quinta-feira, 31 de julho de 2008

FIM DE TARDE


Fim de tarde finda a lida
recesso rotinas batalhas
afrouxa o nó da gravata

testa enrugada pendências
mente registros em desfiles
nos bolsos papéis anotações

balanço rápido som no rádio
neons acessos trânsito difícil
notícias repassadas relapsas

fárois sinais retas e curvas
ruas alamedas e avenidas
a volta o esperado retorno

beritas cervejas geladas
trégua pausa necessária
conversa fiada e piadas ...

terça-feira, 29 de julho de 2008

TARDES FUTEBOLÍSTICAS


tormentosas tardes de jogos
inundos banheiros imundos
gritarias e brados histéricos

importunado e espremido
espetáculo não apreciava
na massa arquibancadas

(eu queria o conforto das numeradas
mas ele insistia na emoção da galera
)

fazia sol logo uma nuvem chovia
roupa molhada no corpo frio calor
levaram-me carteira e documentos

de cima um copo descartável
urina espalhada nas costas
pirraça anônima e covarde

o menino se entretinha em cada lance bradava
eu o acompanhava naquelas toscas aventuras
ônus talvez pela desejada paternidade varão


marionete levantava a cada comemoração

era parcial omitia elogios aos adversários
ali estava eu perdido na multidão

enaltecido abraçado com estranhos
gritando a plenos pulmões afônico
embalo na turma ele sorria sofria

e que alívio eu sentia com o apito final
redenção de sofrimentos fim expiação
se vitória risos ou muda solidariedade

todos saíam ao mesmo tempo
empurrões atropelos confusão
chamuscado o lanche na chapa

ele rouco feliz ou triste
eu aliviado
até a próxima jogada ...











VIDA COMPANHEIRA





(Fafá)

como defini-la
amiga fêmea
amante mulher

cúmplice desventuras
queixumes dores e aís
um pelo outro e únicos

não saberia atinar passos
sem tê-la na companhia
aflige-me tua ausência

assombra-me despedidas
sonhos malsãos pesadelos
ao vê-la de mim separada

desafios constantes lutas afins
espíritos de longas aventuras
guerreiros de longas jornadas

nada é mar de rosas nada
apenas a vida rotineira
nestas lidas companheira

somos tudo estradas
trilhos e caminhadas
sem um e outro somos nada...




ESTRADÃO














Pendurados na porteira
a distância de proteção
avistávamos a manada

eu e o filho do capataz
admirávamos a tropa
bovinos em quantidade

tangidos pelos cavalos
os cães na retaguarda
o gado seguia destino

cavaleiros bem montados
soando chifres berrantes
ecoavam sons distantes

altaneiros nas montarias
garbosos em sua função
as vezes nos saudavam

homens rústicos
de lidas grosseiras
heróis na profissão

vacas prenhes leitosas
mamas proeminentes
bezerros nos encalços

a poeira levantava
no trotar da vacaria
os vultos se perdiam

longe o som dos trotes
ecos ritmados soantes
findados no horizonte ...

sábado, 26 de julho de 2008

HINOS e LENDAS


Postados em filas indianas
camisas brancas calças azuis
entoava-se a canção coletiva

uníssonas vozes desafinadas
ganhando corpo virava coro
nas tardes antes da entrada

esbelta e feia professora
uma varinha feito batuta
harmonizava a execução

motivos de escárnios
pilhérias e gozações
aquela adunca figura

cerimoniosa a subida
ao mastro a bandeira
levemente ascendia

lábaro venerada
flanava altaneira
íamos para a sala

tantas palavras
pronúncias raras
o que seria ?

pouco se entendia
acompanhava-se
o ritmo enternecia

em versos dizia
rios caudalosos
imensas florestas

de um mundo estranho
minha cidade pequena
parcas lagoas singelas

um povo heróico
simplória a gente
a que via convivia

falava-se em morrer
caso a pátria ferida
difere a pacata vida

parecia aquela narrativa
distante da minha rotina
restava de bela a canção

como estórias e lendas
cantava seguia a letra
alheado e desconfiado

que procedência teria
de que povo aduzia
aquilo que se dizia ?

caraminholas a mente
ainda infantil e pueril
não atinava conceitos

como papagaio repetia
tantas estrofes alheias
emocionava a melodia ...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

FILHOS...











