quarta-feira, 27 de janeiro de 2016


À SÓS
instantes
únicos
desejados
território
livre
quietude
sons passos
conhecidos
íntimos
gritos mudos
intramuros
ecos surdos
momento
silêncio
solidão...
RECANTO DAS LETRAS
Ediloy A.C. Ferraro em 17/10/2008

terça-feira, 26 de janeiro de 2016


SABORES ADVERSOS



Intragável que seja 
A contrariedade
A verdade doída
O desaponto
O desassossego
O incômodo das mudanças
O inverso da situação
O reverso das certezas
A base em desequilíbrio
Se renascermos
Em novas convicções
Ímpetos e força
Garra e confiança
Inteiros após os tsunamis
Terá valido a pena
Tragar o fel
Enfrentar a dor
Se, ao final.
Reencontrarmos a nós mesmos...

NÃO NOS ESQUEÇAMOS...

NÃO NOS ESQUEÇAMOS...

De nós,
da voz
dos sonhos
da magia
e da fantasia
dos ideais
e das certezas
ainda que incertas
e controversas
da criança
do sorriso
da lágrima
e da emoção
Não nos apartemos de nós...

DETALHES

no íntimo cicatrizes
detalhes diminutos
ganham relevos
redimensionados
a fala reprimida
censurada no orgulho
voz silenciada
clamores sufocados
instantes revividos
sobressaindo atuais
ressurgindo o olvido
aguilhões doloridos
dor passada presente
viva, incandescente,
o que podia ser
e não foi...
Ediloy A.C. Ferraro
(08/07/15)
SITE DE POESIAS


ARES...
Amena brisa
Encanta, fascina
Canção silenciosa
Tênues sensações...
Hálitos doces
Verões primaveris
Acalentos, sussurros
Úmidos murmúrios...
Bafejos de beijos
Paz d´ alma
Insinuada gratidão
Devoção, oração...














AMANHÃ...

Será um outro tempo, velho/novo
Folhinha descartada do calendário
Ilusões e esperanças renovadas
Importa é crermos nesta fantasia
E dela fazermos nossa força
a nos blindar da inércia e tristeza
Cultivemos a utopia como a uma flor
Desde que nos remoce,
Nos devolva os ânimos, crianças
Mesmo que tudo sejam quimeras
Delas façamos as nossas alegrias
Removendo o ranço que nos impregna
Quando nada existir que nos anime
Diante ao vagaroso passar da vida
Sejamos alados,além das monotonias...


30/12/2015

















ÁGUA BENDITA
Invada todos os espaços
Regaços secos exauridos
Saudosos de suas cheias
Molhe inunde alague
Engula expanda agrida
Ranços galhos secos
Feito tetas bem fornidas
Em porções generosas
Leve para longe a secura
E nos leitos cheios retomados
Fresca brisa abunda a pesca
Pescadores e canoas
Canções da prosperidade
Esperanças renascidas
Bem faz a água à vida...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016


