quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Publicado em livro na antologia NA LINHA DO TEMPO, edição especial 2010, da editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de Janeiro/RJ  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários - São Luiz /MA ( + de 7 milhões de acessos na internet) em 23/01/2013  Ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista.






Entre atos




No ar odores rescendendo a sexo, o corpo ainda largado, nu, sobre a cama de casal revolta do pequeno quarto. Arranjo simplório, alguns pôsteres de artistas, um criado mudo escuro, guarda-roupas de solteiro, duas taças com resíduos, uma com borda marcada de batom vermelho compunham aquele ambiente. A lâmpada enevoada de fumaça de cigarros dando ao ambiente sensação nauseante, de asfixia. O homem despido procura por suas roupas, enquanto fuma. A mulher, lânguida, extenuada, parece desfalecida. Ele retira da carteira algumas notas, confirmando em olhares com a parceira, deixando sobre o móvel, junto aos copos. Silêncio de dever cumprido para ela.  Sensação de saciado para ele, como quem obteve uma mercadoria pagando o combinado. Deixa o recinto, fechando a porta.
Ela, depois de alguns momentos na cama, senta-se, abaixando a cabeça deixando cair a vasta cabeleira sobre o rosto, encurvada sobre os joelhos, mãos segurando a cabeça, como que cansada da aventura. Os olhos vagueiam pelo chão, alheios os pensamentos em outros cenários, o rosto borrado da maquiagem, o rímel escorrido dos cílios, feito lágrimas pintadas. Está despida, dolorida, o varão lhe fora exigente, sente a pele esfogueada, marcada ainda pelas presas rudes, que palmilharam sua genitália, buscando o prazer. Carne exposta servindo de pasto à besta alheia, negócio acertado, preço e serviço, nada a reclamar. Apenas aquela sensação de aturdida, aérea, tentando reavivar-se.
Cambaleou até o banheiro, entrando na ducha, cuidando para não molhar os cabelos, a noite ainda seria longa. Com a água morna escorrendo sobre o corpo, tentando limpar-se da presença do cliente, odores e vestígio leitoso que escorria da vagina por suas pernas  perdendo-se no ralo. Apalpa-se buscando evidências de algum hematoma, sinais de mordidas, beliscões, a cabeça ainda sentida pelos puxões dos cabelos nos êxtases dos momentos orgásticos. Na dor da possuída esgares prazerosos do macho, violência consentida, partes do espetáculo de luxúria. Tudo dentro do enredo, acessórios necessários.
Buscou a pasta de dentes  e experimentou sensação de vômito, ainda o hálito nauseante de bebidas, fumo e sêmen, provocando enjôos. Vencendo a si mesma, cuspiu demoradamente na pia até aliviar-se, ensaiando sorrisos frente ao espelho. Sempre que fazia gestos e observava-se refletida naquele pequeno retângulo, vinha-lhe insistentes reminiscências, como a reviver tempos distantes, memórias que enterneciam e magoavam com a mesma intensidade, algo já inacessível, revividos amiúde.
A menina que via em reflexos com seus cabelos encaracolados e uniforme impecavelmente limpo, com sua inseparável lancheira e pasta com cadernos e lápis coloridos, preparando-se para ir à escola. A adoração pelo ofício de professora, que gostaria de ter sido na fase adulta. “O que você quer ser?” Respondia sem vacilar: professora ! E de biologia, adorava estudar a fauna, se encantava com os répteis. Especial interesse pelas serpentes na coloração da pele viscosa e nos seus escorregadios e ágeis movimentos.
Tantas voltas deu seu mundo, entre a doce menina e a atual prostituta.
A infância foi igual a de todas as colegas de classe média, moradora de cidade pequena do interior, não experimentou reveses traumáticos. Não teve para esbanjar nem careceu do necessário. Uma família com acertos e erros, como todas, afinal.