(Caio e Carol)

acalentados
em anseios
promessas

são sonhos lançados
no ar das esperanças
infantes lembranças

frutos tenros do amor
aconchegos em noites indormidas
os melhores de nós em encantos

figuras esperadas alentos
adolescentes adultos
cidadãos
para nós filhotes e pequenos


no ninar que embalamos nossos sonhos
trazemos na candura de nossas almas
sentidos que se perduram perenes

vocês serão sempre
petizes brincando nos quintais
esperando os beijos de boa noite

são filhos da vida sementes
plantados fértil solo de ternuras
nascentes floridas flores abertas

descendentes amados
embalados ninados

eternas crianças...

OS APELOS DE CADA UM


Sacudindo o toco do rabo
meu caozinho estabanado
requer carinho e atenção

nos seus doces olhos apela
quer chamegos traz a bola
brincadeiras fora de hora

desatento vãos chamados
entretido absorto na leitura
pobre animalzinho injuriado

rosna, late e quase uiva
nada tira-me do sossego
olha para o alto e mostra

a coleira na estante
quer sair e passear
mas estou distante

sinto odores silêncio
olfato algo suspeito
urinou-me os sapatos

estava o amiguinho
feliz e compensado
da indiferença vingado...



quinta-feira, 24 de julho de 2008

BOATOS & FATOS *


Alguém disse
outro ouviu
e deduziram

sicrano afirma
beltrano relata
outros inflamam

o que era uma dúvida
ninguém mais duvida
agrava-se a sentença

convicção irreal
ninguém desconfia
passa por verídica

o boato vira fato
ignora procedência
enaltecem detalhes

afirmam em evasivas
condenando a vítima
vãs maledicências...

DEVANEIOS...


nas mãos escoam a areia fina
na mente uma viagem linda
no tempo reencontro idílico

nas brisas que tocam a pele nua
escaldante abundante calor solar
no riso frouxo vadio desencucado

onírica sereia bela e sedutora
encantadora de navegantes
armadilhas de sonhadores

mas os ponteiros fatídicos
aniquilam qualquer ilusão
trazem-me à realidade

aguardam-me no almoço
figura indispensável
comigo levo as compras

se a fome não afoita
tampouco esperado
daqui avistaria o por do sol...

domingo, 20 de julho de 2008

MINHA AVÓ CATARINA *


Vendo-a depauperada
vago alento no olhar
aos 94 anos cessava


extenuavam as fibras
aquele espírito audaz
débil corpo expirava

impotente assistia
últimos momentos
frente ao inevitável

se pudesse impedia
mas como retê-la
de vôos mais altos ?

assinalava o tempo
inexorável e fatídico
suga energias e vida

nas noites na fazenda
junto a mim protegia
tinha medo do escuro

senti-me distante isolado
amiga tantas lembranças
partia assim a companhia

gratas memórias vividas
sabores mangas colhidas
coração de boi e espadas

quando saíamos escolhia

charrete, trem, jardineira
o desejo meu uma ordem

cúmplice de meu primeiro gole
o martini tão doce e inebriante
sua bebida favorita partilhava

vitrines guloseimas
na bolsa surpresas
mimos e atenções

das revistinhas em quadrinhos
lidas relidas lentidão no relógio
salão de cabeleleiros e torturas

No ar aromas de tinturas
bobies, grampos e laquês

esmaltes odor de bananas

sempre jovial a Catarina
até um codinome adotou
como Nelly foi conhecida

Precoce para os estudos
alteraram documentos
a data do nascimento

pioneira em seu tempo
três alunas na turma
bacharel em farmácia

também foi professora
atuou em laboratórios
ativa a vida mantinha

vaidosa, elegante esguia
a tez do rosto maquiada

unhas pintadas e batom

inerte velada na despedida
rubro nos lábios cerrados
maçãs das faces retocadas

Foi-se a Nelly, a Catarina
com ela um pouco de mim
cicerone em tantas alegrias...

