sexta-feira, 15 de junho de 2012


Reminiscências outonais

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Estranhas aquelas manhãs hibridas, anunciavam-se frias e iam, aos poucos, temperando-se no avançar do dia, algo como verão tardio, vagaroso que dormia até tarde, dando oportunidades para que o incipiente inverno se anunciasse, ainda que tímido. Assim eram aqueles dias outonais, uma mescla de sentimentos, guardados nos refolhos da alma e que despontavam, amiúdes, pela estação intermediária entre o tórrido verão e as temperaturas frias do inverno.
Dizer-se que tinha uma identidade própria era suspeito, se em outras plagas o cair das folhas representava a estação meio, ali, no centro de chão asfáltico, aquilo não se presenciava...
Restavam reminiscências trazidas sempre que a estação se prenunciava. Será que nos íntimos das mentes dos transeuntes que circulavam tais cogitações dessas ordens davam vazão? Não se saberia, universos ambulantes em suas confidências, o certo é que ali, no recinto dos devaneios ociosos, tais inquietações do espírito faziam-se ouvir, sentir.
Da janela, avistando gentes que trafegavam apressadas em suas rotinas, o olhar debruçava-se além, como se buscasse, motivado por sensações trazidas, a outros momentos difusos, em retalhos, situações já vividas. Nas gavetas do arquivo íntimo, revisitadas nas oportunidades emotivas, trazidas em lembranças a povoar um mosaico complexo e de nuances, ora lúcidas, por vezes distantes e confusas. O certo é que as sensações visitavam-no, palpáveis, embora indistintas, saborosas como o aroma de frutas típicas, próprias à cada época.





E a realidade presente se distanciava para momentos anteriores, quase que sem domínio próprio... Tratava-se, imperceptíveis aos alheios, uma luta íntensa, íntima, para se firmar âncoras e evitar levitações e ausências, impróprias para o cumprimento das lidas cotidianas, sinalizadas no calendário na inexorabilidade dos ponteiros do relógio e no sinalar da agenda sobre a mesa. Em que sítios visitava sua mente tresloucada? Não saberia ao certo, apenas aos supetões de instantâneas lembranças não lineares, como uma narrativa surreal, mas cheia de aromas e sabores, o que a tornava cristalina e quase materializada, embora tudo não fosse uma viagem interior, na ausência de si mesmo, ausente aos fatos e às rotinas...
Incômodas viagens inusitadas trazidas por aqueles dias indefinidos entre duas estações marcantes. Seria a dubiedade, o hibrido, entre duas situações opostas? Tudo eram cogitações, tão arraigadas e idiossincráticas, que temia partilhá-la com outros, visto sequer saber que enfoque dar ao assunto, tão etéreo, sensível e pessoal...
Ensimesmado, andava nas calçadas como quem mede os próprios passos e ouve a cadência dos sons no atrito dos sapatos sobre o chão, um Ser devaneia em meio à multidão atarefada, assoberbada em si mesma... A tal solidão coletiva, partilhada como membro de uma manada a cumprir o ritual do trajeto comum, ilhados em si mesmos e distantes nas suas intimidades.




O cair da tarde, antecipando a noite, no frescor já verificado no amanhecer, em respingos de uma garoa fina, apressando gentes em suas correrias, trazendo o arsenal de guarda-chuvas enfeitando de cores o passeio público, e a balbúrdia da cidade em sua algaravia de ruídos, estressada no congestionamento quilométrico, os olhos hipnotizados no vaivém do parabrisas, na música solta no rádio fm, companheira das divagações, entremeadas da atenção nas trocas de marchas e movimentos mecânicos para se movimentar o carro enfilerado compulsionariamente no engavetamento.
A noite não tardaria, fresca, insinuante, abreviada na estação que a fazia mais longa.
Cinzentas tardes, onde a mente solta, irriquieta, poeta, devaneia e brinca com a sisudez das aparências, deixando um Ser vagar em si em busca de sensações já experimentadas e respostas...
 CONTO ESCOLHIDO PARA PUBLICAÇÃO EM CONTOS DE OUTONO, EDIT CBJE, LANÇAMENTO ABRIL/2010.  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

* publicado no BLOG DO LIMA COELHO- Contos, crônicas, Poesias e artigos literários,São Luiz-MA, com ilustrações de MEL ALECRIM, poetisa e contista. 

