sexta-feira, 1 de novembro de 2013



      Selecionado para figurar na Antologia de Contos SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ, editora CBJE, novembro de 2013. Publicado na Antologia de Contos FEIRA DE GUADALAJARA, MÉXICO, em 2011.

O PRIMEIRO AMOR

Como tudo começou não lembrava, apenas tinha a impressão de ter galgado o céu das fantasias e o inferno das inquietações, trocando suas singelas certezas por cruciantes dúvidas, sua paz pelo tumulto íntimo. Como uma revolução interior, doendo, machucando, transformando sua visão de vida, usos e costumes.


Morador de cidade pequena, com uma única grande avenida, com pistas duplas, unindo os extremos da cidadela, onde todos os moradores se encontravam várias vezes no dia, na praça, igreja, escola, cinema, mercado..

Não se percebeu quando seus olhos começaram a ver além das inocências infantis, povoando seu mundinho de uma estrela, fada, ou algo assim, fantástico. Estava apaixonado, sensação nova, estranha, inédita àquele coração infanto juvenil, incipiente nas artes só reservada aos adultos.

 Fato é que já sentia emoções não tão inocentes assim, despertava para desejos inconfessáveis, a puberdade se prenunciava, nos pelos pubianos, acnes no rosto, curiosidades masculinas despertando no garoto, metamorfose operando entre duas estações da existência.

A razão de suas atenções repousava em uma garota, uma amiga. Bastava avistá-la à distância para ter tremores, aquela figura feminina trazia-lhe desconhecidas emoções. Começou a se observar melhor, a cuidar de si mesmo, passando algum tempo ao espelho, lamentando suas espinhas predominantes no rosto imberbe. Escovava com mais atenção os dentes, asseio nos cabelos, capricho no penteado. Percebia-se desengonçado, queria ter uma certa postura, elegância na aparência. Preocupações que despontavam, incômodas, tirando-lhe o sossego.

Justo ele que nunca se incomodara muito consigo mesmo. Bastava chegar da escola, colocar o calção de elásticos, desnudo o dorso, descalço, a curtir a sua liberdade e a brincar com os amigos, sem preocupações como se apresentava, ou como o viam. O mundo era mais fácil, bastava viver a vida. Porém aquelas inquietações exigiam demais dele, reclamavam cuidados, descobria a vaidade  Parecia pirraça, justo ele que fazia troça dos almofadinhas sempre bem vestidos, ele tão pouco se cuidava, chegava com os cadernos, comia alguma coisa e saia. Tudo isso antes, agora, começava a se notar, questionando-se, cobrando-se com a sua aparência.

O desespero o visitava ao vê-la em companhia de outro menino, como padecia, torturava-se,  apresentava-se ao mais impertinente dos sentimentos, os ciúmes. Ao estabelecer diálogos com a amiga, amada secreta, forçava para disfarçar seus ímpetos e intenções, contidos na timidez ruborizando as faces. Será que ela desconfiava, saberia nestes momentos o mal que lhe fazia ?  Longe, queria vê-la, mas perto não sabia como agir. Diante a ela, a si se esquecia, esmerando em cortesias, fazendo de tudo para agradá-la, solícito e vassalo diante a sua rainha .Que suplício o martirizava, arrancou-lhe a inocência e a paz, a maldizia por isso, amando-a, numa confusão de sentimentos, atrapalhando-se.

 Vontade tinha de esquecê-la e retornar à  liberdade de seus calções de elásticos, das tardes inteiras para se distrair, caçando, nadando no pequeno rio, jogando bola. Lamentava restringir-se abandonando o seu viver pacato, moleque, descontraído, do andar destratado e cômodo. Contudo, algo sinalizava de que já não era o mesmo, aquelas infantis atividades pareciam coisas do passado.

Aquela pequena e querida criatura não desconfiava de suas dores, recalcando anônimo sentimento. Sentiria ela seus embaraços, na timidez muda, inconfessa angústia no peito a transbordar de fervor ?.  Queria fugir e ficar ao mesmo tempo, ali estar não estando.  Não sabia onde colocar as mãos, mal sustinha -se  nas pernas, o sorriso amarelo nos lábios e o olhar flamejante, pronto a denunciá-lo, contido em disfarçadas atitudes atrapalhadas.

