sábado, 14 de julho de 2012


Chuvas & temporais





Temporal anunciado, o céu tingia-se de cinza carregado, nos varais as vestes presas, agitadas num corre-corre levantando pó no quintal, redemoinhos brotados do chão em espirais, levantando terra em poeiras.
O alvoroço das galinhas buscando refúgios, mães afoitas com as roupas ameaçando voar levadas pelo vento ensandecido, parecendo ter vidas próprias, sedentas de se libertarem das amarras dos pregadores, dança desritmada, tresloucada.
Imagens fantásticas que chegam quando os sons dos ventos, batendo, uivantes, transportam-me àqueles momentos inesquecíveis. Na ventania, a chegada do minuano feroz. Naquela tela viva, de tons proféticos, apocalípticos, feito o dilúvio anunciado, tinha um quê de festa, de quebra da monotonia que invadia aquelas vidas plácidas.
Tudo se movia, ganhando agitações frenéticas, o ranger das janelas, portas e portões, tudo revolvido, ameaçado, fora de lugar, revolucionado, contrapondo com a harmonia das coisas estáticas e imóveis, tingindo em outras nuances as cores da paisagem rotineira e maçante daquelas vidas.




Olhos meninos, curiosos, atrevidos, buliçosos, sem atinar riscos e perigos, apenas, tão somente, o gozo pelas sensações trazidas na balbúrdia e temores dos adultos, uma agitação festiva, quebrando a tediosa paz daqueles dias, iguais e modorrentos. No corre-corre, ervas queimadas, Santa Bárbara invocada em preces mal balbuciadas, tremidas, temerosas do desconhecido, manifesto em raios coriscantes e estrondosos, fazendo os animais encolherem-se assustados. Vendavais bem- vindos e a adrenalina pulsante na adversa paz de cemitério dominante nas pessoas e paisagem.
A água beijava o chão ressequido rescendo cheiro bom de terra suada, evolando nas narinas olores de mato molhado, passava arrastando o que encontrava, vulcão em erupção, em lavas, chuva em lamas. Em bátegas, impiedosa, encharcava o terreno, furiosa chocando-se com as paredes da casa, como querendo demolir suas alvenarias e nos por a descoberto. O lar acolhedor, verdadeira barricada contra a borrasca ameaçadora, nos protegia contra as forças do sinistro, trazendo conforto e aconchego, unindo a todos naqueles momentos, como soldados em batalhas em suas trincheiras. Onde os ataques externos, nos confrangiam em temores, e a nossa tática inteligente era a resistência pacífica de esperar apenas o inimigo perder seus ímpetos, como quem descarregasse toda a fúria, até quedar-se aliviado e pacificado, com as armas sem munição.
Um chá quente e saboroso para espantar o frio trazido pelas águas, servido com bolachas e manteiga, animava a soldadesca. Restariam sequelas, talvez algumas aves morressem, galhos quebrados, telhas levantadas, um rescaldo do combate a ser averiguado quando tudo serenasse, perdia-me, absorto e sério, em cogitações como um general averiguando sua tropa, após sangrento confronto.
As árvores agitavam suas folhas, vergavam sobre a força do temporal e resistiam bravamente ao tormento travado na natureza. O dia se despedia precoce, tisnado no plúmbeo das horas enevoadas, ausentes as luzes do astro rei. Meio da tarde, escurecida, noite abreviada.
Ninguém colocava o pé fora, quem ousaria? Sob a condescendência dos adultos, todos anistiados dos deveres de ir à escola, coisa boa, motivos de alegrias mal dissimuladas em faces de falsa insatisfação.
No novo amanhecer, céu azul, límpido de nuvens, terra úmida, sol aquecendo e secando, hora de buscar as pipas, estilingues e bolas de gude, a brincadeira recomeçava...
E da janela, chuviscos amenizados, buscava o guarda-chuvas e, em passos saudosos e meditativos, lograva as ruas, não mais o menino, apenas o adulto pensante de um tempo, onde as chuvas me fazia feliz e hoje traz-me incômodos...


Noite de chuva no farol

* Selecionado para figurar na Antologia de contos fantásticos, editora CBJE, Rio de Janeiro-RJ, edição janeiro2011.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.
*Publicado no BLOG DO LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos Literários ( 5 milhões de acessos) - São Luiz - MA . Ilustrações da Poetisa e contista Mel Alecrim.

