sábado, 31 de dezembro de 2011

UMA CANÇÃO NO AR...

olhares alheados
enviesados sentidos
ociosos momentos

bolhas de sabão
vagos pensamentos
nau sem rumo

sensações oscilantes
sentimentos
refutando tormentos

apatia ou preguiça
indolência calma
uma canção no ar...



(02/12/2010)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O VENDEDOR DE ILUSÕES ( CONTO

Surpreso naquela realidade inusitada, no centro da cidade, transeunte interiorano recém chegado à capital, imerso na balbúrdia cotidiana de uma megalópole. Ele, oriundo de pequenos lugares, a cidadela natal e a de criação, via-se, aturdido, abismado, no corre corre daquele cotidiano insano e fantástico, aterrador e apaixonante. Estava pasmo naquele universo novo, tão diferente do que jamais vira.
Na praça, onde sons se confundem, azáfamas da pressa paulistana, ritmo tresloucado do gigantesco formigueiro humano, lá se encontrava, matuto quase, naquele intricado mundo de muitos mundos justapostos, culturas múltiplas, costumes misturados e estranhos, profunda confusão na alma. 
 Pisava aquele solo como astronauta em visita a um planeta desconhecido, os arranhas céus, vistos do chão, pareciam alcançar as nuvens. Não se podia fixar em um ponto sem incomodar a outros e ser incomodado, como em um filme antigo de cinema mudo, as cenas corriam e tudo se mostrava em movimento contínuo. Absorto espectador daquela faina colorida e intensa, na algaravia de tantos ruídos, sobressai , terna e doce canção conhecida, cantilena enternecedora soando aos seus ouvidos... Enfim algo com o que se identificar em suas origens.
Como poderia, naquela agitação, alguém se ater naquela atividade, julgada própria apenas nos rincões do País ? Figura folclórica,  ali, no centro de uma das maiores cidades do planeta, onde tudo parecia ser possível, mesmo a ternura evolada da canção de um realejo ...
Debruçado sobre a manivela, que também aciona a caixinha de música, como em um pequeno porta jóias, onde dança a bailarina com os acordes sincronizados, mas o que ocorre, de uma simpática gaiola amarela, um periquito, com o bico, escolhe um pedaço de papel e entrega ao homem, que repassa à consulente, mediante o recebimento, a moeda tilinta na caixa. Ansiosa espera o bilhete ser entregue, a moça atenta à mensagem, que vaticina futuras felicidades. Expressão de alegrias no rosto da portadora do recado, confiante nas promessas alvissareiras recebidas. Grata, ensaia um agrado no verde pássaro, segue encantada em suas esperanças. 
Ao jovem desempregado, via-se por portar um jornal de empregos, amarrotado sob o braço esquerdo, enquanto buscava algumas moedas para pagar pela consulta. Feito o pagamento, recebe a mensagem escolhida pelo periquito. Em evasias, o ensejo de melhores dias, num futuro promissor, esboça um sorriso esperançoso e segue seu destino.
 Para a senhora tristonha, da vida amarga solidão confidenciada, a espera por um grande amor na idade madura, uma companhia para seguir sua jornada. Mais um alento na mensagem recebida, animada e confiante, beija suave o papel recebido, semblante de luz e confiança na sorte.
Basbaque e atento àquelas estórias, de vidas depositadas em fantasias de um profissional adivinhador, a quem, com seu parceiro, uma avezinha simpática, vendia sonhos ao som de cantigas serenas e envolventes. 
Viu-se surpreendido pelo olhar convidativo do negociante, a oferecer-lhe uma consulta, enquanto tocava a música inebriante...
Em dúvida consigo mesmo, questionando-se de sua tola indecisão,  pensou por segundos em anuir ao convite, mas reteve-se autocensurando, julgando-se ingênuo por deixar-se envolver por aquela maluquice, afastando-se, e se perguntando, o que traria a mensagem se a recebesse ?    
 Certo é que as pessoas consultadas, antes apreensivas e preocupadas, saíam risonhas e confortadas, por que então não ele a se consultar ?
Estrangeiro naquela terra estranha, um migrante em mundo novo e assustador, talvez tivessem  respostas naquele pequeno papel para seu futuro, forças para superar suas angústias e receios. 
Apertava seus passos,  em íntimos conflitos, o homem cético e maduro contra o menino curioso e crédulo. Distanciava-se  da praça envolto em penosos questionamentos...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