15 comentários:

Anônimo disse...

Oie Ediloy,

Estou apreciando suas crônicas maravilhosas. E estou começando a achar que os cronistas são mais felizes que os poetas por que são mais detalhistas. Narram mais e é uma sincronia mais afinco das palavras.


Abraços.
Jane Cris Ѽ
janedireitopenal@hotmail.com
03/04/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

3 de abril de 2011 16:21

Oi, Ediloy, Bom Dia,

Como citou a Jane Cris em seu comentário logo abaixo Vc nos motiva a criar com sua maneira gostosa de escrever e digo que és o responsável pela minha recente descoberta de tambem usar o conto/crônica para desenvolver melhor as idéias que surgem de inspiração. Quanto a esse conto é mais uma maravilha que nos leva às reflexões necessárias de aprendizado de vida... excelente, parabens

Abçs

Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com
04/04/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

4 de abril de 2011 09:06

Cara poeta o outono é uma transição entre a renovação do espírito humano em conformidade com a natureza. Como sempre nos brinda com um lindo texto, parabéns.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
05/04/2011

(SITE DE POESIAS)
5 de abril de 2011 11:08
Anônimo disse...
Que maravilha de texto...
Imaginei o outono, vivenciei
e já estou na espera do aconchego
do inverno.
Adorei!!!
Abraços da Val.

Val Bomfim
valbomfim@uol.com.br
04/04/2011

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Anônimo disse...

5 de abril de 2011 11:09

O outono é uma estação muito interessante na minha opinião.
Exatamente por esse clima intermediário que sente-se no ar.
E como vc mais uma vez tão brilhantemente descreveu, os pensamentos voam nesse clima, assim como as folhas das árvores .
Lindo, lindo.
Meus sinceros aplausos.

Aline Lima
ALINELIMACASTRO@HOTMAIL.COM
04/04/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Que maravilha de texto...
Imaginei o outono, vivenciei
e já estou na espera do aconchego
do inverno.
Adorei!!!
Abraços da Val.

Val Bomfim
valbomfim@uol.com.br
04/04/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

prezado Ediloy, um conto muito generoso

Comentário Enviado Por: Messias de Assis Em: 15/6/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Quer ler um texto singelo e perfeito?
São assim os textos do Ediloy.
Parabéns, amigo!

Comentário Enviado Por: Leila Jalul Em: 15/6/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Achei massa demais da conta.

Comentário Enviado Por: Goreth de Tabuí Em: 14/6/2012

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Anônimo disse...

Quando leio os textos de Mestre Ediloy fico com uma inveja sadia, não sei como ele faz parater tanta facilidade de expressão.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 14/6/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

O outono faz desabrochar lembranças

Comentário Enviado Por: Ulisses Em: 14/6/2012

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Anônimo disse...

showzaço, conto e ilustrações

Comentário Enviado Por: Gilda Arruda Em: 14/6/2012

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Anônimo disse...

Um belo conto.

Comentário Enviado Por: Francine Em: 14/6/2012

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Anônimo disse...

um conto bem estruturado e bem
escrito

Comentário Enviado Por: Larissa Dias Em: 16/6/2012


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Anônimo disse...

Tudo no outono tem uma dimensão diferente

Comentário Enviado Por: Mabel Em: 16/6/2012

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Anônimo disse...

A mudança de estações ensejou ao Ediloy a prática do filosofar, de maneira muito leve e suave. Gostei. Abração, Ivette

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 16/6/2012

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