terça-feira, 25 de novembro de 2014

Texto selecionado para figurar na Antologia CONTOS ARDENTES, editora CBJE - Rio de Janeiro-RJ, lançamento Janeiro de 2015


Publicado na ANTOLOGIA PALAVRAS SEM FRONTEIRAS, BRASIL - ARGENTINA, 2011.









ESTRELA CADENTE


A bateria deu o sinal, ensurdecendo a quadra de esportes, parece que voltou em momentos a olhar o céu estrelado, quando, em sonhos, pensava em desfilar na avenida representando a comunidade do samba.

Naquelas noites, fitando o infinito, a algaravia ritmada dos ensaios eram coisas utópicas, de realidade distante, da laje olhava o firmamento admirando as estrelas, parecia que ser parte da comunidade entusiasmada era sonho impossível para ela.

Mariana Vasconcelos ! A voz entoou no alto falante dando o veredicto do concurso, as pernas tremeram, o chão parecia abrir-se diante tanta emoção. Aplausos entusiasmados da platéia, vencera várias concorrentes, sambistas veteranas na passarela.

Os olhos amendoados, nos cachos negros da cabeleira, mostrando os alvos e perfeitos dentes em lábios carnudos e sensuais, moldado o rosto em sobrancelhas que pareciam desenhadas. O tamanho ideal, as pernas torneadas, a tez aveludada de cor de canela, no bumbum arrebitado. Despontava a nova estrela da festa, vinha para brilhar e se destacar. 

- Você tem chances, prima, por que viver sonhando e não ir atrás ? falava sabendo da aspiração da outra. Quantos ensaios individuais, sambando na laje, ouvindo o som da bateria que chegava de longe ? Agora ali estava, escolhida, para reinar na avenida.

- Presta atenção, Mariana, a cliente entrou na loja, vá ver se ela precisa de alguma coisa ! – falou a gerente, trazendo-a ao solo depois de orbitar as estrelas.

A escola dava a oportunidade da escolhida desfilar, mas as despesas com a fantasia era exclusiva da candidata, afinal não havia recursos para custear todos os participantes, ainda que fossem os destaques. Tinha uma pequena verba, irrisória, para a comissão de frente, restando pouco para as passistas.

De novo a prima a impulsionando: já sei, temos muitos amigos, vamos fazer uma rifa e levantar o dinheiro para a alegoria, nada de morrer na praia... Mas, rifar o quê ? Os olhos correram pelas paredes dos cômodos desnudos da alvenaria e nada via que pudesse dispor de interesse a alguém, na condição de um prêmio.

Assim, do final de semana de rainha, aplaudida, passava a viver o inferno da ansiedade, todas as alternativas para arrecadar o dinheiro fulguravam por instantes e se mostravam inúteis a seguir.
Notando o ar distante e preocupado, a gerente da loja, que em raros momentos se mostrava humana, a interpelou: algum problema com você? parece preocupada, calada, não é de seu feitio esse silêncio... Falou do caso sem muito interesse, apenas para satisfazer a curiosidade da chefe, sem esperar retorno algum.

Os dias transcorriam rápido, os ensaios cada vez mais intensos, a data para se apresentar com a fantasia expirava, e nada. Teria, em último caso, de renunciar ao posto. O salário de balconista mal dava para as despesas e a ajuda em casa, não sobrava nada que pudesse gastar naquele empreendimento sonhado. Haveriam outros carnavais, ganhou uma vez, ganharia outras, mas, será que dariam outra oportunidade depois da desistência ? E tudo voltava à estaca zero, nenhuma solução a vista.

Entretida em suas preocupações, não deu pela presença do Sr. Arthur, o patrão.
-Oi, Mariana, parabéns, soube que foi a escolhida para representar a escola no carnaval... (olhando com certa malícia pelo corpo dela) – você mereceu a escolha, com esse visual... 

Homem sério, fechado em si, jamais se dera a comentários íntimos com qualquer das várias funcionárias, de se estranhar o imprevisto comportamento do patrão, que, aliás, amiudava nos comentários, vindo, com freqüência, para o térreo da loja, saindo de sua toca do escritório no mezanino. Mais estranho ainda foi ser chamada, antes do fechamento da loja, ao escritório.

- O Sr. chamou ? Já estava me aprontando para ir embora...

- Estava pensando, uma funcionária minha em destaque na Escola de Samba...