C I R A N D A N D O

C I R A N D A N D O

Vamos dar as mãos
Nesta roda imensa
Intensa como os sonhos

De vivermos a paz
Na luz da compreensão
Dos homens, irmãos

Superando ganâncias
Arrogâncias e atrocidades
Prosperando a irmandade



Em cada teto humilde
A visita e o acalento
De crianças ninadas



O humano assistido
Em suas carências
Morais e materiais



Nesta solidariedade
C i r a n d a n d o
Unindo os corações



No Natal e novo ano
Compromissos festivos
De alegrias fraternais !

publicado na Antologia Os Mais Belos Poemas de Natal, dezembro/2011, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ
 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011




D E V O Ç Ã O

D E V O Ç Ã O

Colorida colcha remendada
Abriga, devaneios ausentes,
Corpo nu, mente em revoada,
Sussurrados sons percucientes



Abóboda do barraco
Iluminado pela fresta
Panorama acanhado
Imagem canhestra 



Genuflexa posição
Um homem, uma oração,
Louvor tímido em seresta



O sapo namorando a lua
Cores vestindo a vida nua
Em prece a devoção apresta...

*Selecionada para figurar no livro: Grandes Poetas, Grandes Versos, edição especial 2012, editora CBJE/RJ, janeiro 2012

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A HERANÇA ( conto )

Eneida observava da janela do segundo andar, sem ser notada, o caminhão aberto levando a mudança do terceiro irmão, o último a deixar a residência com sua família. Na expressão de sua face a emoção da vitória, vencera a todos eles, um a um.

Herdeiros de uma velha mansão, relíquia das áureas épocas, em que seus bisavós, imigrantes italianos, amealharam riquezas com o cultivo do café. Naquela casa residiram quatro gerações de sua família. Não conseguiram acompanhar as mudanças econômicas, perderam as terras, restando apenas aquela residência, imensa.

Nunca se esquecera, voto vencido, sequer deram ouvidos às suas argumentações, decidiram os irmãos, à mesa, juntamente com suas esposas, a retirada dos retratos dos antepassados das paredes, julgavam ultrapassado na modernidade suas exposições. Não perdoava as observações pejorativas ouvidas naquela noite, a de que a lembrança daqueles rostos davam ao lugar uma aparência de museu, coisa lúgubre. Deviam aos mais velhos, sobretudo aos bisavós, já que os descendentes posteriores colecionaram derrocadas, aquela moradia a acolhê-los.

Conservadora, jamais se consorciara ficando como a única solteira, dentre outros três irmãos homens. Todos moraram naquela propriedade, ali nasceram seus sobrinhos. Pensou em censurá-los por considerarem as fotografias com descasos, mas, precavida, vencida na sua opinião, não dada a manifestações polêmicas, acatou a decisão majoritária. Os quadros foram para o sótão, embalados cuidadosamente por ela.

De vida regrada, hábitos modestos, guardava suas economias, a aposentadoria do serviço público, quase inteira. Participava das despesas na proporção dividida por cada pessoa habitante da casa. Raramente saia, ficava muito tempo ocupando-se nos vários cômodos, dispensara empregados por não ter como mantê-los. Passar os dias perambulando pelos três andares, era a sua vida. 

Temia a fragilidade financeira de seus irmãos, não afortunados em suas tarefas, vivendo constantemente desempregados. Não raro, em discussões conjugais, ouvia os reclamos de suas esposas, reivindicando que se desfizessem daquele “mausoléu” e dividissem a parte de cada um. Assim, poderiam tentar a sorte com algum negócio próprio, já que a idade chegava para todos, minguando as oportunidades de empregos, seletivos e prioritários aos mais jovens. Momentos em que se sobressaltava em tormentos íntimos. Amava aquele teto, dava-lhe uma sensação de proteção e aconchego, sentimentos não partilhados pelos demais, que, na verdade, consideravam aquilo um elefante branco. 