MANHÃS DE SOL


Generosa qual teta de vaca
abocanhada bezerro faminto
sacio-me neste momento

Qual brisa serena marítima
cantos de gaivotas no ar
inebria-me a visão

Feito favos de mel
abelhas plantas ao redor
lambuzo-me neste néctar

Distantes iras pesares
a mente desanuviada
levita mar céu azul

Cresta a pele curtida
luz incendeia a vida
dadivosas manhãs de sol...

quinta-feira, 17 de julho de 2008

SÁBIA DECISÃO


os meninos reunidos
dois grupos divididos
as equipes formadas

times definidos
descamisados cá
e com camisas lá

ansioso aguardava
a escalação concluída
nenhum convite tinha

quando faltava alguém
de um lado ou de outro
desfalcados iniciavam

certa feita dono da bola
as partes preocupadas
e a partida ameaçada

presunçoso esperava
a inevitável conclusão
em qual turma jogava

os dois lados me queriam
no banco reserva diziam
talento não desperdiçavam...


terça-feira, 15 de julho de 2008

A DAMA E O VAGABUNDO *


no meio da tarde relapso
o mendigo alheio à vida
esparrama-se no banco

logo advém o sono
fraco o estômago
refúgio de faminto

abstém-se do derredor
afundado em si mesmo
acorda em sobressaltos

dois meninos brigam
esmolas em disputas
rápido sai o doador

ao retornar à apatia
observa desatento
o povo frente à loja

ao que tudo indica
aguardam ofertas
em meio à tudo vê

alguém gestos delicados
lhe endereça meigo olhar
incomoda-se o miserável

reluta no seu íntimo
arrisca furtiva visão
lá estava insistente

puxa a gola do paletó surrado
fuga da tão incômoda atenção
envergonhou-se de si mesmo

mostraria suas andrajosas vestes
as faces intumescidas pelo álcool
sapatos mastigados vida errante

haveria de repudiá-lo com terror
causa de náuseas e o esqueceria
mas ainda assim tanta afeição...

novas tentativas mesmo quadro
o fita enternecida a esguia moça
loura e bela de maneiras gentis

absorto ao ritmo da paulicéia
um homem ama desesperado
ganha coragem a olha detido

o fascínio do infeliz desconhece o tempo
nos olhos o brilho intenso sede de viver
a musa permanece inalterável amável

o dia se finda célere consumindo as horas
movimento de ruas se escoa cidade erma
coletivos lotados sentido centro/bairros

extasiado expressão desperta sorriso inédito
brota a luz no semblante cético e endurecido
audaz liberto entoa uma canção em alto tom

rouca voz enchendo as ruas adjacentes
atenção para retardatários transeuntes
ressurgido da letargia do sono fome

aproximando dela decidido e sem pudores
retendo na memória a figura amada e bela
nos olhos incendiados de amor e ternura

despede-se resignado passos largos
na pressa de quem sabe o que queria
um vendedor desmonta a manequim ...


( originalmente publicado como crônica no jornal literário " O Mosaíco", PUC/SP, 1985)

BOLHAS DE SABÃO






Atentos aos olhos meninos
no ar espalhavam as bolhas
encantos em diáfanas cores

dezenas e centenas de uma vez
enxames multicores à luz do sol
bolinhas soltas em zigue zagues

risonhas atração de pedestres
mentes em rodopios distantes
viagens em mágicas vertigens

pequenos canudos
borbulhas de sabão
risadas brincadeiras

ranzinzas apressados
maldiziam dos garotos
queixando-se irritados

mas quem parava e sorria
embalava-se nas fantasias
adultos crianças e alegrias

sábado, 12 de julho de 2008

FIM DOS SONHOS...


de Gdanski clamores estranhos
Polônia socialista trabalhadores
queriam sindicatos e expressão

de terras onde a luta prosperou
reivindicava direitos suprimidos
arrefeciam certezas convicções

o Estado substituia patrões
a burocracia se estabelecia
duras regras se impunham

em celas fétidas outrora heróis
não encontraram na revolução
as teses igualitárias defendidas

inimigos da pátria rebelados
velhos combatentes e ideais
jaziam proscritos na Sibéria

Na américa central
cuba a solitária ilha
execuções e prisões

erigia-se sobre a túnica
a igualdade entre povos
uma ditadura sem igual

Perestroika glasnost
liberta os soviéticos
rui muro de Berlim

A velha civilização chinesa
muralhas acolhem turistas
aberto mercado reformas

no caos do mundo
a liberdade única
mero livre pensar...