- Fique despreocupado, Sr. Arthur, não vai atrapalhar em nada meu serviço, os ensaios são de noite, o desfile será no feriado...( falou apreensiva, antevendo o pior. Só faltava, agora, perder o emprego que fora tão difícil de conseguir, jamais voltaria para serviços domésticos ou cuidar de crianças... )

- Claro que não estava pensando que vai atrapalhar, apenas que poderíamos unir o útil ao agradável...

- Não estou entendendo...(apertava a bolsa com força, como se buscasse ajuda). 

- Poderíamos aproveitar sua popularidade no carnaval e promovermos a loja...

- Sério ?! ( não acreditava no que ouvia, era bom demais para ser verdade)

- Estava pensando em tirar algumas fotos suas e colocarmos em pôsteres pelo estabelecimento, a comunidade ficará sabendo que estamos incentivando e promovendo a Escola da região...Nossa funcionária, afinal, será a destaque, não é ?

- Não sei ainda... estou pensando seriamente em desistir.

- Mas, por que ?! Oportunidades dessas não surgem sempre, você não disputou e venceu ?

- Mas não tenho recursos para fazer a fantasia...

- Poderemos acertar isso, como pagamento pelo uso da imagem, um patrocínio, entendeu ?

- ( já tinha ouvido falar em patrocínio, mas nunca entendeu como funcionava) – Não entendo bem disso...

- Nós bancamos as despesas com a fantasia e você nos cede os direitos de explorar a sua imagem nas fotos, simples assim...

- Jura ?! ( parecia que o sonho se materializava quando tudo parecia perdido)

Chegou em casa com o coração alvoroçado, mal conseguia expressar para a prima a novidade.

- É um sonho, Mariana, um sonho que se realiza – comemorou a parente.

O calendário parecia voar, com a verba disponibilizada, a costureira acertava os detalhes finais da roupa, a sandália prateada, de plataforma, já estava guardada na caixa sobre o guarda-roupas. 

O que a incomodava, contudo, era a insistência do Sr. Arthur em chamá-la por qualquer razão ao mezanino, fato, aliás, que não passava despercebido pela chefe, a quem cabia passar a ordem para ela subir ao escritório.

Resolveu que iria pessoalmente assisti-la nos ensaios, melhor, que a levaria em seu carro, como sua protegida.

- Mas, seu Arthur, a Escola é próxima de casa, a comunidade me conhece, são todos amigos, de maneira que não tenho necessidade de ser acompanhada, ainda mais chegar de carro...

Não adiantaram os argumentos, tudo aconteceu como ele queria. Não perdeu nenhum dos ensaios a partir de então, inclusive a esperando para levá-la para casa.

Sempre respeitoso, após a saída da Escola, a convidou para irem a uma pizzaria, estava uma noite quente e convidativa para um chope, alegou que precisavam comemorar a parceria. As fotos em breve estariam espalhadas pelo estabelecimento comercial e pela vizinhança, ficaram ótimas, divulgavam a Escola e enalteciam a Loja patrocinadora, tudo perfeito. A musa, em trajes sucintos, exibia todo o seu corpo escultural, em poses de passista, com direito a porta estandarte.

Mais a vontade, despida a carantonha de chefe, animado pela bebida, pareceu até mais jovem na descontração. E, quando a cisma dela parecia ter se desanuviado, na verdade fora avisada pelas colegas de que homem é tudo igual, não dão ponto sem nó, tudo se confirmava, como se cobrasse a fatura das despesas. A leitura telepática vinha dos olhos desejosos, fitando, obsessivo, o belo par de pernas, o decote despreocupado, as mãos abusadas que não se continham.

Mariana viu-se em constrangedora situação, lembrando a Cinderela no badalar das 24 horas, a carruagem de princesa transformada em abóbora. Pensando rápido em como deter os ímpetos já exarcerbados do patrão, desferiu-lhe uma bofetada, atingindo não apenas o rosto dele mas desmoronando seus próprios sonhos. Levantou-se e saiu do bar, dirigindo-se, aturdida, para casa.

Ciente que reinaria absoluta na avenida, aplaudida nas arquibancadas, até a marca da chegada, após, seria uma estrela de vida curta, cadente, e, ainda, desempregada, sonhando com o próximo carnaval...


