segunda-feira, 16 de abril de 2012

A volta







Nos passos dados, já distantes no tempo, ora retomados, vagando alheio, percorrendo devagar, perscrutando reminiscências. Era o retorno a uma terra amada, agora estranha, de pessoas diferentes, para quem era um estrangeiro a vagar em pegadas e olhares abismados.
Os olhos percorreram a paisagem, parecendo afoito a buscar vestígios, reconhecendo o território. A expressão do rosto denotava seus sentimentos, sim, nada mais reconhecia... Até a si próprio percebia-se distinto daqueles moradores, nenhum rosto familiar, ninguém para perguntar de alguém, nenhuma referência a ser lembrada como pista...
Foram quatro décadas passadas, um mergulho no tempo, no passado, tentando recriar um cenário já diluído, consumido, alterado pela modernidade ditada pelas necessidades da agora média cidade, não mais tão pequena como já o fora...
Ausentes entes contemporâneos, correrias e folguedos na infância evolada nas espirais rememoradas em tempos idos, lembranças pessoais esvaídas, marcas apagadas, esmaecidas, nada mais lembrando o que foi um dia...
Sofrida sensação de se sentir um visitante naquilo que lhe pertenceu, cenários de seu passado, nas mais ternas das recordações, parecendo ainda ouvir o som do alto-falante anunciando eventos, noticiando óbitos, comercializando produtos e tocando músicas que ainda vibravam vivas, intensas, nos ouvidos. Sons que, ouvidos ocasionalmente, traziam vivas as emoções da infância e pré adolescência naquela terra vividas.

 E o velho casarão, o cinema da cidade, onde assistia às matinês nos duros bancos de madeira ? Eram filmes registrados na memória, com suas canções, personagens, estórias latentes, que emergiam criando um cenário justaposto ao visto, apenas imagens , inexistentes na atualidade, imaginárias, palco único mantido em sua memória, na solidão de suas lembranças.
A luz dos postes de madeira, clarões foscos, amarelados, no início de sua chegada, fornecia energia elétrica até as vinte e três horas, através de um gerador, depois apenas a bruxuleante iluminação das lamparinas de querosene ou lampiões a gaz , as ruas eram iluminadas pelas noites de lua em um céu em que reverberavam constelações de estrelas...
Nítidas as imagens da comemoração da estréia da luz elétrica, com seus postes de cimento, o cortejo de carros barulhentos, com suas buzinas acionadas, comemorando o advento da modernidade que surgia...
No passado, uma avenida principal, demarcada nas extremidades pela igreja católica, então de madeira, a cruz enorme, o átrio e o coreto, a missa da primeira comunhão, os flertes inocentes durante os sermões do padre, cabelo escovinha, alemão austero...
As procissões dos fiéis em filas indianas, com velas à mão, em cânticos saudando os Santos, levados pelos párocos sobre os ombros em altares suspensos, quem não participava, acompanhava das calçadas, mobilizando todo o povo.
No outro extremo da extensa via de duas pistas, a escola estadual.
Além do educandário público, adentrando nas quebradas do matagal, conhecido como Picadão, por ser uma verdadeira clareira cercada pela mata, ocultava um conjunto de casas de madeira, onde hospedavam as mulheres que recepcionavam os casados em suas escapulidas extraconjugais, e os solteiros. Aos meninos restavam as curiosidades de saber o que se escondia naquele conjunto habitacional tão procurado e comentado.
Celeiro de escândalos, as "moças" adentravam a cidadela em charretes cobertas, despertando comentários e chamando a atenção dos transeuntes. Mulheres vestidas com roupas ousadas e vistosas nas padronagens dos tecidos, além das maquiagens fortes e acentuadas.
Moradoras exóticas ao ambiente, com meios de locomoção próprios, tocados por cavalos. Volta e meia, os noticiários febricitantes das línguas do vulgo davam contas de que fulano ou sicrano foi recebido a pauladas por suas dignas esposas, após inconfessáveis aventuras. Engraçado era vê-los, contritos, se penitenciando nas missas domingueiras das façanhas mundanas da semana... Nada que passasse despercebidos pelas antenas falantes das eméritas filhas de Maria...
Por vezes, amargava a sensação de também ele ser uma personagem irreal em busca de uma realidade inexistente, plasmado no seu ´íntimo, um outro mundo, diverso do que via naquele retorno...
Voltava a uma terra estranha que julgava ter conhecido, página virada de sua vida pessoal, onde vivera parte de seus principais anos, mas não mais se reconhecia, estava deslocado, desalojado de suas origens.
Sentia-se como alguém sem história, sem raízes, um viajante jovem que dali partiu um dia para uma cidade imensa, cosmopolita, onde, com os anos, foi perdendo suas características interioranas, seu jeito peculiar de falar, eventuais expressões idiomáticas ou sotaques, pulverizados na miscelânea aculturada da megalópole, mãe hospedeira de milhões de filhos, de diversos estados do País, num emaranhado de culturas diversas...
Por certo, os registros da escola pública atestavam sua existência passada por lá, apenas papéis não desmentindo ser ex-habitante, confirmando suas reminiscências e lucidez...
Quanto ao mais, até a rua que tanto lhe pertencia em suas aventuras e afetos, restava um número, a ele se figurava como um estranho...