["Prostituta no espelho", Georges Rouault (1871–1958)]


Então por que aquela escolha?  Indagava para si mesma, entre sarcástica e incrédula, por vezes rindo irônica e amarga de sua própria trajetória.
Teria sido a precoce incursão pelo sexo, induzida pelo padrinho, fatos omitidos de todos?  Foram momentos de curiosidade e não de constrangimentos, havia uma menina e um adulto, um pacto silencioso, nascido de uma conquista muda, sedução carinhosa em tatos proibidos, que ela própria nunca quis romper. Jamais repudiou aquele homem, isso era certo para ela, não foi exatamente uma invasão de sua inocência, antes, uma descoberta de si mesma.
Não o reprimia, pelo contrário, o buscava. Nem se lembrava mais de quando tudo começou, apenas que foi a sua iniciação ao mundo oculto para crianças no universo adulto.
Ele  apalpava seus tenros seios, fazendo-a estremecer. Beijava, com seu hálito viril e quente, seu corpo juvenil, despia-a sem resistências dela, a pegava com carinho, colocando-a no colo,  provocando arrepios, nunca a penetrou. Como um cristal tênue a tratava, cuidadoso em seus gestos a aquecia com seus abraços protetores de macho, apenas a tocava suave e com ternura, fazia lhe bem, sentia-se amada, desejada, acalentada. Momentos mágicos, intensos, inesquecíveis, que retornavam em espirais de lembranças após cada aventura remunerada que fazia, deixando-a reflexiva, nostálgica. Jamais experimentara as mesmas sensações encantadas da menina inocente e seu parceiro adulto e amado.
Mudou-se na adolescência para a capital e perdeu de vista o companheiro de “descobertas”. Mas restou uma busca, inútil, inconsciente, por ele, que nunca mais viu.
Não o encontrou no primeiro namorado, o jovem que a deflorou, inexperiente e ansioso demais, nem em outros posteriores que se seguiriam. A decepção com tantos amores, a procura de algo que nunca soube o quê, a martirizava.
Sabia-se cobiçada, desejada como fêmea, bela como era, não regateava emoções quando lhe convinha, daí para  ser uma profissional do sexo não demorou muito...
Aos poucos, renascendo da apatia dos devaneios, recomposta, ressurgia a fêmea pronta para o próximo ato. Maquiagem retocada, cabelos alinhados, taças lavadas e cinzeiros limpos.  Borrifando aroma floral no ar viciado do exíguo recinto, esticava o lençol, ajeitava os travesseiros ...
- Que entre o próximo querido... 
(Pois o show deve continuar.) 

21 comentários:

Anônimo disse...


Comentário de Anna Karenina {Anouska}:

APLAUSOS !!!

(Mural dos Escritores)
16 de setembro de 2010 01:04

Anônimo disse...


Caro poeta são destas histórias que o submundo do amor faz seus reféns... Conflitantes porém "aceitos" pela maioria de nós onde o amor se transforma em objeto de compra e venda. Parabéns pela realidade de que é composto o texto.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
16/09/2010

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


16/09/2010 09:59 - Marco Aurelio Vieira

Cena de um belo e melancólico filme... Espetacular!

Para o texto: ENTRE ATOS (T2499862)

(Recanto das Letras)

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 11:43

Comentário de Ana da Cruz:

A prostituição é muito difícil para quem a vive. Ver na prostituta um ser humano é difícil para muitos que dela fazem uso, pois isso atrapalharia o coito, mas a humanidade tem caminhado na revisão de conceitos.

(Patrona do site Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 13:34
Anônimo disse...
Mural dos Escritores
Portal Revista da Rede Sócio-Cultural de Escritores

Ana da Cruz:

Conferir a publicação no blog 'ENTRE ATOS ( CONTO)'
Ver na prostituta um ser humano é difícil para muitos que dela fazem uso, pois isso atrapalharia o coito, mas a humanidade tem caminhado na revisão de conceitos. EDILOY FERRARO "ENTRE ATOS

Anônimo disse...