Esconjuravam, irmãos e cunhadas, a permanência naquela moradia. Com sua aparência decrépita, por falta de manutenção, e, apesar disso, destacava-se com imponência  no bairro, já rodeado por espigões comerciais. Fora tombado pelo patrimônio histórico, os isentando dos impostos municipais, todavia, afastava qualquer pretendente de comprá-la.
 Exceto ela, os demais maldiziam aquela medida, destarte tentaram desfazê-la, sem êxitos. Poderiam vendê-la, contudo, o futuro comprador não poderia alterá-la em suas características históricas, afastando interessados na especulação imobiliária, a desejarem no chão, demolida.

Mas vivia a apreensão de ter que abrir mão do casarão, era minoria na decisão, bastaria que alguém se aventurasse a comprá-lo. O tempo parecia conspirar contra ela, pois os irmãos, ora um ou outro, entregavam-se ao desespero, não obtendo trabalho e cogitando livrar-se da casa, como última alternativa de terem uma saída, um capital inicial. As suas cunhadas, aparentando maior insatisfação, os estimulavam a livrarem-se do problema e terem uma chance de reerguerem-se, pretextando a venda.

Certo dia, o primeiro irmão, aparentando ansiedade, confessou que tinha um negócio a fazer, parecia muito bom, retorno garantido, mas teria que investir uma importância que não tinha. A conversa deu-se na cozinha, com sua esposa, onde ela também se encontrava. O valor que falavam não era muito expressivo, suas economias eram bem superiores ao que pediam. Nenhum deles sabiam de suas posses, todos os salários e depois  a aposentadoria economizados, corrigidos em aplicações, por anos.  Não se envolvia em assuntos privados dos irmãos, apenas a conversa a interessou quando o mesmo, contrariado, manifestou desejo de vender a sua parte naquela herança. Alegava ter um patrimônio, porém estava de mãos atadas, reclamava consigo mesmo e com sua esposa. Estava amarrado, sem conseguir realizar nada, impedidos de disporem do espólio.

Temia sempre a investida dos outros herdeiros sobre a propriedade, já tinha tido uma experiência cruel com os quadros, foi voto vencido. Se eles resolvessem desfazer do imóvel, por qualquer valor, poderiam achar interessados, apesar das restrições. Caso isso ocorresse,  ela estaria em situação minoritária e perderia qualquer chance de prevalecer a sua vontade. Num repente, contrariando sua aparente neutralidade em assuntos tais, como se no íntimo aguardasse aquele momento, sugeriu interesse em ficar com a parte do irmão, mediante a quantia de que necessitava. Evidentemente com documentos e a aquiescência dos demais, a figurarem na cessão de direitos como testemunhas, tudo registrado em cartório de registro de imóveis. Mulher bem informada, sabia das implicações e dos direitos envolvidos na compra.

Mal acreditando no que ouviam, marido e esposa exultaram, afinal, mudariam daquela casa e tentariam um negócio próprio, parecia um sonho para eles, e, secretamente, atendiam os desejos dela. Olhavam agradecidos, aparentemente ela lhes estendia as mãos, os ajudavam.

  De si para si, contabilizava não mais uma quarta parte, mas a metade da participação na herança, no mínimo não disporiam de suas partes sem seu expresso consentimento. Ou seja, os restantes dependiam exclusivamente dela para intentarem qualquer transação sobre o imóvel.

A partir de então, questão de tempo, já não tinha tanta pressa, ninguém haveria de se aventurar a comprar as partes dos demais.  Os acontecimentos, previsíveis, ocorreram, onde ela foi considerada como a benfeitora também dos outros irmãos, ajudando-os em suas recorrentes desventuras. Estes, pressionados por suas esposas, desejando novas oportunidades, acabaram fascinados pelo  socorro, embora por valores bem inferiores aos pagos na primeira compra. Eneida tornava-se a detentora da totalidade daquele bem.

Observava a derradeira das três mudanças.   A casa, já enorme, ficava ainda  maior, silenciosa com suas paredes e histórias. Aos irmãos figuravam como um grande negócio, visto que não viam como se verem livres da propriedade, reclamando reparos, e tolhida em seu valor pelas restrições legais.

Da janela, observava os últimos móveis sendo colocados na carroceria do veículo, os sobrinhos e a cunhada atarefados no entra e sai buscando suas mobílias. Todos pareciam felizes com o recomeço de uma nova vida, ela sorria na paz de sua solidão. 

