sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

VÍTIMAS PASSIONAIS (CONTO)


O estampido da arma, à queima roupa, breve, fatídico, não o livrou da dor, antes iniciou um outro processo, sem falarmos da questão legal do assassinato.

Se a ilusão de que os problemas resolver-se-iam com aquele gesto tresloucado, sentia-se malogrado, a sensação de insatisfação agigantara-se de forma cruel e imensurável.

Debalde as tentativas da namorada pelo fim do relacionamento, ele não queria ouvir, jamais a deixaria. Vê-la só, independente, era insuportável, a possibilidade de ser de outro o asfixiava. Assim passara a ser a sua rotina, diuturnamente visitado pelos sentimentos da traição, real ou imaginária.

Taciturno, vivia alheado, como se num convívio íntimo inacessível ao mundo exterior, A idéia do abandono o perseguia. Ela não o deixaria enquanto não tivesse outro, assim pensava e em tudo agia para não dar chances de ela sentir-se independente. Tudo era motivo e razão para estar presente, mesmo percebendo que trazia incômodos, de que já não era bem vindo.

As noites de sonos breves, de suores noturnos, da obsessão a assombrá-lo,debatia-se no seu universo atormentado. A paz o deixara e a vida perdera suas luzes e cores, os pensamentos o crucificavam ao mesmo tema, ela o deixaria, seria traído.

Como imaginar outro a beijando, a possuindo ? Pior, bem pior que tudo, era sentir-se preterido, expulso do coração dela. Ela lhe pertencia, não admitia a hipótese de perdê-la, embora já a soubesse distante de si. Era tolerado pela insistência, ela cada vez mais arisca, menos afável. Sentia-se um mísero, um pedinte de esmolas em raros momentos de afeto, implorados.

A traição não se consumara, mas a idéia de ser desprezado, expulso de seus sentimentos, era o bastante para exilar-se em si e viver o fel das desilusões, como se tivesse sido traído pelo abandono. Cada aguilhão da dor reputava a ela como causadora, num misto de sensação de perda e mágoa por fazê-lo penar naquelas angústias. Já não discernia com clareza entre esses dois sentimentos intensos, o amor e o ódio. Nascidos no fértil solo das desconfianças, onde o orgulho duela com os bons sentimentos, exigindo desforras.

Crescia em si um monstro a reivindicar satisfações, cobranças da auto estima abalada, pelas dores vividas sem tréguas, do pensamento fixo e atormentado de cada momento, da paz que já não conhecia.

A custo mantinha-e sob controle, não demonstrando o vulcão prestes a eclodir, não fora a esperança de mantê-la junto a si, teria transbordado seus azedumes e iras, como lavas incandescentes. Agia mansamente, como um apaixonado querendo recuperar a amada. Onde a precaução imperava sobre os ímpetos refreados.

Era um trapo em vida, arrastando-se para parecer natural, arrasado no íntimo, fera acuada querendo o momento para o golpe certeiro. Duas questões se lhe impunham como definitivas. A reconquistaria e superariam a crise ou a eliminaria para livrar-se daquela sensação humilhante e aterradora de perda.

A idéia de libertá-la, de consentir com a separação, não encontrava guarida em suas cogitações...talvez depois de reconquistá-la, a deixasse, como reverso da moeda pelas aflições sentidas, na satisfação de seu ego aviltado, mas agora era a parte ofendida, desprezada, esperando reverter a situação desfavorável.

O que o alimentava, o prendia na obsessão de querê-la ? Na verdade não sabia mais se era amor, torturava-se por vê-la bem enquanto ele sofria, saudável em contraponto aos seus delírios, alegre enquanto se sentia definhando. Como se a perdesse em cada instante, na impotência de retê-la na sua independência. Desconfiava do simples olhar dela, perscrutando como querendo adivinhar seus mais recônditos pensamentos, pensaria em outro ? Por que só ele sofria, será que nunca o amou ? enrodilhava-se nas confusões mentais.

Sedimentava, aos poucos, a idéia de eliminar seus problemas, focados unicamente em não perdê-la. Antes a mataria do que deixá-la viver a sua liberdade.

A alegria dela conspirava contra, em seus devaneios febris e ensadecidos, com a sua dor. Não era um sofrer compartilhado, findava-se o relacionamento de forma unilateral, onde só ele sofria. A ela restava o papel de uma amiga consoladora, mais aviltava o gesto que consolava. Vê-la bem, sem ele, foi o corolário para sua doentia decisão...

O eco seco daquele disparo mortal, consumando o gesto torpe, covarde, não o libertara.

A sentia próxima, uma sombra na consciência , como se assassinada, ressurgisse, e o assassinasse numa pena perpétua, matando-o lentamente de desgosto nos anos, sempre repelindo-o, e ele sempre a seus pés pedindo para não deixá-lo.

Tanta foi a necessidade de não libertá-la, que a tinha, definitivamente dentro de si, presente, acusatória, nublando anseios futuros, tiranizando-o.

Era um homem, tinha sonhos, amor, esperanças. Virou um resto, um Ser humilhado.

As mãos assassinas, um estigma, um orgulho vão...


Texto selecionado para figurar na obra: Seletas de Crônicas, Edição especial, lançamento abril/2011, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro/RJ.

16 comentários:

Anônimo disse...