De: roney rissely (roneyactor@hotmail.com)
Enviada: quinta-feira, 16 de setembro de 2010 18:08:44
Para: ea-ferraro@hotmail.com


Fala meu querido e formidável autor
Emfim li "Entre atos"... Parabéns... É difícil dizer algo diante a tudo que você escreve. Esta só mais uma das grandes obras.
Vou transforma-la no curta como já havia falado. É preciso eterniza-las. e faze-las conhecidas de um público diferenciado.
Eu fico imaginando, quantas idéias ainda fermilham em sua mente esperando ansiosas para emergirem e serem apreciadas por nós , meros espectadores de sua mente brilhante.
Como e bom poder ter passando por tanta coisa e ainda poder estar aqui para conhecer de perto, alguem tão gentil, culto e sobre tudo amigo. Agora mais que isso,
poder conhecer esse escritor, que como um arqueiro, faz de suas palavras, a flecha certeira, carregada com a dosagem certa de cada emoção... no alvo distante dos nossos corações.
Parabéns
Te admiro muito
E amo a você e sua arte que com fabulo esmero completa a minha.

Forte abraço Roney

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 17:32

Comentário de José Antônio de Azevedo:

Sua escrita fácil e leve para o leitor prende a atenção de qualquer amante da literatura.Parabéns. O tema é bem o retrato das chamadas "zonas" nos antigamentes, porque hoje as coisas ficaram tão libertas que a composição do cenário do primeiro parágrafo virou hotel das estrelas. Dentro das modernidades tecnológicas do mundo globalizado o sexo virtual desbanca não só este cenário como toda a prática e os praticantes desse mercado milenar. Saúde, Paz e Tempo.

(Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 19:25

Caro poeta.
Parabéns pelo belíssimo conto, retrata com fidelidade, e com uma clareza inconteste. Fez-me relembrar uma crônica que escrevi em meados de l.976 que entitula mulher de ninguém. Meus aplausos, rogo ao criador para que possa permitir que servos teus, abrilhante nossas vidas com belas artes.

abç. confrade
VALDIR A. SILVA
valdirmassoestetica@hotmail.com

(Site de Poesias)

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 22:26

Comentário de Mário Osny Rosa:

Um belo retrato de um tempo passado, que ficava retirado do centro da cidade, e hoje ela está no dia-a-dia de cada um, como zona azul e o povo perdeu seu direito e tem que pagar para estacionar.
Belo conto parabéns,

Mário

(Mural dos Escritores)

Anônimo disse...

16 de setembro de 2010 22:49

Mais uma vez meus Parabéns!
Você é um excelente escritor
Um grande abraço

Regis Paiva

(site de Poesias)

Anônimo disse...

17 de setembro de 2010 11:54

Parabéns meu amigo! Retrataste o primeiro ato de uma tragicomédia com as pinceladas de Rafael.

Aplausos!!!

ubirajara
caravanapoeta@yahoo.com.br

( SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

17 de setembro de 2010 12:58

Caro Poeta em exercício de prosa, um conto realista e num estilo naturalista, onde as satisfações do prazer acabam mescladas as vicissitudes que quebram a mitificação da profissão onde serviço prestado é o sexo. Parabéns pela participação na coletânea!

Gilberto Brandão Marcon
gilbertomarcon@uol.com.br

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...


18 de setembro de 2010 10:01

Comentário de Arlete Brasil Deretti Fernandes:

Conto fluente, prende a atenção até o final. Parabéns.

MURAL DOS ESCRITORES


Anônimo disse...

04/03/2011 01:48 - Capitão Anilto

Beleza , Ediloy. Vou ler mais alguns...

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

Um conto triste, mas bonito.

Comentário Enviado Por: Ester Nolasco Em: 24/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Duro. Seco. mas bonito.

Comentário Enviado Por: Eline das Chagas Em: 23/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Conto e imagens nota mil e um. Adorei.

Comentário Enviado Por: Helenice Freitas Em: 23/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Forte. Lâmina afiada. Muito bem escrito.

Comentário Enviado Por: Keila Azevedo Em: 24/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...


Um contaço, amigo.

Comentário Enviado Por: Viviane Lucena Em: 24/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Muito criativo, mas duro como rocha. Todavia bem escrito

Comentário Enviado Por: Núbia Figueiredo Em: 26/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Foi livre escolha ser prostituta. Nem tão livre assim porque foi uma escolha impulsionada por um emocional mal resolvido. Ela não teve sorte no encontro de novos amores. Tudo indica que sua busca continuará por muito tempo e sempre mal resolvida. Mais uma vez, parabéns pelo ótimo texto e pela criatividade. Abração.

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 26/1/2013

(BLOG DO LIMA COELHO)