domingo, 22 de março de 2015



Selecionado para publicação na antologia CONTOS FANTÁSTICOS, editora CBJE - Rio de Janeiro-RJ, lançamento em maio/2015.

O nascer da mensagem


Lambiam os olhos a paisagem, agrupando elementos para a construção do enredo, solto aos poucos, como se buscados no inconsciente, dando versões ao que presenciava. Plasmado do abstrato, pedindo para existir, invisível, imperceptível. Emoções repentinas, observações sutis, etéreas insinuações.
Uma inspiração no ar, dissoluta,  uma essência. Desafio a materializar, reclamando presença, cores e formas, em símbolos que a desenhem, dando lhe contornos visíveis, palpáveis, inteligíveis.
Difícil é transmitir sua pujança, a alma inquieta, suas multifaces em diversos sentidos,. Um respirar profundo, meditativo, viajante, alento em devaneios, a brotar, finalmente, em palavras, como um sopro existindo.
Naqueles momentos tão pessoais, não importava o contexto, suas imagens se construíam, debalde o universo apresentado distasse do que se via, surgiam as letras codificando a mensagem, transcrita em códigos verbais plasmando do etéreo as visões recônditas em seu íntimo. Iniciado seus devaneios, dando consistências ao relato, por fim aparecendo os esboços de sua narrativa introspectiva com suas personagens inusitadas, num consórcio indissociável entre o autor e a criação.

 Haveria, nesse processo, quem afirmasse que ali estava, não estando. Tal a distância entre a presença física do alheamento nos sonhos, captando emoções na tentativa de decifrá-la a outros, em palavras e sentidos. Posto que o ato de criação é pessoal, absorvente, não participando a terceiros, numa busca interior não partilhada, apenas o depois, decodificada a mensagem, onde cada qual a decifre como puder entender.
Embate único, onde julgava ser possível retirar as cores, desnundando as ilusões dos dias. Encarando de frente a realidade, sem adereços, requintes, desprovida das alegorias. Sem ornamentos frívolos, purpurinas e neons, na nua realidade crua, arrepiando e amendrontando, carecendo a volta aos disfarces, em caras pintadas, roupas largas, renascendo o palhaço no oculto das lágrimas, sorrindo a todos, lamentando-se no íntimo.
Sendo o que querem que ele seja, como o vêem, amável, cortês, simpático e bom, nem sempre cumprindo tudo bem o que dele se esperava. Às vezes ele mesmo oculto sob escombros, nas sombras, ignoto de seu Ser, ironizando conveniências sociais, sob a armadura de outras máscaras. Mesclando atitudes, ora aceitas, noutras não, panela de pressão, artista em frangalhos nesta barafunda a sua personalidade.
Toda a humanidade de si aflora, dual e magnífico, sobranceiro e tímido, múltiplos em um único ente, fantasioso e cruel, poeta e ordinário, erudito e medíocre, menino às vezes, e adulto em turbilhões de conflitos.
Na confusão  de sensações, sua alma inquieta plasma a matéria, habita e apresenta sua lavra, às platéias representa e engole o grito. Nos labirintos de si mesmo, ardente vulcão em ebulição, aflito Ser em busca de si e de seu caminho.
 A navalha cortante na pele macia, resvalando e ferindo, macula e geme, espinhos das nostalgias, saudades como urtigas cultivadas em jardins floridos. Aventura a descrever,  extraindo de si mesmo a essência descrita em prosa e versos, atirando-se em tantos riscos, na sanidade insana de se revelar desnudo de fantasias. Sempre que atrevia a se desvendar mantendo o equilíbrio na corda bamba, fustigando a si mesmo, em feridas estuporando tumores, amargando desventuras, para enfim trazer em palavras escritas alguma luz.
Na introspecção que incendeia as veias ardendo pela pressão do sangue a se agitar, na ânsia pelas expressões em imagens toscas apreendidas em verdades. Mostrar-se é desafiar, abrir mãos de intimidades, colocar-se um pouco, diluir-se em cada diálogo, imiscuindo-se à guisa de ficção, reconhecendo-se na fragilidade psicológica dos elementos a bailarem no jogo lúdico de cada cenário imaginado. Diáfanos seres, alimentados no hálito do escritor, buscando dar-lhes vida e veracidade, transpondo impressões vitais em suas criações, situando os no plano do concreto e do real.
Depois de acabado o texto, despatriado de si, como algo apartado , lendo e relendo, cada vez mais distante do criador, a gostar ou desprezar, pouco importa, jaz concluído, não lhe pertence mais, produto de suas entranhas, buscando vida própria, independência. Concebido, divulgado ou esquecido, algo estranho, de alheia origem, deserdado, uma vez parido, com dores e estertores, ganha luz própria, interpretação livre. Bastardo filho de suas cogitações, já foi parido, sofrido com as dores do nascedouro, feito a mãe no nascimento acariciando o filho concebido.
Para o autor, feito o parto, resta a busca, inconsciente, por outra empreitada, como um vício a reclamar dedicação, num duelo intrínseco com as ferramentas das palavras, carecendo novas inspirações, embrenhando-se insatisfeito por novas realizações, garimpando na aspereza de rochas brutas a jóia a ser esculpida.
O prazer está na emoção da construção, tijolo a tijolo, adquirindo contornos, delineando-se, até amadurecer e ganhar autonomia, liberdade. Interpretada, livre, em cada imaginação. Mensagem filha da vida, assumida, desligada da origem,  já não pertence mais ao seu criador...