78ª PUBLICAÇÃO EM ANTOLOGIA DE CONTOS,

A maioria pela editora CBJE - Rio de Janeiro-RJ
lançamento em 20/março de 2016

Texto de 23/03/2011














O VENDEDOR DE ILUSÕES



Surpreso naquela realidade inusitada, no centro da cidade, transeunte interiorano recém chegado à capital, imerso na balbúrdia cotidiana de uma megalópole. Ele, oriundo de pequenos lugares, a cidadela natal e a de criação, via-se, aturdido, abismado, no corre corre daquele cotidiano insano e fantástico, aterrador e apaixonante. Estava pasmo naquele universo novo, tão diferente do que jamais vira.
Na praça, onde sons se confundem, azáfamas da pressa paulistana, ritmo tresloucado do gigantesco formigueiro humano, lá se encontrava, matuto quase, naquele intricado mundo de muitos mundos justapostos, culturas múltiplas, costumes misturados e estranhos, profunda confusão na alma. 
 Pisava aquele solo como astronauta em visita a um planeta desconhecido, os arranhas céus, vistos do chão, pareciam alcançar as nuvens. Não se podia fixar em um ponto sem incomodar a outros e ser incomodado, como em um filme antigo de cinema mudo, as cenas corriam e tudo se mostrava em movimento contínuo. Absorto espectador daquela faina colorida e intensa, na algaravia de tantos ruídos, sobressai , terna e doce canção conhecida, cantilena enternecedora soando aos seus ouvidos... Enfim algo com o que se identificar em suas origens.
Como poderia, naquela agitação, alguém se ater naquela atividade, julgada própria apenas nos rincões do País ? Figura folclórica,  ali, no centro de uma das maiores cidades do planeta, onde tudo parecia ser possível, mesmo a ternura evolada da canção de um realejo ...
Debruçado sobre a manivela, que também aciona a caixinha de música, como em um pequeno porta jóias, onde dança a bailarina com os acordes sincronizados, mas o que ocorre, de uma simpática gaiola amarela, um periquito, com o bico, escolhe um pedaço de papel e entrega ao homem, que repassa à consulente, mediante o recebimento, a moeda tilinta na caixa. Ansiosa espera o bilhete ser entregue, a moça atenta à mensagem, que vaticina futuras felicidades. Expressão de alegrias no rosto da portadora do recado, confiante nas promessas alvissareiras recebidas. Grata, ensaia um agrado no verde pássaro, segue encantada em suas esperanças. 
Ao jovem desempregado, via-se por portar um jornal de empregos, amarrotado sob o braço esquerdo, enquanto buscava algumas moedas para pagar pela consulta. Feito o pagamento, recebe a mensagem escolhida pelo periquito. Em evasias, o ensejo de melhores dias, num futuro promissor, esboça um sorriso esperançoso e segue seu destino.
 Para a senhora tristonha, da vida amarga solidão confidenciada, a espera por um grande amor na idade madura, uma companhia para seguir sua jornada. Mais um alento na mensagem recebida, animada e confiante, beija suave o papel recebido, semblante de luz e confiança na sorte.
Basbaque e atento àquelas estórias, de vidas depositadas em fantasias de um profissional adivinhador, a quem, com seu parceiro, uma avezinha simpática, vendia sonhos ao som de cantigas serenas e envolventes. 
Viu-se surpreendido pelo olhar convidativo do negociante, a oferecer-lhe uma consulta, enquanto tocava a música inebriante...
Em dúvida consigo mesmo, questionando-se de sua tola indecisão,  pensou por segundos em anuir ao convite, mas reteve-se autocensurando, julgando-se ingênuo por deixar-se envolver por aquela maluquice, afastando-se, e se perguntando, o que traria a mensagem se a recebesse ?    
 Certo é que as pessoas consultadas, antes apreensivas e preocupadas, saíam risonhas e confortadas, por que então não ele a se consultar ?
Estrangeiro naquela terra estranha, um migrante em mundo novo e assustador, talvez tivessem  respostas naquele pequeno papel para seu futuro, forças para superar suas angústias e receios. 
Apertava seus passos,  em íntimos conflitos, o homem cético e maduro contra o menino curioso e crédulo. Distanciava-se  da praça envolto em penosos questionamentos...

sábado, 19 de dezembro de 2015






77ª participação de antologias de contos (diversas editoras), a maioria pela CBJE-
Rio de Janeiro- RJ - lançamento fevereiro de 2016.


TUDO É CARNAVAL...

Devaneios sugeridos, ao som de uma música, tomando cervejas, mastigando amendoins. A noite solta, ambiente agitado, os olhos ao derredor colhendo, atrevido, cenas a compor um cenário. Detalhes se avolumando nos refolhos da mente, como protagonistas, superlativando miudezas. No  sufoco do mormaço, mesa repleta de garrafas, ócio curtido em divagações. 