(Di Magalhães, Largo do Chafariz, cidade de Goiás)
Selecionado para figurar na Antologia Contos de Outuno, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro/RJ, edição abril de 2011-
  Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora. Ilustrações MEL ALECRIM, blog do LIMA COELHO - Contos, Crônicas, Poesias e Artigos - São Luiz/MA
 

26 comentários:

Anônimo disse...

Um contaço, sobretudo intimista.

Comentário Enviado Por: Messias Em: 16/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Oi Ediloy, a volta à terra natal é sempre desejada mas nem sempre ocorre como sonhada

Comentário Enviado Por: Myriam Mateus Em: 16/4/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Também já vivi a emoção desconfortável de ser estranha em minha própria cidade.
Bela abordagem, Ediloy.
Meus parabéns!

Comentário Enviado Por: Leila Jalul Em: 16/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Parabéns, mestre.

Comentário Enviado Por: João Antônio Em: 15/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Uma maravilha de texto, Sir Ediloy.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 15/4/2012


(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Voltar nem sempre significa encontrar o que se busca

Comentário Enviado Por: Larissa Dias Em: 15/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Ediloy, já me senti assim ao voltar, depois de muitos anos, à minha terra natal. As grandes avenidas, o trânsito lento devido a tantos automóveis, motos e caminhões; um comércio padronizado e grandes shoppings que destruiram os pequenos armazéns e quitandas daqueles que eram mais do que comerciantes, vizinhos e amigos, de quem comprávamos fiado, marcando na caderneta a ser paga no final do mês, quando se ganhava uma lata de goiabada. Você relata muito bem essa perplexidade, essa ausência que dói, pois já não se podem encontrar as próprias raízes. Parabéns.

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 15/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

07/02/2011 18:57 - Capitão Anilto

Melhor guardar as imagens das nossas recordações. As cidades são dinâmicas, os pequenos e bucólicos lugarejos do nosso passado rapidamente se tornam emaranhados de casas, desfigurando as imagens que nossa felicidade teima em manter vívidas. Abraços.

Para o texto: A VOLTA (T2774034)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

14 de fevereiro de 2011 15:10

Comentário de Ana da Cruz em 6 defeveiro 2011 às 15:52:

Muito bom o conto. Parece que tendo continuidade, virará um excelente romance. ..

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

14 de fevereiro de 2011 15:12

Comentário de Albérico Silva de Carvalho em 8 fevereiro 2011 às 18:44

O progresso, poeta Ediloy, determina mudanças drásticas contudo fica na lembrança o tempos de infância, a adolescência tudo isso fica registrado no livro da memória. Sentir-se estrangeiro em sua propria terra natal, é no mínimo inusitado. Crias-te uma bela imagem e assinalas-te os contrastes de forma brilhante.

Parabéns!

(VERSO & PROSA)

Anônimo disse...

14 de fevereiro de 2011 15:14

Mensagem referente ao texto: A VOLTA (CONTO)
Otelice Soares

E assim vamos nós, meu caro poeta, a deslizar por entre os espaços do tempo, a percorrer novos outros tempos, até o retorno, a busca da nossa identidade, lá, já tão longíngua a nos acenar, como se fôssemos um estranho qualquer. E essa velha nova sensação de encontro e perda, pés fincados no solo materno, coração pesado, ambulante, em busca das raízes.
Parabéns. Belo conto que me despertou, em saudades, a configurar na lembrança a minha cidadezinha, que já não pude mais reencontrar.Obrigada por proporcionar-me tão bela leitura, a me envolver, despertando-me emoções, trazendo-me imagens, fazendo-me em saudades.
Um grande abraço.

(ESPAÇO LITERÁRO O MELHOR DA WEB)

Anônimo disse...

14 de fevereiro de 2011 15:19

Walter Dib / Águas de Santa Clara-SP
Parabéns!
Caro Ediloy.
Você tem talento. É de fato um escritor. Parabéns e sucesso.

ENVIADO EM: 12/02/2011

(VIA EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES)

Anônimo disse...

14 de fevereiro de 2011 23:54

Caro poeta o seu texto arremeteu-me aos anos 70 da minha doce juventude. Lembranças de quando voltei á minha terra natal, aquela praça, uma linda garota de olhos azuis... A pipoca o matinê, tudo aquilo me veio na memória apenas memórias. Ha! Que saudades, doces saudades. Belíssimo texto meus calorosos aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
15/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

15 de fevereiro de 2011 17:00

É isto que chamo de literatura...quando as palavras nos leva mentalmente a algum lugar do passado existente ou imaginário. Fui lá onde nasci lendo seu texto. Valeu amigo, muito bom. Parabéns!

Daniel Rosa
daniel_rosa2003@yahoo.com.br
15/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

15 de fevereiro de 2011 23:10

Oi Ediloy,

Que maravilha. Não sou saudosista mas esse conto é impressionante como um tunel do tempo... emocionante e real...