 Não sabia no que ia dar aquela comoção experimentada, sofria como jamais pensara ser possível. Dor presente na alma, não diagnosticada no corpo, arrepios e tremores, suspiros inopinados, suores nas têmporas, parecia possuído por outro ser a importuná-lo. Se aquilo fosse o amor, antes não tê-lo conhecido, jamais.

Os seus olhos a perseguiam em todos os lugares. Na missa de domingo, no recreio da escola, no cinema, sentado em poltrona próxima sem coragem de se manifestar. Aquilo tudo chegava às raias da loucura. Certa feita, na procissão, onde todos tomavam parte, seja acompanhando o séquito religioso ou assistindo nas calçadas, ao vê-la, distraído, os olhos fixos, carregando uma vela acesa, quase ateou fogo no véu de uma filha de Maria, que ia a frente.

No anseio de encontrá-la, aprontava-se, mantendo lustrado o único par de sapatos, para o simples deleite de admirá-la, amando-a em silêncio.
Como aquilo era sofrido, tornava-se taciturno, arredio aos amigos, sem coragem de confessar o que sentia, até, talvez, por não saber exatamente o que acontecia consigo.

 Um dia mudou-se da cidade, acompanhando a família. A imagem da amada o perseguiu em saudades. Com o tempo, tantas convivências com o sexo oposto, lembranças boas e más, aprendizados, aventuras louváveis ou amargas, experiências, mas sempre retornando à lembrança aquele amor menino, tão meigo e tão dolorido...

20 comentários:

Anônimo disse...


Comentário de Debora Moreno sempre !

Tens minha admiração. Parabéns. Um beijinho. Debora Moreno.

(MURAL DOS ESCRITORES)
22 de maio de 2011 01:54

Anônimo disse...


21/05/2011 23:20 - Cyrrano Deluna

GRANDE EXPERIÊNCIA!

Para o texto: O PRIMEIRO AMOR (T2985042)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...


Comentário de Zaymon Zarondy

APLAUSOS !!!

(MURAL DOS ESCRITORES)
22 de maio de 2011 11:58

Anônimo disse...


Comentário de Albérico Silva de Carvalho

...poeta, me vi nesse menino. Belo conto amigo, falas das emoções do ser humano com propriedade, por certo olha-se no espelho, pois sua humanidade, sua inteligência e, o grande poder de síntese dão esse resultado, que minha leitura contasta, permita-me, os aplausos.
Abraços fraterno!

(VERSO & PROSA)
22 de maio de 2011 12:03

Anônimo disse...


Será que muitas pessoas passaram por estes momentos ? Eu passei, foi um sofrimento. Amor platônico. Naquele tempo tinha uns cartões que era enviado em mãos, pedindo namoro e que nas pontas estava escrito : sim, não,talvez,nunca. E quando eu mandei o cartão veio a resposta : NUNCA. Foi um choque no meu coração. Caro amigo, não preciso dizer mais nada, o seu conto é maravilhoso. Muitos e muitos aplausos.

Zé Gaiola
gaiolalmeida@terra.com.br
24/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


Quero dizer que ainda estou arrepiado, que maravilha é recordar sem sofrer, como é gratificante ler algo assim, é a descrição de uma fase da vida de quase todos nós, o amor platônico, como doía, mas hoje, nas lembranças podemos dizer, que bom que isso aconteceu comigo... muito obrigado é o minimo que posso dizer, meu amigo, por proporcionar a mim e com certeza aos leitores a magia de um reencontro com momentos tão especiais... muitos aplausos
Que Deus continue sempre te iluminando...