Malícias sensuais nas ancas morenas, roliças, matreiras, das sambistas na malemolência dos passos, ritmados...
 Alheio, deserto, perdido, sortido como bala em baleiro colorido. Alternando goles, salivando sementes, as devorando ávido, voraz, insaciável, como se tivesse degustando um manjar dos deuses, absorto em suas elucubrações. Sensação multiforme, distante, inconstante, insana, incendiado e acalmado nos 4% etílico dos 600 ml de cada garrafa.

 .Ria-se consigo mesmo de suas conclusões metafóricas, ilhado em sua solidão no meio de toda aquela gente agitada. A mente em rodopios, curtindo de forma diferente aquela situação, como se visitasse a si mesmo  em sentimentos. Achava-se, entre um gole e outro, compenetrado e alheio, ou talvez vendo com os olhos da alma. Parecia que todos cobravam sorrisos, como máscaras, carantonhas risonhas tão aceitas no trivial das formalidades, afinal, tudo era festa. 

Se não fosse chamar a atenção, e a iluminação ajudasse, pediria um papel para rascunhar suas impressões, os sentidos voam de ambientes em momentos, despertados por sensações e motivos...um cheiro no ar, uma palavra, instantes remontam a outros na memória destravada. Pronto, sentia-se ausente, embora sentado ali, no rebuliço dos foliões, vagando em reminiscências, indiferente à algaravia da paisagem. Inspiração, inoportuna visita, expressando distância a alguém que o olhasse, ensimesmado, em íntimos mergulhos, embrenhado em suas cogitações. Levado de inopino a outras imagens, corpo fixo, a alma sumindo... 

O sentir de agora, doía no corpo, magoando a alma. Por onde andará a mente, liberta das contingências, na intimidade de cada um ? Quem garantiria de que muitos não estariam distantes, embora aparentemente presentes naqueles momentos?. Besteira,  atalhava consigo mesmo, isso era coisa de maluco como ele, a tentar enxergar tudo por outros prismas, enevoados e enigmáticos. Antes produto de suas retinas atrevidas, enxerido nas vidas de entes semelhantes, sempre buscando algo além da aparência visível a todos. Exercícios feitos da janela , visualizando figuras, descortinando suas reações nas suas lidas cotidianas a ocupá-las. Nas calçadas, passos rápidos, cada qual enfurnado em si, vidas que se encontram, rentes, indiferentes, histórias diversas, sempre perdidos nas pressas. Formigas em formigueiro, viventes no mesmo solo, viajantes no mesmo tempo, solitários nas mesmas companhias, transeuntes de momentos. Em cada cabeça, universos condensados, identidades transcendentes, contemporâneos na jornada, estranhos conhecidos...

Assim, dando asas aos pensamentos, tirava suas conclusões, inescrutáveis a terceiros: " bailamos com nossas imagens, arsenal de disfarces e ritos, assim nos apresentamos. Celebramos as cerimônias, em mesuras programadas, em risos previsíveis. E diante a nós, à sós, maquiagem retirada, cara limpa, lavada, sem fugas, artifícios, ausentes de neons e frenesis artificiais, somente o íntimo...desnudo, implacável, ainda assim podemos fugir, nos anestesiar, rir, dançar, cantar, acreditar na fugaz alegria, e embriagados ressonarmos, como crianças crescidas. Porém, se insistirmos, arriscarmos nas dores das incursões íntimas, nos conheceremos tal como somos, nos apresentaremos a nós mesmos"... 

Detida a atenção sobre um casal que tentava uns passos, inapropriados ao clima carnavalesco, pois pareciam dançar um tango... boteco atulhado, freqüentadores já embalados nos teores alcoólicos, volteios na contra dança, um mulato e sua parceira, ensaiando em trejeitos bizarros, o som aumentando, incomodando, casal em performances ousadas, naquela maravilhada plateia, extasiada pelo álcool e a música.