*Publicado no BLOG DO LIMA COELHO- CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS LITERÁRIOS - SÃO LUIZ/MA (+6 milhões de acessos na internet) Ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista. 

13 comentários:

Anônimo disse...

Fica até difícil para mim, dizer qualquer coisa sobre este conto. É uma obra de arte. Meus aplausos.

Zé Gaiola
gaiolalmeida@terra.com.br
11/06/2011

(SITE DE POESIAS)
10 de outubro de 2012 09:24

11 de junho de 2011 23:25

Comentário de Ana da Cruz:

O prazer está na emoção da construção, tijolo a tijolo, adquirindo contornos, delineando-se, até amadurecer e ganhar autonomia, liberdade.
Lições que a vida nos dá.

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...


10 de outubro de 2012 09:25

Gostei. Meio hermético, mas captei vossa mensagem

Comentário Enviado Por: Gracinha Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 09:26

Meu caro Ediloy, além de inveja do texto, fiquei com inveja da varanda.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 09:26

O ato de escrever não é fácil; inspiração não está solta no ar

Comentário Enviado Por: João Antônio Em: 09/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 09:27

Valeu, amigo.

Comentário Enviado Por: José Alcestes Em: 09/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 09:27

Oi Ediloy, gostei.

Comentário Enviado Por: Sabrina Madeira Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 16:08

Gostei bastante.

Comentário Enviado Por: Nilda Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 16:09

Um conto difícil de ser lido, porém muito bom.

Comentário Enviado Por: Sílvia Melo Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

10 de outubro de 2012 16:09
.

Uma beleza de conto introspectivo.

Comentário Enviado Por: HH Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)
10 de outubro de 2012 16:10

Anônimo disse...


Oi, um conto muito bom

Comentário Enviado Por: Priscila Em: 11/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

11 de outubro de 2012 11:49

Parabéns Ediloy. É um conto de certo modo hermético, mas é bom.

Comentário Enviado Por: Leonel Em: 10/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

11 de outubro de 2012 11:49

Ediloy, você descreveu com muita propriedade o ato da criação, a angustia da escrita, o dar vida aos personagens, convivendo com eles durante todo o tempo que dura a construção do texto. Por fim, ao término, o cansaço leva ao relaxamento, mas não ao distanciamento da obra, como uma mãe que dá à luz, depois de muitas horas de um parto sofrido, mas mesmo cansada, quer embalar o rebento. Parabéns. Ivette

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 11/10/2012

*Escritora com várias obras publicadas.

( Blog do Lima Coelho)

Anônimo disse...

11 de outubro de 2012 16:55

Escrever não é fácil, logo ser escritor é um trabalho que exige muito, apesar de crer que também é um dom

Comentário Enviado Por: Maria Paula Em: 11/10/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)