Pedrinho Poeta
pedro.poesia@hotmail.com
15/03/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

15 de março de 2011 09:54

Teu texto "A Volta" parece antecipação do que vou passar daqui a trinta dias. Voltarei à cidade de Alagoinha, PE, depois de 25 anos. Na verdade depois de 45 anos, pois vivi lá no começo dos anos 60, e só voltei em duas ocasiões, mas não tive tempo de absorver o crescimento da cidade. Lendo o texto, li o futuro. Provavelmente será exatamente o que vou sentir quando lá chegar...

Abraços.
Capitão Anilto

( RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

25/06/2011 23:35 - Jennifer Albuquerque

Boa noite. Muito bom, recorda imagens em nossa memória de um tempo que não volta mais. Com o desenvolvimento das cidades que antes eram pequenas... Acabou o verde, que viamos nas ruas antes calmas, hoje se vê o barulho intenso de carros... Parabéns.

( RECANTO DAS LETRAS )

Blog do Ediloy disse...

26 de junho de 2011 18:31

depoimentos coletados no orkut sobre a cidade de MARILUZ/PR onde se passam os fatos narrados neste conto:

Parabéns!!!
Oi Ediloy,
pra quem morou em Mariluz...esse conto realmente causa muita emoção ...
e traz de volta à memoria.... lembranças muito felizes...!!!
Entrei no site das poesias ...gostei muito da forma como vc escreve...parabéns!!!
Tenho algumas fotos de Mariluz dessa època do seu conto...com a cruz de madeira na praça da igreja,etc....fique à vontade se quiser me adicionar.
Um abraço,
Simone

26 fev

parabéns !

Oi Ediloy li tudo com muito interesse e parecia estar caminhando dentro de mariluz........saudades e orgulho de ter nascido la.Obrigada pela emoçao.
2 mar
Anônimo

bom
muito bom
3 mar

Ótimo!! Parabéns!! Voltei ao passado e senti um aperto no coração de tanta saudade...Ainda mais pra mim que estou do outro lado do mundo! Que saudade da minha terra!!!

18 abr/2011
Anônimo
conto
Parabéns Ediloy ! Lendo seu Conto, me senti em Mariluz, como é bom lembrar de momentos vividos e que por mais esquecidos que estejam , teimam em povoar nossas lembranças, de forma boa.Com muita saudades. Muita paz e sabedoria a vc.

27 out/2011
Anônimo
Parabéns ... mto bom mesmo ,morei em Mariluz , me lembro de tudo isso . Um grande abraço .

Anônimo disse...

Um conto que me tocou muito.

Comentário Enviado Por: Eliene Matos Brito Em: 16/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Voltar é desejado, mas nem sempre nos alegra

Comentário Enviado Por: Rebeca Ferreira Em: 16/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Caro Ediloy, beleza de conto.

Comentário Enviado Por: Núbia Figueiredo Em: 16/4/2012

(BLOG DO LIMA COELHO)

Anônimo disse...

Luis Mello Neves:

Acabo de ler A Volta e, eu que nunca mais voltei à nossa Mariluz em mais de quarenta anos de ausência, me vi dentro da frase "a sensação de também ele ser uma personagem irreal em busca de uma realidade inexistente, plasmado no seu ´íntimo, um outro mundo, diverso do que via naquele retorno..." Um abraço, e obrigado pelo texto!

( via Facebook)

Anônimo disse...

incrivel,como voce descreveu as "moças"das charretes,enqto. lia parecia que estava vendo...as bocas vermelhas combinando com as unhas ...hoje gostamos tanto de batons e unhas vermelhas...mas naquele tempo usavamos esmalte :neblina,morena rosa,uma especie de cor rosa,tbem no maximo um laranjado meio acetinado que me sumiu o nome agora...



Blog do Ediloy disse...

Alguns depoimentos feitos no facebook sobre o conto, por personagens vivas de minha infância e pré adolescência na cidade de Mariluz/PR:



Elza Nishi: Eu nao disse que vc gostaria de ler e sim, sugeri que lhe enviasse o link pois o conto dele retrata a cidade onde passamos nossa infância e adolescência com todo um colorido especial!!!

Lurdinha Salles: Oi, Ediloy Antonio Carlos Ferraro,li seu conto, muito lindo, qdo quiser visitar Mariluz minha casa está a sua disposição, será bem vindo,tem muito ainda daquele tempo,muitas lembranças,pois a a cidade não cresceu quase nada.Abraçao

Edson Luiz Tortola: Li o texto rememorando imagens daquilo lá escrito. Muito bom!

Elza Nishi: Edson Luiz Tortola coloca o link no fundo do baú

Silda Jane Castro: nossa! muito descritivo,bom demais....as lembranças surgiram como num passe de magica...

Wagner Cazula: Ediloy Antonio Carlos Ferraro Li i e fiquei imaginando nosso autor retornando a Mary light. Espetacular, recomendo.

Paulo Libânio de Carvalho disse...

Parabéns Ediloy , saudade Mariluz ,minha terra .

Paulo Libânio de Carvalho disse...

Parabéns Ediloy , saudade Mariluz ,minha terra .