*SELECIONADO PARA FIGURAR NO LIVRO "PALAVRAS SEM FRONTEIRAS, DO BRASIL PARA A ARGENTINA", será distribuido gratuitamente na feira do livro de Buenos Aires na Argentina no período de 1º á 9 de maio deste ano, o livro terá lançamento previsto no Brasil para dia 10 de junho de 2011, na Câmara Municipal de Niterói, juntamente com a premiação do salão de artes da AFBA, com o apoio cultural da AFBA , Associação Fluminense de Belas Artes, presidida pelo Chanceler De Luna Freire e o apoio da ALG (Academia de letras de Goiás Velho), presidida por Agnes Castro e organizada por Izabelle Valladares com o apoio do Cônsul do Poetas Del Mondo Rodrigo Poeta. Edição em língua portuguesa e espanhola.

16 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de Maria Julia Guerra em 22 janeiro 2011 às 16:21

Pois é, normalmente essas coisas têm preço, uma lástima, ótimo o seu conto, abçs

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

7 de fevereiro de 2011 19:27

. Comentário de Jorge Cortás Sader Filho em 10 janeiro 2011 às 22:51

Quantas Marianas existirão nesta vida? Excelente, Ferraro!

Abraço.

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

7 de fevereiro de 2011 19:28

. Comentário de Ana da Cruz em 10 janeiro 2011 às 22:42

Ele era o sapo, não o príncipe encantado.
Pode acontecer com qualquer mulher.
Tem pessoas que casam e vão para a cama
sem nem conhecer quem levam...

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

7 de fevereiro de 2011 19:30

12/01/2011 18:19 - Capitão Anilto

Parabéns pelo interessante conto. Pobre Mariana, certamente viu seus sonhos desmoronarem-se... ou será que não? Terá uma segunda chance?...

Para o texto: ESTRELA CADENTE (T2722598)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

7 de fevereiro de 2011 19:33

Grande Poeta,Parabéns por fazer parte do livro Palavras sem fronteiras.
O grande poeta vai fazer muito sucesso no Mercosul.

Um grande abraço

Regis Paiva
Regis Paiva
rd_paiva@ig.com.br
09/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 17:25

Eita, seu conto é como a arte que imita a vida, muita coisa hj não é só diversão, é comércio mesmo! Vc se aperfeiçoando mais e mais no dom! Kisses my friend!

Elisa Maria Gasparini Torres
emgari@yahoo.com
09/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 17:26

Olá Ediloy! Teu conto desnuda a vida, põe-na diante de nós como ela é. Na sua maioria , as pessoas querem algo em troca nos gestos que não são de gentileza e sim em busca de vantagens. Isto é lamentável porque quem assim o faz é um mercenário e certamenta sem escrúpulos.

Quando eu crescer, quero ser igual a ti, parabéns!

ubirajara
caravanapoeta@yahoo.com.br
09/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 17:27

Caro poeta em primeiro lugar quero parabenizá-lo por mais esta conquista no âmbito literário. O seu conto realmente trata de assunto que esta presente em quase todos os seguimentos sociais não só aqui no Brasil, ele faz vitimas no mundo todo. É até hoje a famigerada lei do (Gerson) levar vantagens em tudo. Belíssimo texto, altamente reflexivo, meus calorosos aplausos.

J.A.Botacini,

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
09/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 17:27

Caro poeta em primeiro lugar quero parabenizá-lo por mais esta conquista no âmbito literário. O seu conto realmente trata de assunto que esta presente em quase todos os seguimentos sociais não só aqui no Brasil, ele faz vitimas no mundo todo. É até hoje a famigerada lei do (Gerson) levar vantagens em tudo. Belíssimo texto, altamente reflexivo, meus calorosos aplausos.

J.A.Botacini,

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
09/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 21:31

Putz, adorei!

Comentário Enviado Por: Lili Em: 31/7/2011


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

1 de agosto de 2011 11:05

Uma beleza de conto

Comentário Enviado Por: Martha Vilarinhos Em: 01/8/2011

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

9 de fevereiro de 2011 21:31

Putz, adorei!

Comentário Enviado Por: Lili Em: 31/7/2011


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

1 de agosto de 2011 11:07

Um belo conto

Comentário Enviado Por: Laura Antunes Em: 01/8/2011

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

1 de agosto de 2011 11:45

Um contaço. Bem redondo

Comentário Enviado Por: Janaína Em: 01/8/2011

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

1 de agosto de 2011 15:39

Um conto bem gostoso de ler, sem falar que é bem escrito


Comentário Enviado Por: Flávia Ribeiro Em: 01/8/2011

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

1 de agosto de 2011 17:35

Realmente muito bom

Comentário Enviado Por: Mateus Ferreira Em: 01/8/2011

(BLOG DO LIMA COELHO)
2 de agosto de 2011 00:20