 Trôpegos dançarinos, luz amarelada, fosca, ar nauseante de fumaça... na noite deslizante, tépida e tranqüila, a mente acompanha. De repente, descortina-se na imaginação outro inusitado cenário, em amplo salão , orquestra e pares engalanados, suaves adornos em seresta, seleções melodiosas, acordes de fina festa, aromas de jardins em primavera... Peça que nos prega as viagens doidivanas da mente, encanto dissolvido, desentendimentos, paz interrompida. Botequim sufocante, antro oculto na praça, só mesmo mais uma cerveja gelada a compensar o incômodo, nada que perturbasse as averiguações daquela personagem atenta e discreta em seu universo pessoal.

 Incendiando as ruas adjacentes um tropel de alegre arruaça, bloco de inveterados foliões, fantasiados e coloridos, desfilando  nas suas alegorias, convidando a todos aos frenesis eufóricos das marchinhas...
 
 Na silenciosa análise daquele observador singular, parecendo a tudo assistir interessado, suas observações, se pronunciadas, não fariam sentido àquele deslumbrado público "...No cordão do desespero, enfileram-se atormentados, choram, riem-se de suas desditas. No bloco dos felizes ou ingênuos, navegantes em mares plácidos, crenças cegas e filosofias leves. De entremeio, entre os dois grupos, os anestesiados pela euforia e os dementados pela realidade, oscilante, entre eles, em busca por tênue lucidez, seguem os analíticos, inebriados nas fantasias dos eufóricos e identificados nas angústias dos sofridos"...

Levantava-se, já trôpego, o filósofo solitário, ruminando suas teorias, levando consigo suas impressões, como um cronista da vida, ganhando as calçadas...

sexta-feira, 20 de novembro de 2015


76º texto publicado em livro de antologia de contos, novembro de 2015, editora CBJE-Rio de Janeiro-RJ.

Choro na viola



 

No espaço do bar, entoando a viola, tirava acordes, transpirando suas nostalgias em poemas líricos de própria lavra, sinceros e belos. Saudosas canções, jamais alegres, embora lindas, falando de um amor passado, asas das saudades... O ritmo do instrumento parecia lágrimas sentidas acompanhando a voz afinada e tristonha do violeiro. O lirismo compungido fazia do ambiente algo íntimista, atraindo a atenção dos frequentadores. Seriam lágrimas transmutadas em cantos, ou prantos disfarçados em sons?
No embalar de suas entonações, imagens casadas com a natureza bucólica, reminiscências de sua origem rural, enfeitando um cenário onde debulhava suas saudades em trinados melodiosos e nostálgicos. Vagava muito além daquele ambiente, viajante introspectivo em seu universo pessoal, restava ali sua presença física, seu rosto denotando suas emoções, seu cantar inspirado, feito um canário em uma gaiola, onde não se sabe se canta ou chora suas desditas de prisioneiro.
Apenas a viola como companheira, atraindo a atenção dos presentes, envolvidos na aura melancólica do intérprete carismático, de afinada voz melodiosa. Em sua prosa lírica, confrangendo emotivos da assistência, onde as falas se comunicavam com muitos, visto a infância comum de alhures lugares, pontuadas em lembranças de simples vidas campestres.