Na parede, voltavam ao panteão os antepassados ressurgidos do ostracismo, anistiados pelos cuidados da descendente, tendo como pretensão futura dela, colocar-se entre eles, com seu retrato, imortalizada na família.

 Eneida aboletou-se finalmente na rota poltrona, num canto da sala, respirou fundo e pensou aliviada em sua imensa casa, só sua

Nos corredores, apenas os ruídos dos seus passos miúdos, ou, vez ou outra, dos ratos no sótão e no porão, e os arrulhos dos pombos nas calhas encarquilhadas no teto.



SELECIONADO PARA FIGURAR EM LIVRO NA ANTOLOGIA DE CONTOS PAINEL 2012 DE AUTORES BRASILEIROS, EDIT. CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ, edição ABRIL 2012

E N C R U Z I L H A D A S

de tudo desejado
no tempo entendido
vãs quimeras

ilusões efêmeras
floreando o real
reluzentes neons

tendo o possível
necessário
o mais, desejos

imposições
clamores
inverdades

atando sufocando
escravizando
destruindo pegadas

tirando do rumo
criando atalhos
labirintos, enganos...

(21/10/2010)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

DESLIZES

Aureolado em luzes de fantasias
Cenários idílicos, esvoaçantes,
Da madureza, menino em alegrias,
Remoçado em encantos delirantes

Felicitado com a paixão excitante
Inebriado com os dias, renascido,
A tudo renegou cuidados, confiante,
Enfim a ventura o visitava, merecido

Nada mais pudera desejar, a não ser ela,
Primaveris energias em amores singela,
Viver no agora, intenso, o tempo perdido

Antes que o adverso das preocupações
Do efêmero deleite turbasse as emoções
Em cálice de mel, sorveu o fel, do amor iludido...



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

ALGUMA POESIA

meigo olhar criança
ave fazendo o ninho
mãe amamentando filho

solidárias mãos estendidas
sorrisos em contrapartida
alento de quem nada tem

palavras consolo e afeto

feridas cicatrizadas
compreensão ao desafeto


visita inesperada
aplacada a solidão
alegria compartilhada

silêncio e calmarias
suave música no ar
meditações livre pensar

sol nas manhãs radiosas
lua cheia em noite de estrelas
apaixonados em juras de amor

belezas da natureza
flores cores encantos
fauna diversa magia

em tudo regurgita
vida pulsa extenua
linfa pura a poesia...



(15/09/2008)

sábado, 10 de dezembro de 2011

O SEGREDO DE UMA DÚVIDA ( CONTO)


  Lá vinha o Valdevino, coxo, arrastando sua perna esquerda, como se puxasse um fardo, atormentado em claudicantes passos. Com o tempo acostumara-se com a deformidade, não congênita, adquirida por uma fatalidade, da qual pagaria para sofrer uma amnésia e esquecê-la para sempre.
 Com o andar manco já se habituara, afinal a capacidade humana em se adaptar às situações é surpreendente. Parecia que sempre teve aquela anomalia, não se pejava de seu andar irregular, embora se sentisse cansado. Seu caminhar  lento, carregando sua cruz, não visível, mas presente em todos os momentos, remoendo as lembranças, pesadelos pessoais à luz do dia.

 Antes fosse uma cicatriz, possível de ser camuflada em qualquer parte do corpo, onde as vestes  cobrissem e não despertassem atenções.  Talvez até convivesse melhor com aquilo, afinal, pensava, não há quem não tenha suas marcas, ocultas ou aparentes, a cruciarem os seus dias.

 Assim que a tragédia ocorreu em seu torrão natal, voltando à vida normal, pediu transferência de local de trabalho, mudou de  cidade, e foi embora. Então, apenas os parentes, que vinham de vez em quando, já que ele evitava retornar, conheciam o real do acontecido. Guardavam silêncio para não melindrá-lo com recordações infelizes. Para os demais, fora vítima de um acidente de trânsito, não se recordava dos detalhes, pois apagara, só despertando com os primeiros socorros. Finalizava a prosa enxerida, mudava de estação, alterando as atenções. Inadvertidamente, somos atrevidos com as chagas alheias.
 Do que já vivemos, enterramos o que não interessa, mas as marcas, naquele caso, eram muito evidentes, físicas, visíveis. Como a relembrá-lo permanentemente, não lhe dando tréguas.


