quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A DOR DA AUSÊNCIA ( CONTO)


Antes tê-lo nas desavenças, ao silêncio representado na despedida.   Vítima de paradoxos emocionais, a ida definitiva deixava um vazio intolerável. Sua presença , na ausência, doía mais. Muito além que as contrariedades das pequenas 
questões, do opinar contrariado, de humores estragados, preenchia os espaços, apesar de tudo. Na distância, a dor presente, da presença imaginada, lembrado, impregnado nas paredes, gestos e passos, nítidos, percebidos, poeira dos tempos, momentos passados... Parecendo existir na ausência, como presença invisível, percebida sem ver. Ressentida e doída, na procura vã a lembrada imagem dele distante.

Laura andou pela casa, evasiva, melancólica, afinal, desligara-se dele, definitivamente. Era só questão de tempo, de purgar a memória, de acostumar-se distante, reconstruir os passos, curtir a liberdade tantas vezes anelada, supliciada pela vida a dois.
Não fora como pretendia, mas estava livre. Já não teria o fel a ser sorvido a dois, na solidão conjunta, Seres em mundos paralelos, sem retas convergentes.

O estado civil alterava, nada mais a retinha a ele, oras, por que sofrer ? Tantas vezes desejaram-se ver pelas costas, o que talvez faltasse a ambos era a coragem de sepultarem o insepulto cadáver da relação. Tudo resolvera de forma automática, sem litígios, nem advogados de lado a lado, dividindo os  bens materiais amealhados.
Como explicar a si mesma aquela sensação de vazio, de sentir-se inteiramente só, embora sempre se achasse independente, quando estavam juntos ?

Seria a falta que ele estranhamente representava, ou o medo do novo que se apresentava em sua vida ?  Questionamentos que não sentia-se capaz de concatenar, racionalizá-los naqueles momentos. Apenas a apatia, o estresse de se sentir desvinculada dele.

Correntes que aprisionam os Seres, dores acostumadas a serem sorvidas entre quatro paredes, sendo a liberdade uma quimera perseguida, quase uma esperança alimentando os dias e justificando as desditas. Algo que se anseia como objetivo, sendo razões para justificativas, nada mais que isso.

Por vezes o queria como um bibelô e mimo, disponível, apreciável a  alimentar a convivência, como algo aprazível, desfrutável... As dores do outro, ironicamente eram sabores seus. Nada como tê-lo para achincalhá-lo, o recriminando sempre em suas observações tenazes e irônicas. Cadeias geradas no imaginário das inseguranças, onde o outro torna-se apenas o reflexo das próprias angústias nutridas pela mente dominadora, sendo as vacilações  e dúvidas deste, as certezas do domínio, da submissão e da posse. Como se das fraquezas alimentasse as falsas convicções de poder sobre o parceiro. As luzes do outro, trevas e temores do dominador.

 Agora, sem ele, sentia-se solta, sem ecos aos reclamos, sem submissão ou consolos. Via-se nua com as suas fragilidades psicológicas, ou falsas verdades. Sim, pois recriminá-lo pelas pequenas faltas a assegurava em suas supostas certezas como  a dona da verdade. Naquele jogo neurótico, quem libertava-se de quem ?

A quem direcionar o seu domínio, impor o seu poder ? Laura angustiava-se. A  pretendida liberdade era apenas, sempre, uma pretensão, uma justificativa, uma falsa razão construída para si mesma. No íntimo, o queria refém, sob controle de si, de sua impositiva autoridade. Aquilo a fazia forte. Sem ele, sua muleta, sentia-se perdida, estranhamente fraca, sem rumo. Por razões oblíquas de lógica, o submisso, em sua situação, submete aquele que o submete, talvez fosse isso. Rompida a corrente da dominação, o dominador perdia sua referência.

Ele estava distante, inacessível aos seus domínios, enfim, livre, aquilo a incomodava, a quem dizer o quê, ministrando regras, fazendo-se senhora da situação ? Ou mesmo tendo a contrariedade de suas ordens, o que alimentava, de certa forma, aquela confusa relação a dois.

Dele restava o silêncio, apenas a presença pressentida, evocada na memória da parceira que se ressentia de sua ausência, para reafirmar-se em suas inseguranças, nutrindo suas falsas certezas, impondo-se.

Com o tempo, amoldaram-se como partes de um mesmo todo, em dialéticas oposições, dando cada qual sentido ao outro. Sem ele, a bússola estava biruta, sem eixo e nexo. Ninguém poderia perscrutar o que lhe ia em seu íntimo conflituoso, a reclamar a ausência do parceiro como se sentisse a falta de um leme em barco à deriva nos questionamentos. Quem a visse, consternava em piedade, vendo sofrer a morte de alguém querido. 

Eis que o pranto emudecido, jaz onde a dor impera, soberba, inteira, encobrindo a luz, amargando espinhos, no ambiente daquela câmara mortuária. A ausência presente, dolorida e desvairada, sem lenitivos, inconsolada. Em lágrimas onde a beleza fenece, pranteando saudades

Enquanto o corpo jazia inerte, venerado, velado, as lágrimas derramadas, ela tinha cúmplices nas dores da perda, no luto e na solidariedade, as mágoas amenizadas. Quando tudo se consumou, despedidas, condolências, ficando solitária em sua rotina, sem ecos aos seus argumentos, a voz monocórdia do interlocutor cessada, nenhuma diferença polemizada, apenas o palco vazio num monólogo enervante.

