REVIDE MUDO ( conto )
Inútil relembrar o filme, exibido inúmeras vezes, o
discurso surrado, os apelos de nova oportunidade, tudo em vão... Nada fizera
para provar o contrário, continuava renitente nos mesmos erros, era um
irresponsável.
Ele próprio não se sentia fiador de suas promessas,
recalcitrante nas falhas de comportamento, um trânsfugas de seus compromissos.
Sua imagem o denunciava, um corpo pesado, suado, exalando perfumes femininos e
odores alcoólicos, produto de noites prolongadas nas aventuras presumíveis e
inconfessáveis.
O que o martirizava, desta vez, contudo, era o
silêncio dela. Impassível, distante, com desprezo ou indiferença, as malas
prontas diziam tudo, resumidamente, o temível fim. Expressão cabal prescindindo
argumentos.
Naquele silêncio impiedoso, a dor do remorso doía
mais, estava preparado para as admoestações às quais se calaria como réu
confesso a se expor aos justos e legítimos julgamentos. Nada ocorria desta vez,
nenhuma reação, apenas um torturante silêncio.
Aquela atitude o atingia muito além das reações mais intempestivas
vividas tantas vezes, era uma acusação fria, silenciosa, não lhe dando chances
de purgá-la, de sofrer pelos seus desatinos. Nenhuma palavra, sem verbalizações
da indignação sofrida, sem lástimas ou murmúrios, encontrava-se silente,
ausente, distante.
Sem pagar pelos erros, sem ouvir as reclamações
esperadas, sem o choro arrependido tantas vezes derramado, a dor remoia, não cessava, permanecia no ar,
sem desculpas, arrimos ou consolações. Incólume aquele incômodo remorso, a
trazê-lo a si como juiz de seus atos, miseravelmente mais severo que os braços
queridos e piedosos a acolhê-lo em suas recaídas.
Estava só, em torturante solidão. Feria mais aquela atitude indiferente, o
trunfo latente da acusação, perpétua, inacabada. Preferia antes as desforras, a
ira, o escândalo, o brado ausente era fel presente, não consumido. Uma reação
silenciosa dela contra si, a corroê-lo sem permitir defesas ou atenuantes,
apenas a indiferença mordaz.
Podemos nos calar, nos fazendo entender, na ausência
presente, na mudez sentida, ecos do revide mudo, não correspondido, bumerangue
da consciência, indo e vindo, sem interlocutores para respostas, apenas as
próprias palavras ouvidas, inúteis. Palavras nenhumas, concisas, inteiras,
descrevem, desenham, o que o insinuado
tem a dizer. Ferina resposta o silêncio, a distância.
No mesmo espaço físico daquela sala, dois seres
fisicamente próximos e tão distantes, um muro os distanciando pela mudez e
desprezo. Emblemático silêncio, múltiplas versões, ao sabor do contexto.
Ilusões saciando anseios de ser ouvido, gritos espalhados em múltiplas
direções, sem respostas. Muda confissão na omissão da defesa, afinal,
defender-se como?!
Contava com as reações dela, sempre tão enérgicas,
mas a encontrava mais sutil, com uma arma mais eficaz, sem mencionar palavras
ou denotar nas expressões qualquer sentimento, mesmo que fosse de piedade de
sua miserável situação, apenas o nada, a indiferença. Mutismo vil, sarcástico,
ferindo esnobe, sem chances de articular desculpas, inverossímeis que fossem.
Atos subentendidos no desprezo no faiscar dos olhos. Talvez fosse alguma coisa,
conjecturava, mas não permitia a abertura para o diálogo, de tentar explicar o
indefensável, nem os apelos que até então funcionavam.
Reações inusitadas,
calmas, brios sufocados ou relevadas turbulências à conta de desdéns, de quem
abre mão de insistir em causa perdida. Quieta parcimônia, desapego. Respostas
mudas, olhares benévolos, superiores e doloridos, certa tolerância ou
compaixão.
Não esperado por ele tal comportamento, sem suscitar
brigas, satisfações, em vão as alegações, apenas o nada como respostas. Aquilo
doía, matava, aumentando o suplício, descendo aos abismos de sua inferioridade
moral, diante alguém impassível, acima de suas ofensas e deslizes.
Enfurecia-o o distanciamento dela, a sua altaneira
postura, a lembrá-lo em sua mudez todas as torpezas e vilanias de sua vida
desregrada, como criança mimada, repisando sempre as mesmas falhas. Aguardava um duelo verbal, a exteriorização
de suas mágoas, não aquela pessoa acima de sua mediana compreensão. Buscava
desavenças, faca na garganta, expirando suas culpas, pedindo perdão, como
sempre o fizera. Mas nada do que
esperava, julgando conhecê-la, aconteceu.
Brando gesto, manifesta indulgência, vencendo nas
atitudes pacíficas e não menos letais, sem revoltosos revides a alimentar
tormentas, reavivar traumas e enlamear-se no charco, apenas discreta ausência,
sem provocações. Delicada na compostura de tenazes mortíferas, exalando o gás
letal , sufocando o desafeto, sem mover os lábios e alterar-se nas atitudes.