 Preferia não rever os que conhecera de infância e adolescência, de tudo sabiam, o enojava imaginar a lembrança involuntária que todos teriam ao vê-lo. Sua atitude passada, torpe e injustificável, o envergonhava. A ele bastava a inclemência de ser o seu próprio juiz.
 Era  trauma íntimo, onde a outros figuraria como relés curiosidade, levando-se em conta de que os dramas alheios, geralmente causam comentários maledicentes, julgamentos levianos.
 Contudo, driblando as adversidades dos olhares atrevidos, ao ficar à sós as cenas retornavam como num filme repetido inúmeras vezes. Evitava assistir na televisão cenas de amor, a remetê-lo em saudades e mágoas de pura descrença, ou pior, que focalizassem brigas e tiros. Experimentava suores a empapá-lo inteiro. O trauma era latente.

 Rapaz criado em pequena cidade, cedo começara a namorar a então noiva, e tudo parecia perfeito. Concursado em serviço público, tinha estabilidade no emprego. Era só questão de alguns acertos financeiros para poderem se casar, como pretendiam. Conheciam-se desde crianças, eram feitos um para o outro, no dizer de todos, inclusive no entender dele próprio.
 Não percebera nenhuma mudança de comportamento nela, parecia feliz com o casamento próximo, o relacionamento corria normal. A noiva, para concluir um curso, viajava todas as noites para uma cidade próxima, maior e com melhores recursos. Alguns jovens da localidade faziam o mesmo percurso, buscando a conclusão de seus estudos.
 Alegando que as aulas as vezes se estendiam até tarde, na outra cidade, ficava em casa de uma colega,  retornando cedo, no dia seguinte. Isso ocorria em dois dias da semana, habituara-se com isso.

 Amâncio era um dos amigos mais próximos, conheciam-se desde a infância, entre eles não havia segredos. Ele próprio empreendia viagens para fins de estudos noturnos. E dele veio uma suspeita que mudaria o rumo de sua vida...
 Com muito jeito, escolhendo as palavras visando amenizar a notícia, contou-lhe que a sua noiva era vista com freqüência com um dos professores, e que seria interessante que ele, vez ou outra, a acompanhasse, pretextando qualquer coisa.
Na verdade, queria que ele mesmo visse, não gostava daquela posição de delator, mas, também, não admitiria a possibilidade de vê-lo no papel de enganado. Poderia ser ou não, melhor que ele averiguasse. Achou por bem que o próprio tirasse suas conclusões, fazendo seu juízo. Achava que agindo assim estava sendo correto com a amizade de tantos anos. Levantada a questão, lavava as suas mãos.

 A princípio sentiu-se incomodado com a insinuação no ar, ofendera-se calado pela honra da amada colocada sob suspeitas. Não poderia dar ouvidos à maldade alheia, mesmo que viesse de alguém de confiança como Amâncio. Engoliu a seco, disfarçou para não aparentar melindres. Plantada estava, contudo, a desconfiança.
 Não confirmou com o amigo que seguiria seu conselho, aliás, tentou aparentar tranqüilidade, em respeito à noiva e a si mesmo. Mas eclodia em seu íntimo, como um vulcão adormecido, em lavas incandescentes, o veneno inoculado nas próprias veias.
 A partir de então,  já não era o mesmo, pacato e bem humorado como todos o conheciam. Mantinha-se silencioso, como encolhido em si mesmo. A custo mantinha sua postura frente à noiva, tentando aparentar naturalidade. A olhava atento nos olhos, a conhecia e não lhe percebia dissimulação. Suas noites, todavia, não eram mais de sono solto, confortante. Angustiava-se amiúde com a possibilidade de ser traído.
 Resolveu que a seguiria. Iria sozinho, nem mesmo o amigo confidente tomaria conhecimento. Precisava ver com os próprios olhos, porém não queria colocar a lealdade da futura esposa em dúvida para ninguém. Acontecesse o que fosse não era dado a escândalos.