A inesperada e falsamente ansiada liberdade, rompendo laços, a fazia inteiramente presa e inconsolável, obsediando o falecido, como ambos se fizeram na carne, no dia a dia de suas convivências.

Restaria o consolo do tempo, consumindo, esmaecendo a figura marcante, dissolvendo, sumindo, buscando novos rumos e objetivos, reaprendendo a conviver, esquecendo...


*TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA LIVRO DE OURO DO CONTO BRASILEIRO, EDITORA CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ, EDIÇÃO JUNHO/2011 / SELECIONADO PARA FIGURAR NA EDIÇÃO ESPECIAL DO PANORAMA LITERÁRIO BRASILEIRO, ENTRE OS MELHORES CONTOS DE 2011 DA CBJE.

17 comentários:

Anônimo disse...

11/05/2011 15:31 - Claudia Nunes Ribeiro

Magnífico texto. Chorei em vários momentos, pois está muito próximo a minha atual realidade. Parabéns.

Para o texto: A DOR DA AUSÊNCIA

(T2963332)RECANTO DAS LETRAS
13 de maio de 2011 14:02

Anônimo disse...

11/05/2011 14:47 - monique higgins

Palavras certeiras.Um belo conto triste!Abraços.

Para o texto: A DOR DA AUSÊNCIA (T2963332)
(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

11/05/2011 14:25 - Lee Rodrigues

O costume...A sensação de perda...Meus sinceros aplausos poeta

Para o texto: A DOR DA AUSÊNCIA

(T2963332)(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

13 de maio de 2011 14:03

Comentário de Ana da Cruz:

Que bom existir um novo amanhã.

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

13 de maio de 2011 14:17

Realmente as pessoas se adaptam à vida que levam. Reclamamos de certas situações e até delas queremos nos livrar, entretanto, quando nos livramos do que nos aflige, sentimos sua falta.

Parabéns pela clareza do texto!!!

ubirajara
caravanapoeta@yahoo.com.br
14/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

14 de maio de 2011 10:40

Sim caro poeta já foi dito que é melhor uma tristeza para se lembrar do que passar a vida sem nada para declarar. Na nossa vida é comum a gente querer ficar livre de algo ou de alguém, depois que perdemos, então choramos a sua falta. Muito reflexivo o seu texto, meus sinceros aplausos.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
15/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

15 de maio de 2011 17:59

Show de bola!

Sandra Cristina Martins
sandrynharj@yahoo.com.br
16/05/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

17 de maio de 2011 20:03

Um cotidiano de sofrimento

Comentário Enviado Por: Vanda Maria Em: 25/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)

Anônimo disse...

25 de maio de 2011 13:56

Caro Ediloy, beleza de conto

Comentário Enviado Por: Alice Matos Em: 25/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, ARTIGOS E POESIAS)

Anônimo disse...

25 de maio de 2011 23:31

Gostei dessa viúva sincera

Comentário Enviado Por: Yole Em: 25/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)

Anônimo disse...

25 de maio de 2011 23:33

Eis um contaço!

Comentário Enviado Por: Maria das Graças Dourado Em: 26/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS,ARTIGOS E POESIAS)

Anônimo disse...

26 de maio de 2011 13:34

Há pouco tempo presenciei cena semelhante com uma amiga cujo marido morreu, depois de anos de brigas, de amantes pelo caminho, de tantas "verberâncias" contra ele e da falta de coragem de partir para um divórcio.Como o ser humano é incompreensível, hoje vejo-a chorar e entrar em depressão pelo falecido. Vai-se entender essas mulheres.

Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 26/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, ARTIGOS E POESIAS)

Anônimo disse...

26 de maio de 2011 22:00

Era um marido que só a morte (dele)traria alívio para ela

Comentário Enviado Por: Mister X Em: 26/5/2011

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Anônimo disse...

26 de maio de 2011 22:22

Além de um conto redondo um comentário nota dez da Ivette.

Comentário Enviado Por: Dorinha do Anil Em: 26/5/2011

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Anônimo disse...

27 de maio de 2011 14:34

Contradições da vida

Comentário Enviado Por: Maria Amélia Lisboa Em: 27/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, ARTIGOS E POESIAS)

Anônimo disse...

Gosto do autor, mas esse negócio de defunto, cemitério etc e coisa e tal me dão um medo danado, sou um matuto frouxo e impressionasdo, tomei logo uma lapada de pitu para calibrar os nervos.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 25/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, ARTIGOS E POESIAS)
25 de maio de 2011 16:24

Anônimo disse...

Calma William, o conto é muito do bom, mas se vc tem medo é só não ler. Fácil, fácil de resolver

Comentário Enviado Por: Betina Em: 25/5/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS, POESIAS E ARTIGOS)
25 de maio de 2011 23:31