O artista vivifica momentos, extasia a plateia em qualquer palco que se apresente. Seja em qual instrumento for, no toque de um piano, no dedilhar das cordas da viola cancioneira, ou ainda de uma gaita a bailar nos lábios. Mesmo no pandeiro rasteiro na harmonia da percussão de uma bateria de escola de samba, feito em canções, lamentos e louvores se mesclam inspirados, trazendo o choro feito arte, invadindo corações e incendiando e reverberando luzes. Ainda que tristes, soturnas, as notas extraídas. emoções evoladas, libertas amarras em sonoras expressões. Lágrimas e lástimas, em poesias ritmadas, libelos das dores em libertação.
Ali estava o poeta e sua viola, abraçado a ela como se fosse a amada distante, revivida em sua poesia e sons lamuriosos, consumido de saudades. Histórias de vidas, relembradas, amores deixados no tempo em amargas despedidas. Enlaça seu instrumento, extensão de sua voz e dor, cúmplice, nas incursões sofridas da memória. Brando choro sonoro em notas musicais, mágoas cantadas, dedilhadas, ecoando, pranteando e encantando.
Em cada face dos presentes, embalados na melodia, como se o sentir de agora doesse nas almas revivificando momentos, o fenecer das alvoradas e entristecer dos ocasos, pintados em rubros arrebóis. Cada Ser um universo, arquivo inescrutável de suas intimidades. Na muda leitura que cada nota inspira, tocando corações. O que nos une, na sincronia humana, são as emoções, manifestas em sorrisos e até em lágrimas de alegrias e de dor.
O gosto, aromas e sabores, sentimentos pelas flores, encantos dos pássaros, fases do dia, esquadrinhado em horas, rotinas. Furtivas sensações, pinturas de um quadro, detalhes de uma escultura... Paixões revolvidas, em canções ouvidas, curtidas e sofridas. Tantos sentimentos se misturam, meiguice de crianças, nuvens em desenhos, gostosas gargalhadas, perfumes, queixumes e humores...
Águas correntes, límpidas, cristalinas, nascidas nas retinas de almas sensíveis, passíveis de emoções. Escorre nas faces, nublando sorrisos, deixando cicatrizes. Alegria de chegadas e amargas despedidas. Ânimos de euforias, pesares e agonias, levando, deixando, sinais na vida, sulcos em leitos secos dos rios.

Olhares alheados, enviesados sentidos, ociosos momentos. Bolhas de sabão em vagos pensamentos, nau sem rumo, sensações oscilantes, sentimentos refutando tormentos. O que se buscava, cada qual, era o enternecimento em suas próprias viagens íntimas, saboreando lembranças, descortinando vidas. Aparente indolência calma, inspirados nas canções. Desafios às emoções, um adeus abraço, distâncias presentes, a imagem de quem vai, ausência doída que fica, lembranças queridas.
Como regente de uma orquestra, dando as ordens com a batuta, no interior de cada ente, suas verdades em silêncio, como barcos singrando extenso mar, com matizes próprios, escritas com os dias de cada vida. Estradas, partidas, despedidas,sumindo, consumindo.
Estrela guia, ou sugestão apenas, evolava no ar aqueles acordes, despertando sensações, sentimentos. Oníricos instantes, devaneios e magias, girando as mentes distantes naquela canção, percebida de forma sutil e diferente em cada qual.
Carícias, aragens finas, beijo leve, um sopro ou uma brisa perfumada, suave música convidando aos sonhos, ninando felizes crianças embaladas na ternura. Evasiva canção, solidão muda, curtida, versos doloridos, pungentes. Alardeia lamentos, saudades, passado, entretendo pesares presentes, levando nas dores cantadas, como as águas correntes que buscam o mar, amainando o sofrer...
Dedilhadas notas leves, sonhos doces em emoções, enlevos para Seres carentes, inspirações, sons, acordes na viola, brota nasce, uma canção. Trazendo suave, à flor da pele, trinados maviosos, sons harmoniosos, asas para sonhar... Um mundo inteiro, cheio de deleites, luzes interiores, tristezas, mágoas, desencantos e cicatrizes levadas das almas, feito roupas sujas lavadas e alvejadas. O sumo imundo, escorrendo, sumindo. O canto encantado em formosas notas, vibrantes, etéreas mensagens na atmosfera, nimbadas em clarões, aureoladas na paz...