Nos dias em que ela pernoitava na outra cidade, ele a seguiu. Manteve-se à distância, nos arredores da escola, observando o movimento dos estudantes, entrando e saindo. Ao término das aulas a viu em companhia do tal professor, conversavam normalmente, não demonstrando maiores intimidades, apenas seguiam na mesma direção, a do carro dele, pois ela não dirigia.
 Ao vê-la entrar no veículo, como se fizesse com habitualidade, impacientou-se, controlando-se para não se declarar aos dois. Voltaria em outras oportunidades, precisava ter mais elementos para não ser leviano e precipitado. Afinal, não contava que ela aceitasse carona com ninguém, principalmente com um homem, e àquelas horas.

 Seu estado psíquico era de um desvairado, não atinava com seus botões. Ora  a entendia, tudo tratava-se de um cordialidade, apenas um obséquio de alguém favorecendo a outra pessoa, para, no mesmo instante, entrar em verdadeira confusão mental, imaginando o pior. A traição, então, se delineava medonha aos seus olhos.
 Várias foram as incursões dele, sorrateiramente, a vigiar o par. De pessoa afável e cortês, transfigurou-se açoitado pelas dúvidas, ao ponto de adquirir uma arma de fogo, comprada de um estranho.

 Das noites insones que passava a se angustiar com suas apreensões, começou a esboçar uma vindita, exigiria de ambos satisfações, sob a mira do revólver, fazendo ver que ele não era o ingênuo que poderia aparentar.
Amargurado pelas desconfianças, inábil com a arma, postou-se frente à frente com o casal, surgindo inesperado das sombras, em atitude de desespero e ameaçador.
 Da noiva, surpresa e assustada, negando qualquer envolvimento, rogando bom senso, ouviu-se um grito e um desmaio.
 Apenas um disparo foi ouvido, contra a própria perna. Inexperiente com o artefato mortífero, atrapalhou-se com o grito de espanto da moça, tempo que teve o professor, em defesa, atracado com ele para desarmá-lo, ferindo-se com a própria arma.
 Foi socorrido pelo suposto amante, que o deixou em um pronto socorro para as medidas de urgência no sangramento. Alegou que o encontrara no caminho, perdendo sangue.
 Não registrou a ocorrência, seria uma confissão, tentativa de homicídio, além de temer falatórios e não ter porte de arma. No íntimo agradecia não ter acertado ninguém, além de si mesmo.

 Nunca mais procurou por ela, tampouco soube se realmente eram amantes. As palavras dela clamando inocência não surtiram efeito. As evidências, em sua alucinação, falavam mais alto. Preferia acreditar que agira em desatino pela traição, antes instigado pela mente insana, que por provas conclusivas.
  Mudou-se da cidade, envergonhado com sua sina, herdando a indesejável deformidade física.

 A crença de que fora traído, de si para si, atenuava o ato tresloucado, não o justificava. A hipótese da inocência dela agigantava seu desatino, doía-lhe muito mais, a teria perdido inutilmente.  Mas, no íntimo, a dúvida persistia incômoda.

 Era visto caminhando lento, com seu segredo, sua dúvida, e a perna arrastada, imerso em seu  inferno pessoal...



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

EXPRESSÕES D' ALMA

Palavras escritas
Expressões d' alma
Emoções vertidas
Acalentos na calma


Estrofes em atos
Luz que exameia
Versos ornatos
Canção altaneia






Lembranças de outroras
Espelhadas auroras
Som que semeia


Em códigos verbais
Revelando no mais
A paz que se anseia...


*selecionada para figurar em livro na Antologia Poesias Selecionadas, 2012, Editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

APRENDIZ DE POETA

Culpar-me, mereço,
Pobres frases de efeito
Desmerecendo o apreço
Em nenhum verso perfeito


Garimpado à tona
Na superfície voando
Figuras, trololós e loa
Remendando, rimando


O canto é manco
Pegando no tranco
Tosco, reconheço,


Porém, acredite,
Fi-lo com apetite
Com prazer te endereço...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011


*selecionada para publicação na Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos n° 85, dezembro 2011, editora Câmara Brasileira de Jovens Escritores, CBJE, Rio de janeiro/RJ.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.