Grande abraço
Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com
25/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


Caro poeta este texto trouxe-me maravilhosas recordações da minha juventude. O nosso amigo Zé Gaiola relembrou com muita propriedade os cartões de convite para o namoro. Eu quero recordar agora da brincadeira de (passar o anel) onde a brincadeira consistia em passar o anel pelas mãos dos meninos e das meninas, então na mão que parasse o anel a garota ou o garoto é pedido em namoro seguido de um beijo no rosto, se o beijo fosse aceito era o sinal que o pedido de namoro também era aceito. Anos dourados, que saudades!. Fiquei emocionado ao ler este conto, contando ainda com a riqueza de detalhes para se conquistar o primeiro amor, meus mais calorosos abraços.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
25/05/2011

Anônimo disse...




O amor adolescente, qdo é puro e não repleto de ímpetos do desejo de sexo, é lindo e é meigo! Mas, estou revoltada, porque teu conto dialoga com a realidade: tantos amores verdadeiros e tantos outros, interesseiros, chegando primeiro, os sem-vergonhas. kkkkkkkkkkkk Beijos

Elisa Maria Gasparini Torres
emgari@yahoo.com
25/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


25/05/2011 19:30 - Fernando A Freire:

Essa mudança, na fase infantojuvenil, é a única, no ser humano, visível a olho nu. E haja olho nu pelo buraco da fechadura!... Descargas hormonais abruptas. O perdoável desejar a mulher do próximo. O abandono de um gostoso passado recente. A caça. A posse. E quando se pensa que já é "homem", a chorosa dependência dos pais.///Quanto mais o tempo passa, mais a gente gosta de relembrar a magia dessa fase de nossas vidas./// Parabéns pela beleza do conto e pelo hábil poder de síntese. Abraços agradecidos pela visita e pelo minucioso e esclarecedor comentário em "Meu amor se derreteu no gelo". Fernando Freire/Recife

Para o texto: O PRIMEIRO AMOR (T2985042)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...


Querido amigo!
Recordações que fazem nós leitores percorrermos um caminho colorido rumo ao passado, para mim distante... as lembranças do primeiro amor, as fugas, o tremor, o calor no rosto, o frio na barriga,
nossa que maravilha esse filme das lembranças de adolescência, as minhas, foram muito legais, tens uma maneira única de escrever e tocar o íntimo da alma!
Lindo e único teu conto!
bjs, Taís

Taís Vargas Mariano
taismsdos@hotmail.com
26/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


Um conto inocente e belíssimo.

Comentário Enviado Por: Helenice Freitas Em: 31/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)
31 de maio de 2011 11:21

Anônimo disse...


Conto gostoso de ler

Comentário Enviado Por: Vitória Caldas Em: 31/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...


Simplesmente um amor

Comentário Enviado Por: Dorinha do Anil Em: 31/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...


O primeiro amor, Ferraro, ferra a gente, é inesquecível. Volta sempre a incomodar, e como é bom ac lembrança dele, ainda faz fremir, cosquinha, ainda, pasmem levanta o moral. Ah, o frissom do primeiro toque, primeiro beijo com chiclete e tudo, primeiros amassos...

Comentário Enviado Por: william porto Em: 31/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...


Ediloy, gostei muito desse primeiro amor. É lindo

Comentário Enviado Por: Zilá Em: 31/5/2011

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Anônimo disse...


Beleza, meu caro escritor.

Comentário Enviado Por: Margarida Pires Em: 31/5/2011

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Anônimo disse...


mestre, seus contos me distraem muito. Obrigado

Comentário Enviado Por: Kadu Em: 31/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...


Lindo, lindo, lindo

Comentário Enviado Por: Wanice Em: 31/5/2011

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Anônimo disse...


Ediloy, você é um contista de inspirações profundas. Gosto de ler seus contos

Comentário Enviado Por: Mister X Em: 01/6/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...


01/06/2011 21:00 - Capitão Anilto:

Ah, as delícias dos primeiros amores, das primeiras fantasias. Quantos sonhos, quantos futuros são delineados, quantos sofrimentos, ciúmes... essa transição é deliciosa, mesmo que cause alguma agonia. E depois, ao reviver esses tempos, rir das tolices, é como voltar ao tempo. Admiro tua sensibilidade em desnudar os sentimentos humanos. Abraços.

Para o texto: O PRIMEIRO AMOR (T2985042)

(RECANTO DAS LETRAS)