AS DAMAS DO CAIS

O cargueiro deixava o porto, levaria semanas para retornar, João avistou Ana acenando para ele, quis levantar a mão para responder, mas deteve-se. Ela era apenas mais uma profissional do sexo, encontrada em cada porto, não pediu que viesse para despedir-se, embora a fitasse distanciando-se...
Tudo acabou quando o pai sofreu um acidente de trabalho, não resistindo. Ficou definitivamente sozinho. Aprendera pouco naquela escolinha, o suficiente para ler e escrever, fazer as quatro operações de aritmética. Já era um jovem adulto, tendo que tomar suas decisões. Embora gostasse da vida na fazenda, tinha ambições, queria rodar o mundo, sempre ficava vendo a jardineira passar na estrada, lotada de lavradores que migravam em busca de novas oportunidades, entre uma safra e outra. Um dia, estava entre eles, tomando rumo incerto.
Quis conhecer o mar, e foi paixão instantânea. Tanto fez que foi admitido como grumete, para serviços de carregador de mercadorias e de limpeza do convés do navio. Em cada porto, um passeio, uma aventura, umamulher diferente. Corpo alugado aliviando angústias carentes, marinheiras euforias. Por módica retribuição era recebido, acolhido seus anseios e desejos, espaçados entre um porto e outro. Aplacava as fúrias, contidas nas ganas, nas luxúrias. A lembrança de rostos, as águas levavam, como o lavar-se o corpo das impurezas após os atos. Nas águas viaja, à deriva de compromissos. Outras ânsias aplacadas, em cada parada, tantas que nem se lembrava, esquecidas, passadas como as marés, carregando suas carências e magoas.
Ao adentrar o quarto, só queria o regalo das carícias, o saciar de suas necessidades, para tanto negociava o preço. O calor do corpo feminino, o perfume barato, demais não queria saber. De enredo sofrido e triste, bastavam as próprias experiências, o amadurecer prematuro, as lições marcadas no dia a dia. Dela cobrava o combinado, que ensaiasse um sorriso feliz na expressão marcada. Não falasse muito de si e de seus problemas, nada de reclamar de programa barato e da vida safada. Era um cliente, não um confidente de pai operário ou mãe doente. Não aprendera que seria fácil viver, vivia-se, assim eram as coisas colocadas no seu caminho. Nunca houve espaços para mimos, nem ombros para chorar o destino malfadado. O que ela tinha, ele queria, o corpo exposto, belo, sedutor deleite de todos. Havia os olhos quase infantis na cara de santa, aumentando o desejo. Ela significava um brinquedo, a diverti-lo na roda viva, num teatro de marionetes. Que manchasse a sua roupa melhor com seu batom vulgar, e tomasse de sua bebida, sem questionar seu paladar. Que viesse com suas carícias e o domasse, submissa, a sua fúria de besta reprimida...
Mas se detinha no convés a observá-la na distância, o motor da embarcação revolvendo as águas, lamacentas no início e depois azuis, emoções desencontradas. Ela tinha sido diferente, não mais uma. Por menos que quisesse admitir, não conseguia deixar de vê-la, se distanciando, parada, no porto, acenando.
Com os olhos nublados, a lembrar-se saudoso do pai, tangendo o gado, e a esperá-lo chegar à noitinha, contando seus causos, parcas lembranças de afeto, órfão de mãe ao nascer, talvez isso não o tenha habilitado para o amor que ela propunha, sendo aquele mar entre eles providencial para esquecê-la...
Quis confessar a ela, que fora especial, quase a esperança de ter alguém para esperá-lo e acalentá-lo como um ente querido e todo seu. mas, temendo enfrentar situações novas para si próprio, calou-se, fazendo-se de forte e indiferente.
A figura da mulher diminuía na distância, dando a ele as sensações mais estranhas, como as estradas percorridas pelo pai levando a tropa, sempre partidas e despedidas...
A via se distanciando, consumida em lágrimas. Ele indo, impassível na postura, em convulsão interior se questionando, ela triste, sumindo no horizonte......
*TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA FEIRA DE GUADALAJARA (MÉXICO)