta, risco certo para a exclusão da regalia tão almejada. Assim, nenhum atraso na chegada às aulas, brigas no recreio nem pensar, lições na ponta da língua,  Respirava-se, estranhamente, naqueles corredores uma respeitosa convivência entre os alunos, sem correrias e gritos,  irreal em outras circunstâncias. A direção bendizia a chegada do evento festivo, reduzia suas tarefas de vigilância e disciplina. Os professores em sala sentiam a diferença, pareciam todos convertidos em anjos, prontos a atender a qualquer solicitação dos mestres. Viviam dias de impaciência, controlando-se para não serem excluídos, valia o sacrifício. Poderia ser observado, naquelas ocasiões, uma serena mudança nos estudantes, cordatos e atenciosos entre si e com seus preceptores. Pelo menos nos limites do educandário.
 Enfim, a noite da estreia. Lâmpadas coloridas ornando a entrada, canções entoadas em tons triunfais, prefixos musicais anunciando o início. Tudo conspirando para a magia daqueles momentos, onde pareciam que todos os adultos também eram crianças, divertindo-se com as peripécias, assustados com os lances mais ousados dos equilibristas andando destemidos em estendidas cordas, nas alturas da lona.  O suspense das facas incendiadas atingindo de perto seu alvo, a bonita bailarina. A mulher cortada ao meio, dentro do caixote, pelo habilidoso mágico, surgindo, logo depois, inteira, acenando. Risos soltos com as atrapalhadas dos engraçados palhaços.  Havia o número do globo da morte, onde dois motociclistas, perigosamente, rodavam em círculos, mantendo o público em silêncio e receio, até que terminassem, recolhendo o reconhecimento em calorosos aplausos. Para os que não conseguiam o dinheiro para os ingressos, sujeitavam-se, alguns, a pequenos serviços em troca de assistirem a imperdível sessão. Engraçado era ver esses voluntários engalanados em fantasias exercendo as funções de condutores do público na platéia, ou ainda como auxiliares na entrada. Havia verdadeira disputa para tais colocações, aquilo, afinal, garantia a franquia para todos os dias, mediante o serviço. Mesmo os que conseguiam o suficiente para comprarem os ingressos, com disciplinadas atitudes e impecáveis condutas, não tinham para todas as sessões. Fazia a diferença, e nisso ganhava deles os escolhidos como trabalhadores eventuais, apesar do constrangimento das vestes berrantes e estapafúrdias, parecendo parte da comitiva. Mesmo a estes convertidos em trabalhadores mirins, tinham que ter a aquiescência  dos responsáveis para frequentarem desacompanhados dos pais, sujeitando-se aos rigores de um comportamento aceitável em casa e na escola.



 Lá se acotovelavam os pequenos pendurados nas arquibancadas, tábuas rangentes, deslumbrados com os trapezistas, rindo das palhaçadas, curtindo as manjadas mágicas do astuto em fraque e cartola, os olhares cobiçosos dos mais velhos nas plásticas das dançarinas em seus maiôs ousados. Passavam em roupas coloridas os vendedores de pipocas, puxa-puxas, maças do amor, algodão doce, amendoins e refrigerantes, sendo chamados em cada canto daquela arena tumultuada.
Passadas algumas sessões, perdendo o inédito das apresentações, o público, aos poucos, refluía. Com o passar da euforia, o novo fica chato e velho. Chegava a hora de descer a lona, arrumar os trastes nas carrocerias dos caminhões, buscar novo público. Os alaridos do início apenas na assistência apática dos meninos vendo desmontar seus sonhos e magias. Uma consternação percebida nos semblantes entristecidos.
Em casa, desestimulados, voltavam as intolerâncias e desobediências, a cobrança pelas lições não realizadas, os horários não cumpridos, tudo retornava a ser como antes. Nos corredores da escola, gritos e xingos, nos recreios desentendimentos e repreensões na diretoria. Novamente as notas de reprimendas nos cadernos estudantis, a trégua de paz ruía. Uma subentendida rebeldia se instalava, como a reivindicarem mais ânimos para aquelas incipientes vidas.
Com a despedida do Circo, tudo voltava ao normal, e o tédio visitava os juvenis corações, sedentos de emoções e novidades, até a próxima atração...


  


Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários - São Luiz/MA, ( + de 7 milhões de acessos na internet), ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista.



13 comentários:

Anônimo disse...

Olá Ediloy,

Simplesmente delicioso, viver essas emoções todas em pensamento é como vivê-las de fato, mesmo porque as
lembranças voltam e lá estamos nós sob a lona colorida,
presenciando o espetáculo da vida... magnífico

Abçs
Pedrinho Poeta - Pitangueiras-SP-
pedro.poesia@hotmail.com
28/01/2013

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


Caro Poeta Ediloy!

Como é prazeroso ler suas crónicas, todas que li eu revivi as lembranças como se estivesse vivendo o momento exato dos fatos ou eventos.
Ainda bem temos você que lembra todos os detalhes sem omissão de qualquer detalhe vivido naquelas épocas magníficas.
Parabéns!

JANDERLEI NASCIMENTO
janderleisilva@yahoo.com.br
27/01/2013

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Meu caro poeta há milênios que os homens levam e trazem alegrias para outros homens e neste incessante vai e vêm estão os palhaços que mesmo com os corações doloridos conseguem irradiar alegrias a outros corações sofridos, lindíssimo texto, meus aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
26/01/2013

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

31 de janeiro de 2013 13:34
Anônimo disse...
24/01/2013 18:18 - Gantz:

Um texto diferente Ediloy, nunca fui muito fã de circos mas consigo entender sua mágica, parabéns!

Para o texto: ALEGRIA AMBULANTE (T4102802)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...


Uma beleza o teu conto. Me vi menino correndo atrás do palhaço ladrão de muié.

Comentário Enviado Por: Mister X Em: 31/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

31 de janeiro de 2013 13:47

Anônimo disse...


Muito lindo !

Comentário Enviado Por: Wanice Em: 31/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

31 de janeiro de 2013 13:47

Anônimo disse...


Histórias sobre circos me amarram.

Comentário Enviado Por: Charles Lamounier Em: 31/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


O circo é uma atividade lúdica das mais encantadoras.

Comentário Enviado Por: Roberta Em: 01/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Dom Ferraro, o circo é uma referência de todos nós, acompanhei os palhaços nas ruas, depois marcavam a gente com cinza para entrar de graça à noite no circo.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 01/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Um show de conto. O circo é sempre encantador.

Comentário Enviado Por: Tadeu Em: 01/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...



Sou fã de circo desde criança.

Comentário Enviado Por: Érica Em: 31/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Delícia de conto.

Comentário Enviado Por: Viviane Lucena Em: 31/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Beleza, Ediloy.

Comentário Enviado Por: Rosa Amélia Em: 01/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)
22 de fevereiro de 2013 23:52