ALÉM DAS APARÊNCIAS


Vissem todos o que o real esconde
Nas faces,  imagens e aparências,
Sorrisos em lágrimas talvez desponte
Tristes euforias sem transparências

Do garboso ditoso, aparente,
Irreal êxtase, íntimo desdiz,
Aflições e ais somente
Artifícios em ínfimo verniz

Camuflados em jeitos e soberbas
Em si encerra, dores acerbas,
Máscaras em mesuras conflitantes

No papel brilhoso do presente
Esplêndido laço, olhar ausente,
Pálidos risos, alegrias distantes...
V

VOO SOLITÁRIO ( CONTO)







A aglomeração na rua atestava  a tragédia. Um corpo coberto por jornais. Ao alto, uma janela escancarada, onde sobressaía esvoaçante cortina, como denunciando os fatos, presumindo o enredo.

O que teria levado alguém a atirar-se, em um ato suicida? O apartamento pertencia a um homem só, viúvo há anos, de vida pacata, cortês com os vizinhos, no recato de seus hábitos. Morador sozinho, de vida comedida, bom astral, que descia para dar uma volta pelas redondezas, tomar um café na padaria, comprar jornais, um trivial de sua rotina invariável. De natureza reservada, pouco sabia- se de sua história de vida, raramente recebia visitas, quando acontecia eram antigos colegas de serviço, todos aposentados, como ele. Ao que tudo indicava não havia recebido ninguém, nem sinal de arrombamento na porta ou de lutas. Nenhum vizinho ouvira nada, apenas o baque seco do corpo no asfalto e gritos dos passantes, assustados com aquela cena.

Persistia em todos os olhares a mesma interrogação, teria sido apenas um acidente, ou a constatação de que aquele homem resolvera acabar com a sua própria vida ?

Alfredo percebeu-se incomodado, pressentia a presença de alguém junto a si, dava de ombros, fingia não dar atenção. Porém, com o passar dos dias aquilo passou a aborrecê-lo, afinal, não havia ninguém, além dele, no apartamento. Homem sério, não dado a crendices e superstições, sentia-se acompanhado, embora estivesse só. Mesmo folheando o seu jornal ou abstraído na leitura de um livro, sentia-se acompanhado. A sensação de que compartilhava com o outro todos os seus gestos e gostos. Parecia que o acompanhante imaginário também lia a mesma leitura, justaposto a ele, confundindo-se ambos em uma só pessoa.
Então, baixando os olhos da leitura, recostado na poltrona da sala, ficava atento, demonstrando querer saber o que ocorria. O silêncio e seus sons, soltos, murmurados, não lhe davam respostas e nem pistas para aquele estranho pressentimento. Aonde andaria este alguém, oculto em algum canto, ou seria uma dedução, presunção ?

 O silêncio por vezes ensurdece, incomodam seus tons, ruídos, melhor não tentar ouvi-los... Besteira, que asneira aquela que o levava a admitir a existência de um intruso que não se fazia aparecer ? 
O fato é que não era louco, estava plenamente ciente de seus atos, a presença alheia, de tão próxima de si, parecia não lhe deixar dúvidas. Andou vagarosamente pela casa, indo em todos os cômodos, verificando cuidadosamente, e nada. 

Acostumado há anos à solidão, a viver sozinho, apurara os ouvidos ao mínimo ruído, sim, todavia não houvesse sons estranhos, por certo alguém o seguia, melhor, estava consigo, como se interiorizado em seu corpo, estando com ele em todos os momentos, implacavelmente. Olhos e sentidos alertas, segredos em momentos, revividos no vácuo, trazidos de passados, revividos, relembrados, nada que detectasse a existência de alguém além de si mesmo. Passara a se observar como se fosse outra pessoa, alguém além de si mesmo. 

O que estaria acontecendo consigo ? Por mais surreal que pudesse parecer passou a se policiar, a se inquirir em pensamentos, tentando livrar-se daquela estranha companhia, não vista, mas percebida. Nunca foi dado a abstrações e conjecturas sobre qualquer assunto de  ordem psicológica ou espiritual, jamais admitindo fenômenos de outras naturezas. Estava aturdido, preocupado, sentindo-se perigosamente em sua sanidade mental, aprendera a ouvir a própria respiração, colhendo sons do silêncio, na algaravia perturbadora a inquietá-lo, machucando, remexendo em torturas sem ecos e sentidos lógicos.