Abatia-o o desespero, pois aquele silêncio o
ensurdecia, o acusava no seu íntimo, sem oportunidades de revides, de purgar
suas culpas. Aqueles sons do nada, espalhados pelos cantos, deduzidos,
presumidos, incomodando, manifestando seus tons e ruídos. Traziam lembranças de
tantos desatinos, espinhos na memória, amor mal cuidado, destratado, vindos de
passados recentes, revividos, relembrados. Melhor não ouvir a voz interior, mas
como calá-la se reclama ajustes? Na algaravia silenciosa, perturbadora,
inquieta, machucando, remexendo, reabrindo feridas mal cicatrizadas, torturas
em gritos sem ecos.
Queda o corpo exaurido, cansado, incessante a mente,
a mendigar consolos, uma palavra proferida por ela, viagem intensa, a
martirizar sua vítima, atormentada em seu autojulgamento, inclemente. Imagens
se reavivam, aumentando a sensação constrangedora de atos traiçoeiros e
aviltantes, Mesclam sensações, despertas
no olfato, recriando sentidos, cenários, na esbórnia infame. A consciência não cede a guarda,
sufoca, agita, anseia por alívios e paz.
As atitudes inesperadas dela, o nocautearam, a
perdia numa guerra muda, sem enfrentar nenhuma batalha, além do silêncio...
Sentia-se como um barco à deriva, no mar das ilusões
e fantasias, a ter sempre um porto seguro para retornar de suas aventuras e
leviandades, pior saber amá-la, perdidamente, de forma neurótica, mas a
amava...
Puída a corda
da confiança, desatados os nós que enlaçam corações, débeis, frágeis, ficam os
relacionamentos, enfraquecidos nas rotinas que esgarçam, saturam pelos abusos
de lado a lado.
Verbalizar já não há o que, resta um gesto,
espremido, sufocado, suportado, de dignidade, um aceno, um afago, um adeus...
12 comentários:
Comentário de Ana da Cruz:
São quantos erros que nem sabemos de nós, dos outros, assim como acertos inesperados. Muito há que nos escapa ao entendimento...
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(MURAL DOS ESCRITORES )
2 de maio de 2011 14:05
Comentário de Albérico Silva de Carvalho:
Muito bom poeta, muito bom, seus contos vem cada vez mais tangido por uma percepção brilhante,e um vocabulário riquíssimo. Suas histórias são bem engendradas e tem um perfil Ferraro, de escrever e encantar. Parabéns!
(VERSO & PROSA )
2 de maio de 2011 14:07
Caro poeta nas telas da vida os (hologramas) mudos são os que realmente nos fazem pensar... O silencio é um alerta aos nossos sentidos, a transgressão nos leva por caminhos doloridos onde o arrependimento cai numa encruzilhada, sem saber para onde ir, só nos resta apenas o martírio do constrangimento. A vida a dois requer mais compreensão,
camaradagem e uma constante vigilância para que as luzes do farol do amor não se apaguem. Maravilhoso seu texto. Meus sinceros aplausos.
J.A.Botacini.
Zezinho.
Jose Aparecido Botacini
ze-botacini@hotmail.com
02/05/2011
(SITE DE POESIAS)
OlÁ Poeta Ediloy,
A dor da separação é sempre ruim para ambas as partes. Mas ainda penso, se não está feliz, o melhor é cada um pro seu lado, e tentar uma convivência amistosa e na paz. Parabéns! Abçs!
Lucélia Lima
lualmarques@hotmail.com
03/05/2011
(SITE DE POESIAS)
Querido amigo poeta!
Letras reflexivas, onde a dor do silêncio grita !
Taís Vargas Mariano
taismsdos@hotmail.com
04/05/2011
(SITE DE POESIAS)
Adorei. Muito.
Comentário Enviado Por: Luciana Cintra Em: 12/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)
Show demais da conta. Dá pra pensar bastante
Comentário Enviado Por: Irene Romero Em: 11/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)
13 de maio de 2011 14:22
Um conto filosófico muito bom. Parabéns!
Comentário Enviado Por: Carla Porto Em: 11/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)
Massa demais. Realmente é denso, mas é bom.
Comentário Enviado Por: Lúcia Viana Em: 11/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNISTAS E POESIAS)
13 de maio de 2011 14:24
Ediloy, quase não chego ao fim. Pesado demais. Gostoso de ler demais. Um conto filosófico. Dos bons!
Comentário Enviado Por: Alice Matos Em: 11/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)
Gostei do texto, mas devia ter uma explicação para tanto silêncio.
Comentário Enviado Por: william porto Em: 11/5/2011
(BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS)
Levei algum tempo mais cá estou contemplando este louco momento de destruição dos meus alicerces. Um belo quadro estático apresenta-nos neste texto. A minúcia nos detalhes, sentimentos, é fantástico. A ordem das acções está impecável. O tema em si leva me a tristes lembranças. Mas, enfim, é digno de comentários a altura do texto, não dum mero leitor feito este. Parabéns grande escritor
O_crime_perfeito
O_CRIMEPERFEITO@HOTMAIL.COM
08/06/2011
(SITE DE POESIAS)
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