Comentário de José Antônio de Azevedo em 1 fevereiro 2011 às 20:51

Um conto que conta a história de amantes. Aplausos para você, Ediloy

Saúde, Paz e Tempo

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

. Comentário de Jorge Cortás Sader Filho em 31 janeiro 2011 às 23:51

Sou contista. Seu texto é excelente e em diversas passagens lembrou-me Machado, em "A Cartomante".

Abraço

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

. Comentário de Ana da Cruz em 31 janeiro 2011 às 23:12

Quem ama não mata, quem ama cuida, carinha. Somente os doentes ficam babacas ressentidos depois que perdem, se sentem traídos, como se não fossem eles mesmos os culpados e não as vítimas. ..

(MURAL DOS ESCRITORES)

Anônimo disse...

04/02/2011 17:04 - Capitão Anilto

Um conto denso na descrição das angústias humanas. Aprendi desde cedo que o amor é um dos quatro gigantes da alma, e é capaz de corromper-se pelo ódio, que lhe é antagônico, mas está supreendentemente perto. Em seu conto aparecem ainda os outros dois gigantes da alma: o medo e o dever. Medo de não perder a amada, a quem ama possessivamente, e o dever de agir corretamente, tentando reconquistá-la. Que alma resiste a uma luta de quatro gigantes dentro de si? Venceram os sentimentos mais irracionais, mais violentos. A alma, esta já estava destruída... Creio que é importante cultivarmos sempre os bons sentimentos para que num conflito desses estejam fortes o suficiente para imporem-se aos sentimentos negativos, destrutivos. Parabens pelo excelente texto. Abraços.

Para o texto: VÍTIMAS PASSIONAIS (T2762146)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

02/02/2011 06:43 - Marco Aurelio Vieira

Espetacular!!! Muito bom aprender com você...

Para o texto: VÍTIMAS PASSIONAIS (T2762146)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

Comentário de Albérico Silva de Carvalho em 2 fevereiro 2011 às 22:07

Poeta, são esses desencontros que nos tornam mais humanos oportunizando-nos rever nossas atitudes, e dai deriva todo sofrimento humano.

Criamos nossos fantasmas e eles nos acompanham invariavelmente.

Mestre Ediloy, mais uma vez parabéns, suas criações dimanam de um intelecto privilegiado.

(VERSO & PROSA)

Anônimo disse...

. Comentário de Geane Masago em 1 fevereiro 2011 às 22:43

É complicado caro Ediloy, mas é fato. Antes de mais nada. Profundo fatos corriqueiros do dia a dia. juss carinhosos, até... ..

(VERSO & PROSA)

Anônimo disse...

Este conto é maravilhoso. Meus parabéns.

Zé Gaiola
gaiolalmeida@terra.com.br
12/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Caro poeta podemos concluir neste conto que a (intolerância) pessoal é sempre um mal que faz sucumbir até mesmo o mais nobre dos sentimentos. A intolerância também pode ser chamada de (ciúmes) pode ser os símbolo do (ser dono) do outro, quem ama realmente não mata, dá ao outro o livre direito de escolha. Muito bom o texto, meus parabéns.

J.A.Botacini.

Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
12/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

Prezado Amigo, seu conto se reporta é algo que deveria ser o incomum, mas que como que lobo na pele de cordeiro, converte estupidez e brutalidade do orgulho ferido em passionalidade, 'que mata de tanto amar'.Balela, o amor não é assassino, ele antes de tudo é paciente e a tudo tolera segundo um certo apóstolo de nome Paulo. Abraços Poéticos!

Gilberto Brandão Marcon
gilbertomarcon@uol.com.br
12/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

A narrativa é impecavel;

O conto, não se sabe, se conto, se pedaço da vida de outrem...

a hipotese do ciúme que leva à tentativa desesperada da libertação; o ato extremo do amor doentio. que, ao contrario, não liberta. Antes, aprisiona para toda a vida.

A vida imita a arte, enquanto a arte imita a vida. Ambos, um do outro, complemento, causa e consequência. Num sempiterno ciclo...

Aplausos !

Bruno
andreebrum@ig.com.br
12/02/2011

(SITE DE POESIAS)

Anônimo disse...

20/02/2011 08:35 - Paulinho Violanti

Excelente conto.Uma obra literária.Ótimo domingo poeta.Até mais.

Para o texto: VÍTIMAS PASSIONAIS (T2762146)

(RECANTO DAS LETRAS)

Anônimo disse...

ai, que terror!

Comentário Enviado Por: Ninom Em: 18/4/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)

Anônimo disse...

Um conto sobre o ciúme, violência e solidão. Triste mas que reflete muito da sociedade atual. Esse tipo de psicoopata existe.

Comentário Enviado Por: william porto Em: 18/4/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)

Anônimo disse...

Um esforço ir até ao fim. Mas valeu a pena

Comentário Enviado Por: Keila Azevedo Em: 18/4/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)

Anônimo disse...

O Ediloy descreve muito bem o que parece ser a tônica dos dias de hoje. Os homens não aceitam que a mulher possa ter vida própria, independente da deles: que seja ela a dizer não; que seja ela a pedir o fim de um relacionamento. Proliferam nos dias de hoje os assassinatos devidos aos ciumes e às rejeições.
Comentário Enviado Por: Ivette Gomes Moreira Em: 19/4/2011

(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICA E POESIAS)