segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

                                      
                                     







Publicado na antologia CONTOS DA MADRUGADA, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, edição especial junho 2013.





Dor & Crescimento




Seus olhos denotam a emoção, recordações tristes e doloridas, mostrando, todavia, superação, enfrentamento de um fantasma sepultado, traumas vencidos. Sempre esboçando que o perdoara ao vê-lo acometido de câncer, nos últimos tempos de existência física. Mas, ainda bem, suspirava, que o compreendia a tempo de perdoar tanta infâmia, não confessada a mim, seu interlocutor. Talvez por pejo de uma vilania que ainda a constrange, e que, por respeito, não a inquiri, entendendo seu silêncio.
Por volta  de seus vinte anos, pensou matá-lo, procurou por uma arma para tal intento. Visitou um local mal afamado, onde grassa o submundo, mas, felizmente, não obteve o que queria, a aquisição de um revólver para praticar o homicídio.
A mulher a encará-la, a trouxe à realidade. Não esperava dela a advertência, pela qual agradece sempre que lembra. Fora comprar um objeto, onde havia, com certeza, de tudo o que é ilícito, não que não tivesse à disposição para a venda. Apenas, fitando-a, de cima em baixo, no dizer da própria, saltou uma pergunta despropositada, vindo de quem vinha, a esperar tudo, menos um conselho salutar:
- E para que você deseja uma arma?
- Quero acabar de uma vez com o meu padrasto, preciso de um revólver.
- Nada disso, esqueça dessa idéia destrambelhada, não estrague a vida dele e também a sua. Se a convivência é difícil, retorne, pegue suas coisas e saia de casa... Erga sua cabeça, não se estrague por quem não vale a pena.
Palavras que ela me confidenciou por mais de uma vez, sempre que temos a oportunidade de conversar, onde as lembranças retornam, e ela, agradecida pelo sábio alvitre vindo de onde menos se esperava.  


Por alguma razão aquela mulher estranha apiedou-se da jovem, talvez a vendo como uma menina insegurança e atordoada, a enxergando com um olhar maternal. Vivida e experiente naquele meio, viu que ela não pertencia àquele mundo, estava ali por confusão momentânea, era uma avezinha errante em região de perigosas aves de rapinas.
Retornou para casa, fez a mala e partiu para uma vida independente, cheia de contratempos, com uma mão atrás outra na frente. A mãe, compadecida, porém sem condições de ajudá-la financeiramente, naufragada em lágrimas e preocupações, sem atitudes a tomar, além de pedir a Deus que a abençoasse e que a mantivesse informada sobre seus passos, não a esquecesse nunca, pois a amava.
Flashes de momentos que me retornavam ao ver aquele homem debruçado sobre o corpo inerte da esposa, soluçando, sofrendo com sua partida, alguns bons anos após, durante o velório.


2006062000 Compassion
A personagem desta narrativa, já mãe de duas moças, no entreolhar com o meu, suspirou: Ele cuidou bem de minha mãe... Como uma declaração de alforria e de perdão pelo passado tenebroso e oculto pelo que ela havia passado. Amadurecida pelas adversidades e a maternidade, conseguia entendê-lo, traindo-se em um olhar de piedade e carinho, ao vê-lo sofrer com a morte da companheira de tantos anos, mãe de suas filhas.
A mãe havia sucumbido com os anos, tivera uma velhice doentia, dividira-se com ela, a filha de outro relacionamento na juventude e as 3 meia-irmãs do casamento. Era uma relação conflituosa, intempestiva, cheia de altos e baixos, e acusações de ambas as partes, entre o marido e a enteada, tendo-a, a esposa e  progenitora, amargurada entre ambos.
Uma sinopse de um filme não raro, fatos que conhecemos amiúde, dramas intramuros encerrados nas paredes de nome Lar. Seres que aprendem a tolerância pela dor, a angústia da convivência, potros selvagens adestrados pelas chicotadas das experiências dolorosas, geralmente orgulhos vertidos em sangue e muitas lágrimas.
Certa feita, por curiosidade ou pelo instinto de ser reconhecida, fora visitar o pai biológico. Segundo contou, nem mesmo exame de DNA, não conhecido à época, seria necessário, tal a semelhança nos traços fisionômicos. Nada daquilo, todavia, fora motivo de emoções por parte dele, apenas indiferença e um mal estar que mal conseguiu disfarçar. Era menos que uma estranha, um incômodo a lembrá-lo na consciência suas responsabilidades não assumidas, quis vê-la pelas costas.
 