PASSEATAS...


Grupos se achegavam bandeiras e faixas desenroladas
tímidas vozes somadas logo crescidas ritmadas infladas
unidos aguerridos aquecidos compassados tesos irados ...

Brasil, polônia, América Central
a classe operária é internacional !!!

comerciantes desciam as portas
temendo os inevitáveis conflitos
papéis picados janelas solidárias

olhos úmidos e emoção gargantas ressequidas
punhos cerrados apelos e mensagens lançadas
nas mãos ideais e ilusão jovens revolucionários

história reescrita sem sofridos e explorados
cercas sem divisas sem senhores e patrões
terras divididas em fraternas comunidades

- Terra, Trabalho, Liberdade !!!

- Vai acabar, vai acabaaar !!!
- O que ?
- A ditadura militaaaar !!!

logo se avizinhavam os feras da lei
correrias atropelos, vãs resistências
restos pelos chãos, panfletos e vaias...

vezes ou outras escoriações
marcas das batalhas juvenis
sonhos de luz e de liberdade

Saudades do tempo em que cria possível
em arroubos e protestos mudar o mundo
restaram lembranças e cruéis verdades...

terça-feira, 8 de julho de 2008

O PRIMEIRO AMOR


Não me lembro o início
galguei o céu e inferno
e certezas por dúvidas

cidade pequena grande e única avenida
todos se encontram várias vezes no dia
no cinema, na escola, domingo na igreja

bastava avistá-la à distância e fremia
a figura desejada estranha apreensão
demorava-me mais frente ao espelho

espinhas no rosto imberbe
atento escovar nos dentes
asseio no cabelo penteado

eu que troça fazia
pouco me cuidava
tomava café e saía

arre agora tinha
aquela tormenta
rivais pressentia

e como padecia tremia
ao vê-la em companhia
de outro menino rapaz

e quando comigo falava
talvez não desconfiasse
o mal que em mim fazia

arrancou-me inocência e paz
os velhos calções de elásticos
do jeito destratado e cômodo

e diante dela me achava
como a mim me esquecia
desdobrado em cortesias

aquela pequena e querida
não sabia as minhas dores
recalcar anônimos amores

sentiria meus embaraços (?...)
timidez umedecia os lábios
inconfesso o peito de amor

ou quem sabe talvez
ao ego ferido alento
dores ambos sofriam...

domingo, 6 de julho de 2008

OCASO DO DIA


rede na varanda
restos da tarde
visão rubra cor

ciciar de insetos
cochilo preguiça
leitura desatenta

bouquê de jasmins
aroma nas narinas
umidades da terra

regaço sossegado
paraíso presente
o corpo indolente

talvez seja a procurada
almejada paz e silêncio
vida vibra esplendores

apaixonada serena
tal fêmea desejada
a noite se esgueira

quietude mormaço
estrelas céu de anil
fagulhas luminosas

espaços e espasmos
nem dores e odores
mansidão a luz lunar

tez molhada afetos
doce brisa amores
beijos afagos sexo ...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

FOTO ANTIGA


retrato antigo
branco e preto
alheio cenário

figura incolor
vagas memórias
poucas imagens

nada assemelha
a nova cidadela
e a foto na mão

E cada vez mais
menos se parece
o que se mostra

vestígios sumidos
furtivos e extintos
ausente lembrança

história esquecida
infância arquivada
raízes extirpadas

assim parece ser
nesse flagrante
o que já não é...

MENINOS DE RUA


Marotos olhos infantis
Calções blusas largas
Ranhos no nariz

Espontâneos sorrisos
Amarguras rasgadas
Sons em algazarras

Tamborilando velhas latas
incômodos e barulhentos
Fraquezas em risos soltos

Ágeis e franzinos
Malícias inocentes
abortadas infâncias

Carrinhos de restos
Coletas em alegrias
Estridentes assovios

Pães latas de lixo
Disputas em festas
tesouro descoberto

Eufóricos gritos
Faces sujas
Barrigas salientes

Seres errantes
Pequenos vadios
Escusas omissões

Vagam em bandos
Endereços incertos
Renegadas figuras

Encontradas em cada canto
Almas marginais
Esquecidas,divertidas até...