Fisicamente estava bem, não havia reclamações de dores, estava, inclusive, disposto. Somente aquela impressão muito forte, diria real, de que era seguido, ou pior, a possibilidade assustadora de ser dois em um só corpo.
Refutava ao admitir tal possibilidade, antes inacreditável. Quem era ? Pela primeira vez começou a se questionar, seria a visão que temos de nós uma idealização imaginada, dubiedades construídas ?  Nos construímos pela mutabilidade das aparências, de acordo com as conveniências assumidas pelo meio social, como camaleões na natureza, adaptando-se conforme a situação ? Coabitando o desconhecido, habitando o mesmo Ser, coexistindo sem questionar, andando sobre os passos, reflexos na mesma sombra, a identidade compartilhada... Estava delirando, fora de si, de seu juízo, infelizmente duvidava de sua sanidade pela primeira vez em toda a sua vida, haveria de buscar ajuda profissional, precisava, com urgência, dar fim àquele suplício.

Os pensamentos, como se tivessem vida própria, desenhavam conclusões que fugiam ao real das coisas que sempre aprendera, o lógico e o concreto. Não queria pensar em nada, dar um tempo a si mesmo, tomar pé da situação que cada vez mais o assustava, porque parecia não mais se dominar em suas próprias idéias.

Que despropósito era aquele, concluindo coisas que jamais pensara antes, tal como passar a vida na figura idealizada, incólume pela existência pelo não questionamento, sem se conhecer, caminhando juntos, duas personalidades distintas, sem se apresentar, ignorando quem fosse, na ilusão de si mesmo.

Estaria ele produzindo aqueles pensamentos ou apenas os ouvia como se fossem seus ?  Nunca pensou em tais possibilidades, não se dava a abstrações filosóficas ou literárias, já não estava se reconhecendo em seu juízo perfeito.
A mente, como independente de si, caminhava em cogitações estranhas, a dizer, como se fosse uma criação sua, de que somos ambulantes, carregando sonhos, fantasias e utopias. Fetiches e alegorias, sempre mercadejamos ilusões para nos sentirmos sãos... sanidade periclitante, hesitante, preocupante, angustiante.  Meu Deus, o que era aquilo ?  Assistia apavorado, como produto de suas reflexões mesmo não sendo. O que estava dizendo, digo, pensando? Que somos trânsfugas, fugindo da raia, do fio da navalha das angústias, que preferimos a fuga, nas lutas renhidas de um eterno amanhã, carregando o fardo hoje  presente, na correnteza de uma vida sem sentido...

Nunca se sentira tão só, tão premido em seu desespero, seria o fim ?

Altas horas, todos dormem, ressonam, alguns se inquietam, como ele, ou seria como o outro dentro de si ?  Cada som, ruídos indivisíveis o acompanham, silenciosos brados mudos, só ele, e ele só. Não há ecos e respostas, está nu diante de si, sem cúmplices naquela aventura medonha, a vergastar suas convicções atirando-o no precipício da insanidade. Sente-se duplo, como se fossem dois eus, um que reconhece como a sua identidade, o outro que estranha, que o instiga para labirintos indesejáveis, alguém que anseia, trava batalhas íntimas, se indigna, brada em sussurros, intermitentes, como a lhe conferir uma pausa para entendê-lo na incompreensão de suas idéias.

Admitir-se duplo, parece lhe conferir algum alívio, afasta de si os torvelinhos da loucura, passa a ser espectador do outro que hospeda em si mesmo... 
Já admitido o outro como hóspede indesejável, digladiam-se, discutem, como se fossem dois entes independentes. Um tenta dominar a situação, apascenta a ira, sublima a dor, tenta manter o equilíbrio, confundem-se, impotentes aos fatos, anulam-se. Um se tortura na incerteza, outro aquieta nos contrastes, não se conciliam, se aturam, dão tréguas, acorrentados, convivem em paradoxos.

Nas longas vigílias noturnas, dias seguidos de perturbações intensas, empapado de suor, murmúrios em suspense e arrepios, desalentado, pausa na luz da manhã, invadindo em frestas as cortinas de um novo dia...

 Supliciado, um homem, em busca da liberdade, voa no espaço...






*Conto selecionado para publicação em livro na Antologia Contos de Arrepiar, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, fevereiro de 2012.   Distinguido entre os autores com mais de 100 mil leituras nas antologias on line da editora.