    PUBLICADO NO BLOG DO LIMA COELHO - CONTOS, CRÔNICAS E ARTIGOS LITERÁRIOS - SÃO LUIZ /MA (COMEMORANDO 6 MILHÕES DE ACESSOS NA INTERNET) - ILUSTRAÇÕES DE MEL ALECRIM, POETISA E CONTISTA.

domingo, 1 de novembro de 2015





( 75º texto publicado em antologia de contos pela CBJE, Rio de Janeiro-RJ, lançamento novembro de 2015)

O lance certeiro

  
Aneraldo tinha por hábito relacionar tudo de sua vida à sua paixão futebolística, assim, pela tabela do campeonato, ele resvalava da segunda para a terceira divisão em sua atividade profissional... há exatos oito meses sem marcar gol, ou seja, finalizar a partida, concluir um negócio. Não havia torcida a favor de sua posição, mas, cobradores, quantos ! Não fossem alguns bicos de locação estaria fora da disputa há muito.

Apostara suas fichas naquela venda, tudo parecia perfeito, os lances elaborados, faltando finalizar e mandar a bola para dentro da rede, questão de detalhes... Tinha faro apurado, sabia quando a maré estava a seu favor, os dribles do destino acenavam auspiciosos, sem negativismos, mudou a sintonia do rádio do carro do noticiário sempre com assuntos nebulosos, só falando em crises de vários setores da economia...Queria livrar-se da aura escura daquele ambiente catastrofista, a torcida dele para ele, era favorável ao arremate triunfal, à volta por cima, ao lance certeiro...

Tamborilava os dedos no volante do carro, minimizando a ansiedade na música suave, otimista, como o povão na arquibancada vibrando pelo timão, seu Corinthians de devoção. Olhou despercebido pelo mostrador de combustível, na reserva. Como ele, parecendo estar no banco, à espera de ir para o jogo. Dava para chegar ao destino, depois veria o que fazer, teria que ter a paciência de um vencedor, a bola estava em seu pé, pronta para o arremesso que o tiraria da zona de rebaixamento...

Cumprimentou efusivo o porteiro do prédio, parecendo adentrar a arena da partida, envaidecido de sua performance, sentindo-se olhado pela multidão a saudar seu campeão... Chegara antecipado ao apartamento a ser mostrado para a sua futura ocupante, seu troféu ardorosamente esperado pela campanha vitoriosa de seu tino comercial. A partida estava ganha, os filhos concordaram com o preço, e o espaço era também o que desejava a senhora mãe que vinha assinar o contrato,e para conhecer sua futura moradia, venda à vista, comissão grossa em conta, assovios de olés da fictícia torcida...

Adentrou o imóvel, com o sol exuberante daquela tarde inundando os ambientes, arejando os pulmões de atleta pronto a entrar em cena e fazer sua partida triunfal, os ponteiros do relógio davam conta de sua antecipação na chegada, exatos quinze minutos antes, coisas de jogador cioso de seus compromissos, pronto para o aquecimento no campo.

Correu os olhos pelos cômodos, impecavelmente limpos, como a grama rente esperando pelo certame inesquecível... Toda aquela disfarçada ansiedade, no silêncio da atmosfera, o banheiro ostentando um rolo de papel higiênico dupla face, um convite ao desafogar, equilibrando seu ritmo, antes de entrar e ser ovacionado pelo seu público. Aquilo tudo era um convite implícito para uma boa defecada, a intenção já comunicada ao cérebro, no descer das calças, ainda restavam dez minutos...

Assoviava e ria consigo mesmo, levantando-se e apropriando-se do papel deixado pelo antigo inquilino em oportuna ocasião. Porém, há sempre poréns, a descarga da hidra estava travada, imóvel. Pensou em forçá-la mas ateve-se do inconveniente, caso ela estivesse com problemas, seria um incômodo imprevisto na porta do lance derradeiro... E agora, deixaria seu resíduo a boiar no vaso ? Como justificar aquilo aos pretendentes compradores ?  Rápido correu à área de serviço, e nada havia para colher água, nenhuma vasilha por improvisada que fosse.  Pânico na reta de chegada, como uma cãibra na musculatura da perna do artilheiro...