Por vezes, sentia-se sem uma referência, tivera um lar enquanto fora menina, porém logo se sentindo preterida no avançar da idade, dividindo a mãe com os bebês que chegavam, alimentando, talvez, as distinções das atenções do padrasto para com ela. Só depois de casada e mãe, dona de seu território, soube bem o que era ter um espaço seu, sem conflitos maiores.
Contou-me que o diagnóstico de câncer acometera o padrasto já amargurado pela ausência da esposa, falecida anos antes. Cabendo a ela resolver as questões mais corriqueiras, como a venda do imóvel, única herança, a ser dividida entre as quatro.
Ele se fora, enterrando um passado tumultuado, absolvido pelo tempo, quando as verdades da vida, com suas marcas e feridas, nos faz mais condescendentes com os erros humanos... 

*PUBLICADO EM 25/02/2013, NO BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS e ARTIGOS LITERÁRIOS - SÃO LUIZ/MA ( + de 7 milhões de acessos na internet) Ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista.

16 comentários:

Anônimo disse...

Um conto bem intimista. Gosto

Comentário Enviado Por: Vitória Caldas Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

É, caro Ediloy, qualquer semelhança no seu texto com outras histórias de vida não é mera semelhança: é a própria vida!

Comentário Enviado Por: Leila Jalul Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Um drama envolvendo conflitos familiares. Muito bem escrito

Comentário Enviado Por: Gina Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Bravo Ediloy!!!

Comentário Enviado Por: Dorinha do Anil Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Um contaço

Comentário Enviado Por: Joana Amaral Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Ferraro você escreveu com muito talento sobre a condição humana. É por isso que fico com inveja, não tenho talento para analisar o lado psicológico da vida, fico naquela do oito ou oitenta. Resumindo: escritor é você, eu sou um escrevinhador matuto.

Comentário Enviado Por: william Porto* Em: 25/2/2013

* Blogueiro e contista.

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Caro poeta já ouvir dizer que quem não aprende pelo amor aprende pela dor. Embora eu não compactue com esta idéia devo admitir que o sofrimento nos faça crescer como pessoas e de certa forma também com o tempo tiramos das dores aprendizados que acabam nos fortalecendo para prosseguir nesta árdua jornada pelas estradas da vida. Muito lindo e reflexivo o texto, meus aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.


Jose Aparecido Botacini

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Um conto que conta o que vai na alma da protagonista. Muito difícil de escrever algo assim.

Comentário Enviado Por: Depaula Em: 25/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Drama dentro do drama, cauterizadas pelas mortes de parte dos agentes. Revisões e posturas existenciais passadas a limpo. Foi tudo rápido, fugaz, cirúrgico e uma consolação final de paz, Um conto, bravo Ediloy !!!!!!!!!

Fred DeMenezes
fredbut@oi.com.br
25/02/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

26/02/2013 12:12 - Katia Marques:

Que conto maravilhoso, prendeu minha atenção do começo ao fim! Parabéns pelos seus escritos.

Para o texto: DOR & CRESCIMENTO (T4154177)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

Ediloy, continuo em suspenso. Você vai me deixar aqui imaginando o que teria acontecido entre padrasto e enteada para que ela desejasse matá-lo. Muito bem pensado e muito bem escrito. Abração

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira* Em: 26/2/2013

*Contista com obras publicadas.

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


conto e imagens se complementam bem
Comentário Enviado Por: Socorro Em: 26/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Intimista e que desnuda a alma humana

Comentário Enviado Por: Melissa Costa Em: 26/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Putz, bem escrito demais.

Comentário Enviado Por: Jane Em: 26/2/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

26/02/2013 18:38 - Professor Edgard Santos:

Ed: Seu conto interessante trabalha fortemente o psicológico dos personagens e traz algum suspense que prende o leitor. É uma cópia da vida e dos acontecimentos que podem estar na existência de qualquer um de nós. Parabéns pelo trabalho!!

Para o texto: DOR & CRESCIMENTO (T4154177)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

Tocante. Muito bom

Comentário Enviado Por: Sílvia Sampaio Em: 03/3/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)