Tarde de Chuva

20 comentários:

Anônimo disse...

09/12/2010 21:16 - Marco Aurelio Vieira:

Conclusão surpreendente! Espetacular! Você é, de fato, um grande artista!

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

18 de dezembro de 2010 01:40

09/12/2010 21:06 - Poetisa Menina

Adorei a maneira como você descreveu a chegada do temporal! Parabéns! Abraços

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

18 de dezembro de 2010 01:41

09/12/2010 20:59 - oOoll NOTURNA lloOo

Seu conto traça a paisagem, constrói a cena... muito bom! E chuva, ah, adoro!

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

Somente uma pessoa com muita categoria é capaz de escrever um conto igual a este. Mais uma vez, meus parabéns.

Zé Gaiola
gaiolalmeida@terra.com.br
18/12/2010

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

18 de dezembro de 2010 10:55

Caro poeta o seu texto expressa com muita fidelidade este movimento da natureza que hoje pelos problemas causados pela mão do homem deixou de ser um evento de imagens bucólicas para se transformar em verdadeiros transtornos para a humanidade. Muito propicio e atual o seu conto, meus sinceros aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.

Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
18/12/2010

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

18 de dezembro de 2010 12:42

Comentário de cristiano vasconcelos:

Narrativa bem construída, ritmada (veloz), repleta de imagens cotidianas que ganham um aspecto extraordinário. É o tipo de texto que quase nos tira o fôlego, de forma que ele nos obriga a acompanhar seu desenlace, paradoxal, conforme o desfecho que você inseriu. Muito bom!


Abraços,


Cristiano

(VERSO & PROSA)

Anônimo disse...

18 de dezembro de 2010 20:51

Olá Ediloy, bom dia

Caramba, como é emocionante ler seus textos, me lembro quando a gente queimava aqueles ramos que eram benzidos (no domingo de ramos) para afugentar as tempestades. Mais uma vez voltei ao passado e apesar de não ser saudosista, foi realmente deliciosa a sensação de retorno no tempo...

Simplesmente Divino

Um grande abraço
Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com

(SITE DE POESIAS)

Blog do Ediloy disse...

16 de março de 2011 11:11

TEXTO SELECIONADO NA ANTOLOGIA
10 CONTOS FANTÁSTICOS, EM E-BOOK, BR LETRAS DA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, RIO DE JANEIRO/RJ.

SELEÇÃO FEITA POR MARCELLO TEDESCO, PROFESSOR E UM DOS FUNDADORES DA CBJE.
3 de agosto de 2011 20:04

Anônimo disse...

um conto beleza do Ediloy

Comentário Enviado Por: Márcia Lopes Em: 14/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Gostei da escrita

Comentário Enviado Por: Lourdes Café Em: 14/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

postagem disse...

Oi Ediloy, passando para deixar um abraço e me deliciar com suas escritas... Essse conto em especial muito bom...

Abraços.
Como faço para seguir teu blog???

Anônimo disse...

Intimista. Bonito

Comentário Enviado Por: Albertina Pacheco Em: 15/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Memórias de chuvas. Medonhas, mas bonitas

Comentário Enviado Por: Patrícia Mendes da Cunha Em: 15/7/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Gostei muito. Bem intimista

Comentário Enviado Por: Francine Em: 14/7/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Muito bom. Um conto de memórias das chuvas e das tempestades

Comentário Enviado Por: Lenir Sacramento Em: 14/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

É ler um texto de Ediloy e me bate uma inveja sadia. Grande Ediloy.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 14/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Eu vou parodiar o Willian: me bate uma inveja da tua escrita! Suas descrições nos colocam no centro da cena. Ótimo! Abração

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 15/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Belo conto! Para mim também, hoje, as chuvas me incomodam.
Abraços,
Tânia.

Comentário Enviado Por: Tânia Du Bois Em: 16/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Muito bom, em tudo

Comentário Enviado Por: Janduir Feitosa Em: 16/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Parabéns, Ediloy !

Comentário Enviado Por: Eleuza Xavier Em: 16/7/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)