O melhor a fazer era recolher aquilo com as próprias mãos, afinal era dele mesmo, o que não poderia era correr o risco de impedimentos na grande área. Feito isso, embalado o volume repugnante, restava dar fim àquilo, e rápido...  Pressionado como se estivesse com o juiz de apito na boca aguardando a ação.

Da janela da sala, do 10º andar daria na porta de entrada do edifício,nem pensar; foi então para um dos quartos, cairia nas árvores do estacionamento, com sorte ficaria retido nas folhagens...

A jogada deu zebra na finalização...Coisas do destino, bola do pênalti chutada fora na decisão.

O seu volume feito um pequeno pacote, como um chute arremetido, não teve a rede desejada, e desabou sobre o vidro dianteiro do veículo de seus esperados clientes, que estacionavam o carro; e, indignados, com a fezes esparramada e mal cheirosa, saíram esconjurados, abandonando rápido o local, desistindo do negócio...

No caminho de volta, bandeira de seu time em baixa, sentiu o carro falhar. O combustível acabou próximo a um córrego, terreno ermo, duas traves improvisadas, de madeira, um campinho amador na várzea, era como se sentia como jogador....Então concluiu que fora, efetivamente, rebaixado na classificação...

sexta-feira, 18 de setembro de 2015




74º CONTO PUBLICADO EM LIVRO NA ANTOLOGIA EXPOLETRAS 2015, EDITORA CBJE - RIO DE JANEIRO-RJ, lançamento em 20/11/2015



SOMBRIOS TEMPOS 

Na impositiva soberania da legalidade maculada, sob suas ordens, a da lei, desvirtuada e permissível aos interesses dos golpistas, estranhamente jornais apresentavam lacunas em branco, ou despropositadas matérias como  receitas de culinárias em local de destaque. Posteriormente soube serem protestos sutis contra a inclemente censura existente, tolhendo redações de jornais quando as notícias estavam prontas para impressão. Em cada empresa jornalística, impressa, televisiva e radiofônica, havia enviados com a finalidade exclusiva de fazer uma varredura, um pente-fino, entre o que podia ou não ser publicado, eram tempos de ditadura.

O clima disseminava-se a todos os que conseguiam entender o que se passava. O falar silenciado e as palavras controladas, as rádios não tocavam com freqüência a nossa música, invadida por execuções em inglês, parecendo que não tínhamos mais nenhuma tradição musical. As poucas canções, ou eram inocentes a toda prova, ou traziam mensagens cifradas, fazendo com que compositores tivessem a manobra do uso excessivo de metáforas nem sempre inteligíveis aos ouvintes. Peças e filmes abortados, artistas perseguidos, autoexílios promovidos pelo ambiente asfixiante. As conversas em lugares públicos banalizavam somente as proezas futebolísticas, paixão de nossa gente, culminando com o primeiro título da Copa, em 1970.

Havia um cercear até, e principalmente, nas escolas, sobre determinados assuntos. Como estudar, em história, a então União Soviética, de forma sucinta, sem mencionar a sua economia, por exemplo. A bíblia passou a ser o estudo malfadado de Educação Moral e Cívica, parecendo religião aplicada. Incultiam-nos maravilhas verde amarelas, o País do futuro, da rodovia transamazônica, estrada que uniria o norte o nordeste brasileiros, em disciplinas desprovidas de senso crítico, como mantras da subserviência direcionada.

Autores nacionais preteridos, pérolas como Graciliano Ramos com sua escrita esmerada, não apenas na forma, mas no retratar as mazelas sociais de nosso povo, ele próprio vítima das atrocidades do Estado Novo getulista.

Os veículos ostentavam adesivos tendo a bandeira como protagonista, Brasil, Ame ou Deixe-o.  Nenhum comentário que transcendesse aquelas páginas, restritas àquele universo, passavam incólumes. Tomavam  não apenas a direção do País, mas os das mentes das gerações de jovens estudantes, o que dizer, então, dos demais setores da sociedade ?

Um texto escrito era lido, relido várias vezes, refletido, autocensurado, nada que transpirasse os sussurros de prisões hediondas, infundadas, levianas. Vivia-se espremido, desconfiado, lembrando a santa Inquisição da idade média, onde todos poderiam, a qualquer momento, serem considerados bruxos e denunciados, substituindo fogueiras pelos porões das torturas.

Algumas palavras relegadas ao ostracismo, sequer eram mencionadas, por malditas e execradas, como a greve, tida como anomalia social passiva de subversão da ordem e dos interesses nacionais, penalizada na Lei de Segurança. Comumente as mídias, televisivas e faladas, em horário nobre, anunciavam pronunciamentos nas vozes pastosas dos verde olivas em seus uniformes. 0s estudantes cumpriam as datas cívicas em desfiles obrigatórios, quando não assistiam as paradas militares a ostentarem orgulhosos seu poderio bélico.

Assim seguia nosso País, sob baionetas e fuzis, num céu de brigadeiro, ufanismos a todos os pulmões, sesquicentenário de nossa independência política, mergulhados na mais ferrenha e estúpida das aberrações contra a dignidade humana, a supressão da liberdade. Atrofiavam gerações, silenciadas, bestializadas nos bancos escolares, sob o bê a bá das censuras e das mentiras convincentes ao Poder. Realidade fabricada, manietada a livre imprensa, artistas, operários, marias, josés, putas, todos viviam sob o guante da força bruta instalada.
O sistema fechava-se, anulavam garantias individuais com o pretexto de não facilitarem a vida dos envolvidos políticos contrários ao Golpe, eufemismo  denominado  por eles de Revolução. Governo eleito deposto, leis de exceção transfigurando a Constituição adequada às necessidades do terror estabelecido.

Eleições apenas as proporcionais, abolia-se, incontinenti,  a livre escolha para a Presidência da República, tendo os Estados governantes indicados pela Junta Militar, ora cúpula de governo. Mesmo na escolha para o parlamento, criou-se, depois de venerável derrota, a esdrúxula  figura do Senador Biônico, escolhido pelo Executivo General. Banqueiros e inescrupulosos empresários, acolitados por políticos fisiológicos e oportunistas, comensais da rapinagem nacional, legitimando o massacre, atentando contra os direitos humanos.

Nos ares pesados, sob constantes ameaças à liberdade civil, pouco se falava, menos se escrevia, ruas, casas, teatros, bares e escolas, o medo nos dominava e enceguecia. Se alguém soube demais e ousou dizer, ninguém mais sabia aonde ele estava, e tudo era medonho, tristonho, militar.

Livros duplas capas, ocultos e suspeitos em leituras e segredos. Terríveis hipocrisias, funestos tempos de ira, a nação esvaía-se e esbaldava falsa moral, orgias e saques, permissões contrárias ao interesse pátrio, avanço desmedido do capital internacional e das remessas de lucros a minguarem nossas divisas, tudo em omissões, e comissões, consentidas. Falso milagre econômico a nos dilapidar até os dias presentes em juros abomináveis.

Sob  o signo da guerra fria, o conflito entre duas potências, conhecemos o terror da ditadura, não apenas nós, mas também nossos irmãos vizinhos, cicatrizes relembradas para que não se intentem, nunca mais, contra o mais precioso direito da criatura humana, seu livre arbítrio e a liberdade de expressão.

Sejam sepultadas as práticas irracionais e tirânicas de todas as épocas,  em qualquer bandeira ou ideologia em que se refugiem; e que, sob o argumento de estrito cumprimento das ordens, justifiquem atrocidades, negando  a justiça, alheios à paz, aniquilem vidas...

*infelizmente esta narrativa não é ficção.